Theresa Catharina de Góes Campos

   
ARTIGO DA JORNALISTA NOÊMIA FÉLIX DA SILVA INCLUI NA BIBLIOGRAFIA O PRIMEIRO LIVRO DE THERESA CATHARINA

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da080520026.htm

CONSELHOS DE IMPRENSA
Liberdade, censura e autocontrole

Noêmia Félix da Silva (*)

O presente artigo é o resultado de um estudo sobre o conselho de imprensa – Minnesota News Council (EUA) –, instituição não-coercitiva de controle da imprensa com objetivo de assegurar a responsabilidade social da mídia. Foram analisadas as experiências deste conselho para compreender a sua eficiência na crítica e na mudança dos meios de comunicação. Uma das questões a serem compreendidas era o porquê de a imprensa americana ter os conselhos como uma ameaça à liberdade da imprensa e ainda permitir que o MNC durasse 29 anos. Para responder a esta questão, os conceitos de estrutura do espaço social e de campo jornalístico de Bourdieu (1998) foram importantes para a compreensão de como a sociedade americana gera seus bens simbólicos. O conselho mostrou ser uma alternativa limitada para correção das distorções e um espaço estimulador da participação democrática e da promoção da discussão entre público-imprensa-público.

Os conselhos de imprensa surgiram na década de 70 e, em 1996, já existiam cerca de 22 conselhos de imprensa em todo mundo, geralmente, compostos por jornalistas, empresários, representantes do público, com o objetivo de julgar as reclamações do público apresentadas a eles. Em Portugal – (AACS, Alta Autoridade para Comum Sociedade) – e na França (CSA, Conselho Superior Audiovisual) – o Estado tem a função de intermediador e é ele que delibera sobre as queixas.

Paulino (1999) fez um levantamento de vários conselhos existentes atualmente e suas diversas formas de atuação. Ele divide os conselhos em três tipos, levando em consideração a representação nos conselhos de protagonistas básicos da comunidade social, como empresários, profissionais da imprensa e o público: estatais, bipartites (subconselhos) e tripartites (Minnesota News Council/EUA). Os Conselhos de Comunicação Social são formas não-coercitivas de controle da imprensa. Para o professor do Instituto Francês de Imprensa Jean-Claude Bertrand [autor de três livros sobre conselhos de imprensa na França: Lês Conseils de presse dans le monde in Notes et études documentaires. Paris: La documentation française (1977), Pour Un Conseil de Presse idéial. Presse-Actualité (1985) e Marking Media Accountable: The Role of Press Councils. Paris, 1996.], esses órgãos são meios não-governamentais para assegurar a responsabilidade social da mídia.

"Os CMS objetivam preservar a mídia de interferências externas e garantir ao público um serviço de qualidade e que garanta a manifestação plural na imprensa. São instituições permanentes com autonomia para reunir, colegiadamente, proprietários, jornalistas, cidadãos e representantes da sociedade, governo e Estado". (BERTRAND apud PAULINO, 1999)

Eles têm, ainda, como objetivo a prevenção progressiva das distorções, estimulando a participação democrática e a promoção da discussão sobre o papel da mídia com a constante realização de palestras e cursos. Funcionam como órgãos de arbitragem, de encaminhamento e intermediação de queixas e reparações de erros e falhas. E, ainda, como tribunal de honra, exercendo papel auto-regulador.

Quanto a sua interferência na mídia, têm sua força limitada por não possuírem poderes de coerção. Podem, no entanto, repreender publicamente o infrator, causando certo impacto. Como isso se dá? Bem, a repreensão se dá pela divulgação na própria mídia dos pareceres julgados pelo conselho. No entanto, alguns conselhos têm poder coercitivo, aplicando multas e outros tipos de sanções. Mas é uma pequena minoria.

Eles não visam apenas punir, mas construir registros e trabalhar em defesa do ofício da informação e da vigilância dos princípios deontológicos da profissão. A tentativa de fugir do conflito natural entre os poderes do Estado ou da pressão econômica, substituindo ou até suplementando as estruturas dos Três Poderes, principalmente do Judiciário, já que na maioria dos casos, o reclamante desiste da ação judicial se consegue a solução da queixa. Em outros casos, o conselho permite que o queixoso faça a reclamação e entre ao mesmo tempo com uma ação judicial. Já alguns não permitem essa prática, chegando até a cancelar a reclamação se o reclamante entrar na Justiça.

O Minnesota News Council <//:www.mnt.org/newscouncil> foi fundado em 1971 pela iniciativa dos integrantes da Associação dos Jornais de Minnesota, localizado no Estado de Minnesota, ao Nordeste dos Estados Unidos, fazendo fronteira com o Canadá. Este estado americano tem 4,3 milhões de habitantes, 90 emissoras de rádio, 22 emissoras de televisão e 27 jornais diários, com tiragens de até 970 mil exemplares.

Segundo os dados do Conselho de Minnesota, seu objetivo é promover um jornalismo fiel, rigoroso e confiante, criando um fórum onde o público e a mídia de notícia possam engajar-se um no outro examinando padrões de fidelidade. E para alcançá-los buscam as mediações e os debates públicos em audiências.

Este conselho baseia-se em princípios como:

** Uma democracia sadia tem que ser rigorosa, e confiante ou em que se pode confiar;

** O público se beneficia quando as fontes de notícias ajudam a abraçar as instituições sociais;

** A mídia de notícias se beneficia sendo mais clara, fiel à notícia, se isentando de explicações;

** Interação entre o público e a mídia de notícias desmistifica a prática jornalista, cria um entendimento mútuo e promove confiança;

** A discussão pública promove fidelidade mais efetiva à mídia;

** Acreditam que, de acordo com o Conselho, para manter sua imparcialidade ele deve permanecer independente do governo e se sustentar financeiramente de maneira sólida;

Por cinco anos, o MNC foi abrigado no próprio escritório da associação. Atualmente, é financiado pelas instituições que compõem a associação de jornais. É composto por 24 integrantes, sendo 12 das empresas e 12 do público. Os integrantes são eleitos, segundo a dirigente do Comitê de Desenvolvimento do Conselho de Notícias de Minnesota, Leslie MacKenzie, por sucessão. Ou seja, elegem seus sucessores com base em suas características individuais e de forma a manter a pluralidade no Conselho. Metade provém da mídia e outra metade é formada por representantes do público. Cada um dos dois principais jornais tem um profissional no Conselho e procuram fazer com que os jornais menores também sejam representados.

"Entre os integrantes do público, nós procuramos ter representantes do empresariado, dos trabalhadores e de outros setores. Muitas vezes temos professores universitários. E nos esforçamos para ter representantes dos setores rural e urbano, homens e mulheres e uma pluralidade religiosa e racial." (MACKENZIE, 1996)

Segundo Leslie MacKenzie, os integrantes do conselho precisam ter absoluto interesse no noticiário e ser intelectualmente capazes de aprimorar o nível ético das discussões necessárias nas audiências públicas. Os candidatos aparecem por indicações pessoais, sugestões das organizações que mantêm o Conselho, ou podem ser pessoas que se oferecem e enviam seus currículos. Todos os candidatos são entrevistados pelo diretor executivo do Conselho e pelo Comitê de Associados; posteriormente, são apresentados ao Conselho, para votação. O processo todo leva de dois a seis meses.

Ela esclarece ainda que os integrantes, que também constituem a diretoria do conselho, são eleitos para um mandato de três anos, com possibilidade de uma reeleição. Todos os conselheiros que representam o público devem participar da campanha para obtenção de recursos, mas os que trabalham em veículos não participam, porque poderia parecer conflito de interesses. A participação é voluntária e sem remuneração.

Para a formação MNC, os integrantes tomaram como modelo o Press Complaints Commission do Reino Unido. No entanto, os dois conselhos diferem em algumas questões. A atuação do de Minnesota se restringe a receber e encaminhar as reclamações a uma audiência pública. O outro não só ouve as reclamações, mas busca discutir com o público e a mídia sobre a imprensa, promovendo fóruns de discussões e publicações sobre o assunto. Mas as audiências do conselho britânico são fechadas aos integrantes e as decisões são posteriormente publicadas.

É interessante notar que, de acordo com Robert Shaw, fundador do Conselho de Minnesota e editor da Minnesota Newspaper Association, os próprios integrantes do Conselho reconhecem que é um erro, mas admitem que a falta de dinheiro e um maior apoio limitam sua atuação.

O Conselho recebe as reclamações via telefone, fax, no próprio escritório e até online. O passo seguinte é tentar fazer a conexão entre o reclamante e a fonte da notícia, para ver se podem resolver suas diferenças e evitar uma audiência. Os envolvidos podem se encontrar, falar ao telefone ou se corresponder.

Uma fonte de notícia pode satisfazer um reclamante de várias maneiras: pedindo desculpas, fazendo correção ou voltando atrás, publicando um outro artigo, ou ampliando o primeiro para incluir o ponto de vista do reclamante, mandando carta ao editor, ou um comentário escrito pelo reclamante. Se a empresa se recusa a tomar uma atitude para satisfazer o reclamante, o Conselho exerce a mediação, mas seu objetivo é gerar a discussão pública de questões éticas levantadas pelas reclamações.

Quando não há acordo, o Conselho promove uma audiência pública, desde que o queixoso abra mão do direito de processar o veículo na Justiça. Ao contrário do conselho inglês, que permite que isso seja feito se o reclamante quiser. Mas não enquanto o processo tramitar no conselho. O veículo tem o direito de não comparecer, mas isso não impede a realização da audiência, e eles raramente deixam de ir, segundo esclarece Shaw. O Conselho solicita ao veículo uma resposta por escrito à reclamação apresentada e poucas vezes algum veículo deixou de fornecê-la, segundo ele.

Nas audiências públicas, os integrantes do Conselho – 12 de veículos, 12 do público em geral e um juiz/mediador – ouvem a reclamação do queixoso e a defesa do veículo e discutem seus méritos à vista do público e dos jornalistas. A seguir, votam contra o queixoso ou a seu favor, integral ou parcialmente, e no mesmo dia o Conselho distribui um comunicado à mídia. O veículo recebe uma recomendação especial para divulgar a decisão. Os jornalistas integrantes do Conselho não representam seus respectivos veículos, participando como profissionais independentes. Quando o veículo onde trabalham é objeto de uma queixa, eximem-se de participar do caso.

Não há qualquer acordo escrito entre o Conselho e os veículos se comprometendo a respeitar suas determinações. Então, como o MNC consegue que seu trabalho tenha resultado?

Segundo MacKenzie (1996), o Conselho pede ao veículo, objeto de uma queixa, que publique ou transmita o press release ou faça sua própria reportagem sobre a audiência pública – no que quase sempre são atendidos, afirma ela. "Nem todos os veículos participam do nosso processo, mas nós promovemos a audiência quer o veiculo participe ou não, sempre que o queixoso deseja ser ouvido", ressalta MacKenzie.

Shaw argumenta que mesmo com resultados de até 50% das queixas examinadas terem dado razão aos meios de comunicação, o Conselho enfrentava grande dificuldade em demonstrar aos editores que uma audiência não é necessariamente a ante-sala de uma repreensão. Por isso, em 1992, passou a prestar um novo serviço, promovendo debates públicos e privados, com o objetivo de ajudar a mídia, o público e as fontes a se entenderem. Uma das publicações é ou Newsworthy, boletim publicado pelo MNC com uma tiragem de 3 mil exemplares sobre ética na mídia.

No mesmo ano da criação do boletim Newsworth, o Conselho realizou um Fórum Privado envolvendo a polícia de Minneapolis e o gerente de notícias. Por meses, os envolvidos chegaram a alguns consensos quanto a questões como acesso às informações, buscando analisar as responsabilidades das reportagens.

Shaw afirma que o Conselho não tem autoridade e não quer mandar em qualquer organização fazer ou não qualquer coisa. Ele existe para ajudar a mídia criar uma moral forte para fidelidade. Acrescenta ainda que as pessoas que vem para os Conselhos fazer reclamação não estão interessadas em recuperar dinheiro, como poderiam fazê-lo se quisessem. Elas estão interessadas na melhoria da imprensa, em poder discutir um caso particular, para levar a maior esclarecimento e qualificação.

"A idéia completa que as pessoas podem ter, dizer a respeito do comportamento da mídia choca com quem é de fora da mídia. Muitos são intimidados pela autoridade que eles sentem que a mídia tem. Um conselho tem muito para educar, não só sobre padrões jornalísticos, mas tem o papel vital que os cidadãos podem e devem desempenhar em assegurar uma mídia ideal." (SHAW, 1997)

Um outro integrante do Conselho de Minnesota e editor de um dos mais respeitados semanários em Minnesota, o Monticello Times, Donald Q. Smith, conta que se viu sustentando quatro reclamações contra jornais de uma vez. "Eu me senti desconfortável", ele diz, "mas o fato de que estes jornais geraram estas reclamações provaram a necessidade de um Conselho de notícia".

Shaw defende os vários benefícios do Conselho:

** O jornalista é visto pelo público como um ser humano aberto a críticas, em vez de isolado, defensivo e arrogante;

** Oportunidade para debater fora das páginas do jornal, ajudando o público a entender os valores da mídia e suas práticas;

** Evitando custos com processos judiciais;

** Escutando as perspectivas de mais alguém e aprendendo com os erros.

Da sua fundação até 1998, o Conselho de Minnesota recebeu mais de 1.650 queixas. Nestes 17 anos, 120 reclamações foram objeto de audiência pública. Metade delas foi rejeitada, ou seja, o Conselho deu razão aos meios de informação. E a outra metade foi julgada parcialmente ou totalmente, sendo publicadas suas decisões. Cerca de 8% das reclamações foram arquivadas. Os motivos são dos mais variados: muitas são esquecidas pelo reclamante, algumas são resolvidas antes da audiência e outras não são aceitas pela audiência porque na reclamação faltou embasamento.

Os assuntos das reclamações levadas às audiências públicas são os seguintes: propaganda política, fontes anônimas, conflitos de interesses, correções, cobertura criminal, editoriais, carta, política de cobertura, eleição, racismo/sexo/estereótipos, reputação, índice de mídia, índice de participação e outros.

Observando o funcionamento e a estrutura do Minnesota News Council, levantamos algumas questões que tentamos responder ao longo do trabalho. Por que o MNC dura há 29 anos e quais suas atuais condições de funcionamento?

Esses conselhos são realmente uma ameaça à liberdade da imprensa americana? Por que o MNC ainda se mantém de pé e atuante?

Para entendermos esses problemas temos que compreender como se estrutura o espaço social e o campo jornalístico em que este conselho está inserido. Ou seja, para fazermos uma leitura adequada analisando as relações entre posições sociais, os seus habitus e as escolhas que os agentes sociais fazem nos domínios das mais diferentes práticas, é preciso conhecer cada momento de cada sociedade, do conjunto de posições sociais, vinculado, por uma relação de homologia, ao conjunto de atividades ou de bens, eles próprios definidos. (BOURDIEU, 1996, p. 18).

Para isso, vamos tomar emprestados alguns conceitos de Pierre Bourdieu, como poder simbólico, espaço social, campo, habitus e violência simbólica.

Inicialmente vamos definir o que Bourdieu entende por espaço social:

"Um conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores umas às outras, definidas umas em relação às outras por sua exterioridade mútua e por relação de proximidade." (1996, p. 18)".

Segundo Bourdieu, o espaço social seria construído de tal modo que os agentes ou os grupos são distribuídos em função da sua posição nas distribuições estatísticas de acordo com os princípios diferenciais entre o capital econômico e cultural. Desta forma, os agentes sociais têm tanto mais em comum quanto mais próximos estejam nessas duas dimensões, e tanto menos quanto mais distanciados estejam nelas. E o volume global do seu capital será medido pelo peso relativo dos diferentes tipos de capital econômico e cultural.

Ele explica que os maiores detentores de capital global seriam os empresários, integrantes de profissões liberais e professores universitários, em contraposição aos profissionais não-qualificados. Sendo assim, são mais ricos em capital econômico (bens materiais) e em capital cultural (conhecimento).

Como já dissemos, esse espaço social é dividido, principalmente, entre os capitais culturais e econômicos. E os detentores deste capital cultural poderiam ser subdivididos em campos como o dos intelectuais, o jurídico, artístico, literário e o jornalístico.

Para Bourdieu, esse espaço social é o espaço de interação onde se processa a atualização da interação entre os mais diferentes campos. E os agentes, na sua luta para impor o veredicto de "imparcial", quer dizer, para fazer reconhecer sua visão como objetiva, dispõem de forças que dependem dos campos objetivamente hierarquizados a que pertençam e da sua posição nos seus respectivos campos. Em primeiro lugar, segundo Bourdieu, estaria o campo político, onde os homens políticos ocupam posições diferentes e "estão situados neste espaço pela sua filiação num partido, mas também pelo seu estatuto nesse partido, pela sua notoriedade, local ou nacional etc." (Idem, p. 56)

Em segundo, o campo jornalístico, onde "os jornalistas podem e devem adotar uma retórica da objetividade e da neutralidade". Depois o campo da ciência política, campo do marketing político e o campo universitário. (Idem, p. 56)

Vamos tentar entender o que Bourdieu (1997) entende por campo jornalístico. Ele o define como baseado num conjunto de pressupostos de crenças partilhadas para além das diferenciações de posições e opiniões. Ressalta que mesmo sendo um campo ele tem suas divisões, diferenciações, diversificações e, portanto, capaz de representar todas as opiniões, todos os pontos de vista, ou de lhes oferecer a oportunidade de se exprimir.

A importância do campo jornalístico, segundo Bourdieu, está no fato de ter poder sobre os meios de se exprimir publicamente, de existir publicamente, de ser conhecido, de ter acesso à notoriedade pública. "Eles podem impor ao conjunto da sociedade seus princípios de visão do mundo, sua problemática, seu ponto de vista". (Idem, p. 55)

Ora, o espaço do campo jornalístico já é um espaço pré-construído, segundo Bourdieu (1998), onde a composição social do grupo está antecipadamente determinada. Para ser jornalista são necessários alguns pré-requisitos, como agilidade, percepção da realidade sobre o que as pessoas gostariam de saber e ver, nível intelectual etc. Em segundo lugar, para compreender o que pode ser dito e sobretudo o que não pode ser dito é preciso saber quem é excluído e quem se exclui. "A censura mais radical é a ausência". E a terceira característica, observada por Bourdieu: o jornalista exerce uma forma de dominação (conjuntural, não estrutural) sobre um espaço de jogo que ele constitui e no qual ele se acha colocado em situação. (Idem, p. 55)

Para entendê-lo é preciso perceber sua autonomia, suas propriedades, o que quer dizer, que o que nele se passa não pode ser compreendido de maneira direta a partir de fatores externos.

Mas, como sabemos, o campo jornalístico não é um campo isolado, ele se relaciona com outros campos, sofrendo influências e, conseqüentemente, exercendo influências em outros campos. Não quero entrar agora no mérito se essas influências são ou não "perniciosas". Mas como se processam seus cruzamentos.

Antes de nos aprofundarmos nessa censura exercitada pelos agentes deste campo, temos que entender um pouco sobre o que ele chama de poder simbólico, porque o que esses campos exercem na verdade é sua forma de poder simbólico.

Bourdieu (1998) conceitua poder simbólico como o efeito de um poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. (pp. 7-8)

E campo jornalístico pode exercer este poder simbólico porque é estruturado. E este poder é o...

"... poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnosiológica: o sentido imediato do mundo e, em particular, do mundo social. Supõe aquilo que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências." (Idem, p. 9)

Assim, o jornalismo, segundo Bourdieu (1998) é um sistema simbólico e o fato de participar num sistema simbólico ter o mérito de designar explicitamente a função social (no sentido do estrutural-funcionalismo) do simbolismo, autêntica função política que não se reduz a função de comunicação dos estruturalistas. E os símbolos são instrumentos excelentes da "integração social, enquanto instrumentos de conhecimento e comunicação".(Idem, p. 10)

Podemos começar falando das censuras que a própria imprensa exerce sobre os outros, seja através do assunto que é imposto, as condições de comunicação também imposta e pela limitação do tempo e de espaço destinado à veiculação da reportagem seja escrita ou televisiva.

Mas é importante lembrar que não são apenas os jornalistas que exercem sua censura. Eles também sofrem limitação seja pela política, por meio da intervenção política, em controle político, por meio da nomeação de postos dirigentes, pela pressão, por meio do exército de reserva e de uma enorme precariedade do emprego, gerando o conformismo político e levando os jornalistas a aplicaram a autocensura pelas censuras econômicas.

Como citamos, existem formas de pressão que influenciam o campo jornalístico. E não podemos pegar como explicação somente a pressão exercida pelo capital econômico. Pois seria insuficiente para explicar como é estruturado esse universo.

Quando nos referimos às pressões econômicas, ou às influências do capital econômico, como diria Bourdieu (1997), não estamos falando das pessoas que possuem esses meios de difusão da informação, ou dos anunciantes que pagam a publicidade, ou até mesmo do Estado, com suas subvenções. Existem outras formas de ação que agem por mecanismos ocultos, anônimos, invisíveis, exercendo censura de toda ordem, buscando transformar a imprensa num instrumento de manutenção da ordem simbólica. Através das parcelas dos mais diferenciados anunciados ou mesmo do montante de subvenções estatais.

Podemos questionar: como se dá essa manutenção da ordem simbólica?

Para Bourdieu, essa manutenção se dá através da violência simbólica:

"Violência simbólica é uma violência que se exerce com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e também, com freqüência, dos que a exercem, na medida em que uns e outros são inconscientes de exercê-la e sofrê-la." (BOURDIEU, 1989, p. 22)

Bourdieu (1998) frisa que a relação de comunicação é, de modo inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nessas relações e que, com o dom, podem permitir acumular poder simbólico.

"E é enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem a sua função política de instrumento de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de um campo sobre outro pela violência simbólica, dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo, assim, segundo a expressão de Weber, para a domestificação dos dominados." (BOURDIEU: 1998, p. 10)

E como o campo jornalístico exerce sua ação simbólica sobre outros campos? Como, na luta entre os campos, com seus conflitos simbólicos e cotidianos, ele utiliza o seu poder de impor, ou mesmo de inculcar instrumentos de conhecimentos e de expressão arbitrários?

Atraindo a atenção para fatos que são de natureza a interessar a todo mundo. Mais conhecido como "fatos-ônibus", como notícias de variedades, crime, sexo, drama, sangue etc. Para Bourdieu, estes fatos não devem chocar ninguém, não envolvem disputas, não dividem, formam consenso e interessam a todo mundo.

E como estes jornalistas selecionam estes fatos dentro da imensidão de assuntos, sistemas do cotidiano? Ora, não podemos nos esquecer que estes jornalistas selecionam, nessa realidade particular, levados por propensões inerentes a sua profissão, a sua visão do mundo, a sua formação, as suas posições e à lógica da profissão. Ou seja, em função das categorias que lhes são próprias.

Poderíamos comparar esta maneira de ver o mundo como se fossem óculos, falando metaforicamente. O que explica essa noção de categoria proposta por Bourdieu (1997).

"Estruturas invisíveis que organizam o percebido, determinando o que se vê e o que não se vê. Elas são produtos de nossa educação, da nossa História."

Então, como a imprensa americana formou suas categorias? Como esta construção histórica da liberdade de imprensa americana influencia no habitus do campo jornalístico?

Antes, vamos dar a definição de habitus, que tomamos de Bourdieu (1997):

"Um princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de práticas". (p. 22)

Os americanos, baseados na Primeira Emenda, reivindicam total liberdade de ação para observar, criticar a tudo e a todos. Os óculos que usam selecionam e constroem o que é selecionado. O princípio de seleção das notícias é o do sensacional, do espetacular. Pois os jornais cotidianos devem, segundo Bourdieu (1997), oferecer cotidianamente o extracotidiano (incêndios, assassinatos, variedades). Mas esse extracotidiano não pode ser ordinário no outro jornal. "Não podemos dizer o que os outros estão dizendo"; "Temos que noticiar algo novo."

Daí surge a busca frenética e incessante do furo jornalístico. Mas essa busca do extra gera conseqüências e efeitos políticos. Desde as instruções diretamente políticas à autocensura, inspirados pelo temor da exclusão, criando realidades.

"Esse poder de evocação tem efeitos de mobilização. Ela pode fazer existirem idéias ou representações, mas também grupos. As variedades, os incidentes ou acidentes cotidianos podem estar carregados de implicações políticas, éticas etc., capazes de desencadear sentimentos fortes, freqüentemente negativos, como o racismo, a xenofobia, o medo e o ódio do estrangeiro, e a simples narração, o fato de relatar, como repórter, implica sempre uma construção social da realidade capaz de exercer efeitos sociais de mobilização (ou de desmobilização)". (Idem, p. 28).

Apesar de termos já uma idéia de como funciona o campo jornalístico, não podemos compreender como são os "entes" que o compõem. Ou seja, o que é um jornalista? Para Bourdieu (1997), é uma entidade abstrata. O que existe são jornalistas diferenciados segundo sexo, idade, nível de instrução e meio de informação em que atua. Assim, o mundo dos jornalistas é um mundo dividido, onde há conflitos, concorrência e hostilidades.

O interessante é que a concorrência, em vez de diversificar, homogeneíza os produtos jornalísticos. Podemos questionar o porquê de tantas diferenciações, ou até mesmo por que a busca de diversificação torna tudo uma massa homogênea. Ora, a concorrência exerce sobre os jornais e também sobre os jornalistas as mesmas restrições, as mesmas pesquisas de opinião e até os mesmos anunciantes.

Gostaria de tratar um pouco dessa "mentalidade-índice-de-audiência" de que tanto nos fala Bourdieu, que pode ser aplicada tanto aos jornais escritos quanto à televisão. Que nada mais é do que a busca do sucesso comercial.

Assim, no campo jornalístico, o mercado é reconhecido como instância legítima da legitimação. A imposição de objetos impostos ao público porque se impõe aos editores. E se impõem aos editores porque são impostos pela concorrência aos outros editores. Esse tipo de pressão cruzada que os jornalistas sofrem e exercem uns sobre os outros é a geradora de toda uma série de conseqüências que se retraduzem por escolhas, por ausências e presenças.

E a liberdade tão proclamada na imprensa americana? Ou melhor, liberdade de quem e para fazer o quê? O que se percebe é que o mundo jornalístico sofre muitas tensões entre os que desejariam defender os valores da autonomia, da liberdade com relação ao comércio, aos chefes etc. e os que se submetem à necessidade, e que são pagos em troca.

O que percebi é que os integrantes da Minnesota Newspaper Association, um subcampo do jornalístico, criou, na verdade, um sistema de defesa coletivo que – em universos em que cada um luta pelo monopólio de um mercado no qual não há como clientes senão concorrentes, e em que a vida é, por conseqüência, muito dura – permite que cada um se aceite a si mesmo, ocultando os subterfúgios ou as gratificações compensatórias oferecidas pelo meio.

O que percebemos é que a história da imprensa americana, suas vantagens garantidas pela Primeira Emenda na verdade conferem ao campo jornalístico os argumentos suficientes para evitar qualquer forma de assumirem a responsabilidade sobre suas ações – a predominância da ética dos valores absolutos. A melhor forma de entender como esses profissionais buscam agir quanto a sua realidade.

O poder simbólico exercido pelo peso e as situações diferentes, quase sutis, que a publicidade ganhou na imprensa americana explica, em parte, como o sistema da mídia deste país funciona. Por outro lado, este poder simbólico exercido neste campo e, conseqüentemente, o conformismo motivado pelos vários motivos já apontados até então explicam o porquê de tanta relutância da existência de um conselho para discutir a prática jornalística.

A imprensa americana, assim como a de vários outros países, até do Brasil, não gosta de conselhos, pois "não quer ninguém olhando por cima de seus ombros". Como se explica então a existência do Minnesota News Council?

Bem, o que percebemos é que no campo jornalístico existem subcampos. A imprensa americana é gerida estadualmente. Os conflitos, as contradições de que falamos explicam a sua existência. E, por outro lado, sua limitada atuação, não exercendo uma real ameaça à tão propalada "liberdade de imprensa" de outras localidades, também pode contribuir para que o MNC ainda exista.

O MNC é um subcampo jornalístico de uma dada realidade situada no tempo e no espaço. Sem falar que uns dos motivos que levaram alguns donos de jornais a fazerem parte deste conselho foram os altos custos com processos judiciais promovidos contra a imprensa.

Assim, podemos perceber que um conselho bem gerido e com o apoio dos principais jornais, caso de Minnesota, podem funcionar, mesmo que limitados, e contribuir para uma imprensa séria e de qualidade, mesmo que limitado. No entanto, não podemos auferir quanto a esses conselhos se tornarem regra, pois isso dependerá dos motivos que possam levar ao exercício do poder simbólico do campo econômico sobre a imprensa.

Este caminho percorrido até aqui foi necessário para entendermos a existência de um conselho num dada realidade histórica e social e, conseqüentemente, sua eficiência. O conselho dos EUA foi tomado como modelo devido à influência do jornalismo americano no brasileiro, a partir da década de 60 (SILVA, 1991). Ora, se temos tantas semelhanças e sofremos tanto o peso do poder simbólico dos EUA, talvez pudéssemos entender por que no Brasil ventilou-se a idéia de um conselho em 1988 (Constituição), e até hoje não tenha sido concretizado.

Não busquei neste trabalho propor um modelo ideal de conselho, mesmo porque para isto eu teria que compreender todos eles a partir de um contexto histórico e social em que estão situados para fazer esta proposição. Entender sua origem, composição, funcionamento, pelo menos ao meu ver, não é suficiente, se não tiver como pano de fundo o contexto histórico e social.

Bem, o que propus foi saber se eles funcionam e como funcionam numa dada realidade histórica. Ora, o que percebemos é que podem funcionar, mas serão limitados. Primeiro não têm poder de coerção, dependem basicamente do impacto que a publicidade sobre a discussão de uma reclamação pode causar num dado jornal, de uma histórica tradição, de uma região específica.

Bibliografia

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(*) Jornalista; especializada em História pelo Departamento de História da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal de Goiás. Este texto foi inscrito no núcleo de pesquisa Economia Política e Políticas Públicas de Comunicação no 25º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação/Intecom 2002 – Comunicação para a Cidadania

 

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