CONSELHOS DE IMPRENSA
Liberdade, censura e
autocontrole
Noêmia Félix da Silva
(*)
O presente artigo é o
resultado de um estudo
sobre o conselho de
imprensa – Minnesota
News Council (EUA) –,
instituição
não-coercitiva de
controle da imprensa com
objetivo de assegurar a
responsabilidade social
da mídia. Foram
analisadas as
experiências deste
conselho para
compreender a sua
eficiência na crítica e
na mudança dos meios de
comunicação. Uma das
questões a serem
compreendidas era o
porquê de a imprensa
americana ter os
conselhos como uma
ameaça à liberdade da
imprensa e ainda
permitir que o MNC
durasse 29 anos. Para
responder a esta
questão, os conceitos de
estrutura do espaço
social e de campo
jornalístico de Bourdieu
(1998) foram importantes
para a compreensão de
como a sociedade
americana gera seus bens
simbólicos. O conselho
mostrou ser uma
alternativa limitada
para correção das
distorções e um espaço
estimulador da
participação democrática
e da promoção da
discussão entre
público-imprensa-público.
Os conselhos de imprensa
surgiram na década de 70 e, em
1996, já existiam cerca de 22
conselhos de imprensa em todo
mundo, geralmente, compostos por
jornalistas, empresários,
representantes do público, com o
objetivo de julgar as
reclamações do público
apresentadas a eles. Em Portugal
– (AACS, Alta Autoridade para
Comum Sociedade) – e na França (CSA,
Conselho Superior Audiovisual) –
o Estado tem a função de
intermediador e é ele que
delibera sobre as queixas.
Paulino (1999) fez um
levantamento de vários conselhos
existentes atualmente e suas
diversas formas de atuação. Ele
divide os conselhos em três
tipos, levando em consideração a
representação nos conselhos de
protagonistas básicos da
comunidade social, como
empresários, profissionais da
imprensa e o público: estatais,
bipartites (subconselhos) e
tripartites (Minnesota News
Council/EUA). Os Conselhos de
Comunicação Social são formas
não-coercitivas de controle da
imprensa. Para o professor do
Instituto Francês de Imprensa
Jean-Claude Bertrand [autor
de três livros sobre conselhos
de imprensa na França: Lês
Conseils de presse dans le monde
in Notes et études documentaires.
Paris: La documentation
française (1977), Pour Un
Conseil de Presse idéial.
Presse-Actualité (1985) e
Marking Media Accountable: The
Role of Press Councils. Paris,
1996.], esses órgãos
são meios não-governamentais
para assegurar a
responsabilidade social da
mídia.
"Os CMS objetivam preservar a
mídia de interferências externas
e garantir ao público um serviço
de qualidade e que garanta a
manifestação plural na imprensa.
São instituições permanentes com
autonomia para reunir,
colegiadamente, proprietários,
jornalistas, cidadãos e
representantes da sociedade,
governo e Estado". (BERTRAND
apud PAULINO, 1999)
Eles têm, ainda, como
objetivo a prevenção progressiva
das distorções, estimulando a
participação democrática e a
promoção da discussão sobre o
papel da mídia com a constante
realização de palestras e
cursos. Funcionam como órgãos de
arbitragem, de encaminhamento e
intermediação de queixas e
reparações de erros e falhas. E,
ainda, como tribunal de honra,
exercendo papel auto-regulador.
Quanto a sua interferência na
mídia, têm sua força limitada
por não possuírem poderes de
coerção. Podem, no entanto,
repreender publicamente o
infrator, causando certo
impacto. Como isso se dá? Bem, a
repreensão se dá pela divulgação
na própria mídia dos pareceres
julgados pelo conselho. No
entanto, alguns conselhos têm
poder coercitivo, aplicando
multas e outros tipos de
sanções. Mas é uma pequena
minoria.
Eles não visam apenas punir,
mas construir registros e
trabalhar em defesa do ofício da
informação e da vigilância dos
princípios deontológicos da
profissão. A tentativa de fugir
do conflito natural entre os
poderes do Estado ou da pressão
econômica, substituindo ou até
suplementando as estruturas dos
Três Poderes, principalmente do
Judiciário, já que na maioria
dos casos, o reclamante desiste
da ação judicial se consegue a
solução da queixa. Em outros
casos, o conselho permite que o
queixoso faça a reclamação e
entre ao mesmo tempo com uma
ação judicial. Já alguns não
permitem essa prática, chegando
até a cancelar a reclamação se o
reclamante entrar na Justiça.
O Minnesota News Council
<//:www.mnt.org/newscouncil> foi
fundado em 1971 pela iniciativa
dos integrantes da Associação
dos Jornais de Minnesota,
localizado no Estado de
Minnesota, ao Nordeste dos
Estados Unidos, fazendo
fronteira com o Canadá. Este
estado americano tem 4,3 milhões
de habitantes, 90 emissoras de
rádio, 22 emissoras de televisão
e 27 jornais diários, com
tiragens de até 970 mil
exemplares.
Segundo os dados do Conselho
de Minnesota, seu objetivo é
promover um jornalismo fiel,
rigoroso e confiante, criando um
fórum onde o público e a mídia
de notícia possam engajar-se um
no outro examinando padrões de
fidelidade. E para alcançá-los
buscam as mediações e os debates
públicos em audiências.
Este conselho baseia-se em
princípios como:
** Uma democracia
sadia tem que ser rigorosa, e
confiante ou em que se pode
confiar;
** O público se
beneficia quando as fontes de
notícias ajudam a abraçar as
instituições sociais;
** A mídia de
notícias se beneficia sendo mais
clara, fiel à notícia, se
isentando de explicações;
** Interação entre
o público e a mídia de notícias
desmistifica a prática
jornalista, cria um entendimento
mútuo e promove confiança;
** A discussão
pública promove fidelidade mais
efetiva à mídia;
** Acreditam que,
de acordo com o Conselho, para
manter sua imparcialidade ele
deve permanecer independente do
governo e se sustentar
financeiramente de maneira
sólida;
Por cinco anos, o MNC foi
abrigado no próprio escritório
da associação. Atualmente, é
financiado pelas instituições
que compõem a associação de
jornais. É composto por 24
integrantes, sendo 12 das
empresas e 12 do público. Os
integrantes são eleitos, segundo
a dirigente do Comitê de
Desenvolvimento do Conselho de
Notícias de Minnesota, Leslie
MacKenzie, por sucessão. Ou
seja, elegem seus sucessores com
base em suas características
individuais e de forma a manter
a pluralidade no Conselho.
Metade provém da mídia e outra
metade é formada por
representantes do público. Cada
um dos dois principais jornais
tem um profissional no Conselho
e procuram fazer com que os
jornais menores também sejam
representados.
"Entre os integrantes do
público, nós procuramos ter
representantes do empresariado,
dos trabalhadores e de outros
setores. Muitas vezes temos
professores universitários. E
nos esforçamos para ter
representantes dos setores rural
e urbano, homens e mulheres e
uma pluralidade religiosa e
racial." (MACKENZIE, 1996)
Segundo Leslie MacKenzie, os
integrantes do conselho precisam
ter absoluto interesse no
noticiário e ser
intelectualmente capazes de
aprimorar o nível ético das
discussões necessárias nas
audiências públicas. Os
candidatos aparecem por
indicações pessoais, sugestões
das organizações que mantêm o
Conselho, ou podem ser pessoas
que se oferecem e enviam seus
currículos. Todos os candidatos
são entrevistados pelo diretor
executivo do Conselho e pelo
Comitê de Associados;
posteriormente, são apresentados
ao Conselho, para votação. O
processo todo leva de dois a
seis meses.
Ela esclarece ainda que os
integrantes, que também
constituem a diretoria do
conselho, são eleitos para um
mandato de três anos, com
possibilidade de uma reeleição.
Todos os conselheiros que
representam o público devem
participar da campanha para
obtenção de recursos, mas os que
trabalham em veículos não
participam, porque poderia
parecer conflito de interesses.
A participação é voluntária e
sem remuneração.
Para a formação MNC, os
integrantes tomaram como modelo
o Press Complaints Commission do
Reino Unido. No entanto, os dois
conselhos diferem em algumas
questões. A atuação do de
Minnesota se restringe a receber
e encaminhar as reclamações a
uma audiência pública. O outro
não só ouve as reclamações, mas
busca discutir com o público e a
mídia sobre a imprensa,
promovendo fóruns de discussões
e publicações sobre o assunto.
Mas as audiências do conselho
britânico são fechadas aos
integrantes e as decisões são
posteriormente publicadas.
É interessante notar que, de
acordo com Robert Shaw, fundador
do Conselho de Minnesota e
editor da Minnesota Newspaper
Association, os próprios
integrantes do Conselho
reconhecem que é um erro, mas
admitem que a falta de dinheiro
e um maior apoio limitam sua
atuação.
O Conselho recebe as
reclamações via telefone, fax,
no próprio escritório e até
online. O passo seguinte é
tentar fazer a conexão entre o
reclamante e a fonte da notícia,
para ver se podem resolver suas
diferenças e evitar uma
audiência. Os envolvidos podem
se encontrar, falar ao telefone
ou se corresponder.
Uma fonte de notícia pode
satisfazer um reclamante de
várias maneiras: pedindo
desculpas, fazendo correção ou
voltando atrás, publicando um
outro artigo, ou ampliando o
primeiro para incluir o ponto de
vista do reclamante, mandando
carta ao editor, ou um
comentário escrito pelo
reclamante. Se a empresa se
recusa a tomar uma atitude para
satisfazer o reclamante, o
Conselho exerce a mediação, mas
seu objetivo é gerar a discussão
pública de questões éticas
levantadas pelas reclamações.
Quando não há acordo, o
Conselho promove uma audiência
pública, desde que o queixoso
abra mão do direito de processar
o veículo na Justiça. Ao
contrário do conselho inglês,
que permite que isso seja feito
se o reclamante quiser. Mas não
enquanto o processo tramitar no
conselho. O veículo tem o
direito de não comparecer, mas
isso não impede a realização da
audiência, e eles raramente
deixam de ir, segundo esclarece
Shaw. O Conselho solicita ao
veículo uma resposta por escrito
à reclamação apresentada e
poucas vezes algum veículo
deixou de fornecê-la, segundo
ele.
Nas audiências públicas, os
integrantes do Conselho – 12 de
veículos, 12 do público em geral
e um juiz/mediador – ouvem a
reclamação do queixoso e a
defesa do veículo e discutem
seus méritos à vista do público
e dos jornalistas. A seguir,
votam contra o queixoso ou a seu
favor, integral ou parcialmente,
e no mesmo dia o Conselho
distribui um comunicado à mídia.
O veículo recebe uma
recomendação especial para
divulgar a decisão. Os
jornalistas integrantes do
Conselho não representam seus
respectivos veículos,
participando como profissionais
independentes. Quando o veículo
onde trabalham é objeto de uma
queixa, eximem-se de participar
do caso.
Não há qualquer acordo
escrito entre o Conselho e os
veículos se comprometendo a
respeitar suas determinações.
Então, como o MNC consegue que
seu trabalho tenha resultado?
Segundo MacKenzie (1996), o
Conselho pede ao veículo, objeto
de uma queixa, que publique ou
transmita o press release ou
faça sua própria reportagem
sobre a audiência pública – no
que quase sempre são atendidos,
afirma ela. "Nem todos os
veículos participam do nosso
processo, mas nós promovemos a
audiência quer o veiculo
participe ou não, sempre que o
queixoso deseja ser ouvido",
ressalta MacKenzie.
Shaw argumenta que mesmo com
resultados de até 50% das
queixas examinadas terem dado
razão aos meios de comunicação,
o Conselho enfrentava grande
dificuldade em demonstrar aos
editores que uma audiência não é
necessariamente a ante-sala de
uma repreensão. Por isso, em
1992, passou a prestar um novo
serviço, promovendo debates
públicos e privados, com o
objetivo de ajudar a mídia, o
público e as fontes a se
entenderem. Uma das publicações
é ou Newsworthy, boletim
publicado pelo MNC com uma
tiragem de 3 mil exemplares
sobre ética na mídia.
No mesmo ano da criação do
boletim Newsworth, o
Conselho realizou um Fórum
Privado envolvendo a polícia de
Minneapolis e o gerente de
notícias. Por meses, os
envolvidos chegaram a alguns
consensos quanto a questões como
acesso às informações, buscando
analisar as responsabilidades
das reportagens.
Shaw afirma que o Conselho
não tem autoridade e não quer
mandar em qualquer organização
fazer ou não qualquer coisa. Ele
existe para ajudar a mídia criar
uma moral forte para fidelidade.
Acrescenta ainda que as pessoas
que vem para os Conselhos fazer
reclamação não estão
interessadas em recuperar
dinheiro, como poderiam fazê-lo
se quisessem. Elas estão
interessadas na melhoria da
imprensa, em poder discutir um
caso particular, para levar a
maior esclarecimento e
qualificação.
"A idéia completa que
as pessoas podem ter,
dizer a respeito do
comportamento da mídia
choca com quem é de fora
da mídia. Muitos são
intimidados pela
autoridade que eles
sentem que a mídia tem.
Um conselho tem muito
para educar, não só
sobre padrões
jornalísticos, mas tem o
papel vital que os
cidadãos podem e devem
desempenhar em assegurar
uma mídia ideal." (SHAW,
1997)
Um outro integrante do
Conselho de Minnesota e editor
de um dos mais respeitados
semanários em Minnesota, o
Monticello Times, Donald Q.
Smith, conta que se viu
sustentando quatro reclamações
contra jornais de uma vez. "Eu
me senti desconfortável", ele
diz, "mas o fato de que estes
jornais geraram estas
reclamações provaram a
necessidade de um Conselho de
notícia".
Shaw defende os vários
benefícios do Conselho:
** O jornalista é
visto pelo público como um ser
humano aberto a críticas, em vez
de isolado, defensivo e
arrogante;
** Oportunidade
para debater fora das páginas do
jornal, ajudando o público a
entender os valores da mídia e
suas práticas;
** Evitando custos
com processos judiciais;
** Escutando as
perspectivas de mais alguém e
aprendendo com os erros.
Da sua fundação até 1998, o
Conselho de Minnesota recebeu
mais de 1.650 queixas. Nestes 17
anos, 120 reclamações foram
objeto de audiência pública.
Metade delas foi rejeitada, ou
seja, o Conselho deu razão aos
meios de informação. E a outra
metade foi julgada parcialmente
ou totalmente, sendo publicadas
suas decisões. Cerca de 8% das
reclamações foram arquivadas. Os
motivos são dos mais variados:
muitas são esquecidas pelo
reclamante, algumas são
resolvidas antes da audiência e
outras não são aceitas pela
audiência porque na reclamação
faltou embasamento.
Os assuntos das reclamações
levadas às audiências públicas
são os seguintes: propaganda
política, fontes anônimas,
conflitos de interesses,
correções, cobertura criminal,
editoriais, carta, política de
cobertura, eleição,
racismo/sexo/estereótipos,
reputação, índice de mídia,
índice de participação e outros.
Observando o funcionamento e
a estrutura do Minnesota News
Council, levantamos algumas
questões que tentamos responder
ao longo do trabalho. Por que o
MNC dura há 29 anos e quais suas
atuais condições de
funcionamento?
Esses conselhos são realmente
uma ameaça à liberdade da
imprensa americana? Por que o
MNC ainda se mantém de pé e
atuante?
Para entendermos esses
problemas temos que compreender
como se estrutura o espaço
social e o campo jornalístico em
que este conselho está inserido.
Ou seja, para fazermos uma
leitura adequada analisando as
relações entre posições sociais,
os seus habitus e as escolhas
que os agentes sociais fazem nos
domínios das mais diferentes
práticas, é preciso conhecer
cada momento de cada sociedade,
do conjunto de posições sociais,
vinculado, por uma relação de
homologia, ao conjunto de
atividades ou de bens, eles
próprios definidos. (BOURDIEU,
1996, p. 18).
Para isso, vamos tomar
emprestados alguns conceitos de
Pierre Bourdieu, como poder
simbólico, espaço social, campo,
habitus e violência simbólica.
Inicialmente vamos definir o
que Bourdieu entende por espaço
social:
"Um conjunto de
posições distintas e
coexistentes, exteriores
umas às outras,
definidas umas em
relação às outras por
sua exterioridade mútua
e por relação de
proximidade." (1996, p.
18)".
Segundo Bourdieu, o espaço
social seria construído de tal
modo que os agentes ou os grupos
são distribuídos em função da
sua posição nas distribuições
estatísticas de acordo com os
princípios diferenciais entre o
capital econômico e cultural.
Desta forma, os agentes sociais
têm tanto mais em comum quanto
mais próximos estejam nessas
duas dimensões, e tanto menos
quanto mais distanciados estejam
nelas. E o volume global do seu
capital será medido pelo peso
relativo dos diferentes tipos de
capital econômico e cultural.
Ele explica que os maiores
detentores de capital global
seriam os empresários,
integrantes de profissões
liberais e professores
universitários, em contraposição
aos profissionais
não-qualificados. Sendo assim,
são mais ricos em capital
econômico (bens materiais) e em
capital cultural (conhecimento).
Como já dissemos, esse espaço
social é dividido,
principalmente, entre os
capitais culturais e econômicos.
E os detentores deste capital
cultural poderiam ser
subdivididos em campos como o
dos intelectuais, o jurídico,
artístico, literário e o
jornalístico.
Para Bourdieu, esse espaço
social é o espaço de interação
onde se processa a atualização
da interação entre os mais
diferentes campos. E os agentes,
na sua luta para impor o
veredicto de "imparcial", quer
dizer, para fazer reconhecer sua
visão como objetiva, dispõem de
forças que dependem dos campos
objetivamente hierarquizados a
que pertençam e da sua posição
nos seus respectivos campos. Em
primeiro lugar, segundo
Bourdieu, estaria o campo
político, onde os homens
políticos ocupam posições
diferentes e "estão situados
neste espaço pela sua filiação
num partido, mas também pelo seu
estatuto nesse partido, pela sua
notoriedade, local ou nacional
etc." (Idem, p. 56)
Em segundo, o campo
jornalístico, onde "os
jornalistas podem e devem adotar
uma retórica da objetividade e
da neutralidade". Depois o campo
da ciência política, campo do
marketing político e o campo
universitário. (Idem, p. 56)
Vamos tentar entender o que
Bourdieu (1997) entende por
campo jornalístico. Ele o define
como baseado num conjunto de
pressupostos de crenças
partilhadas para além das
diferenciações de posições e
opiniões. Ressalta que mesmo
sendo um campo ele tem suas
divisões, diferenciações,
diversificações e, portanto,
capaz de representar todas as
opiniões, todos os pontos de
vista, ou de lhes oferecer a
oportunidade de se exprimir.
A importância do campo
jornalístico, segundo Bourdieu,
está no fato de ter poder sobre
os meios de se exprimir
publicamente, de existir
publicamente, de ser conhecido,
de ter acesso à notoriedade
pública. "Eles podem impor ao
conjunto da sociedade seus
princípios de visão do mundo,
sua problemática, seu ponto de
vista". (Idem, p. 55)
Ora, o espaço do campo
jornalístico já é um espaço
pré-construído, segundo Bourdieu
(1998), onde a composição social
do grupo está antecipadamente
determinada. Para ser jornalista
são necessários alguns
pré-requisitos, como agilidade,
percepção da realidade sobre o
que as pessoas gostariam de
saber e ver, nível intelectual
etc. Em segundo lugar, para
compreender o que pode ser dito
e sobretudo o que não pode ser
dito é preciso saber quem é
excluído e quem se exclui. "A
censura mais radical é a
ausência". E a terceira
característica, observada por
Bourdieu: o jornalista exerce
uma forma de dominação
(conjuntural, não estrutural)
sobre um espaço de jogo que ele
constitui e no qual ele se acha
colocado em situação. (Idem, p.
55)
Para entendê-lo é preciso
perceber sua autonomia, suas
propriedades, o que quer dizer,
que o que nele se passa não pode
ser compreendido de maneira
direta a partir de fatores
externos.
Mas, como sabemos, o campo
jornalístico não é um campo
isolado, ele se relaciona com
outros campos, sofrendo
influências e, conseqüentemente,
exercendo influências em outros
campos. Não quero entrar agora
no mérito se essas influências
são ou não "perniciosas". Mas
como se processam seus
cruzamentos.
Antes de nos aprofundarmos
nessa censura exercitada pelos
agentes deste campo, temos que
entender um pouco sobre o que
ele chama de poder simbólico,
porque o que esses campos
exercem na verdade é sua forma
de poder simbólico.
Bourdieu (1998) conceitua
poder simbólico como o efeito de
um poder invisível o qual só
pode ser exercido com a
cumplicidade daqueles que não
querem saber que lhe estão
sujeitos ou mesmo que o exercem.
(pp. 7-8)
E campo jornalístico pode
exercer este poder simbólico
porque é estruturado. E este
poder é o...
"... poder de
construção da realidade
que tende a estabelecer
uma ordem gnosiológica:
o sentido imediato do
mundo e, em particular,
do mundo social. Supõe
aquilo que Durkheim
chama o conformismo
lógico, quer dizer, uma
concepção homogênea do
tempo, do espaço, do
número, da causa, que
torna possível a
concordância entre as
inteligências." (Idem,
p. 9)
Assim, o jornalismo, segundo
Bourdieu (1998) é um sistema
simbólico e o fato de participar
num sistema simbólico ter o
mérito de designar
explicitamente a função social
(no sentido do
estrutural-funcionalismo) do
simbolismo, autêntica função
política que não se reduz a
função de comunicação dos
estruturalistas. E os símbolos
são instrumentos excelentes da
"integração social, enquanto
instrumentos de conhecimento e
comunicação".(Idem, p. 10)
Podemos começar falando das
censuras que a própria imprensa
exerce sobre os outros, seja
através do assunto que é
imposto, as condições de
comunicação também imposta e
pela limitação do tempo e de
espaço destinado à veiculação da
reportagem seja escrita ou
televisiva.
Mas é importante lembrar que
não são apenas os jornalistas
que exercem sua censura. Eles
também sofrem limitação seja
pela política, por meio da
intervenção política, em
controle político, por meio da
nomeação de postos dirigentes,
pela pressão, por meio do
exército de reserva e de uma
enorme precariedade do emprego,
gerando o conformismo político e
levando os jornalistas a
aplicaram a autocensura pelas
censuras econômicas.
Como citamos, existem formas
de pressão que influenciam o
campo jornalístico. E não
podemos pegar como explicação
somente a pressão exercida pelo
capital econômico. Pois seria
insuficiente para explicar como
é estruturado esse universo.
Quando nos referimos às
pressões econômicas, ou às
influências do capital
econômico, como diria Bourdieu
(1997), não estamos falando das
pessoas que possuem esses meios
de difusão da informação, ou dos
anunciantes que pagam a
publicidade, ou até mesmo do
Estado, com suas subvenções.
Existem outras formas de ação
que agem por mecanismos ocultos,
anônimos, invisíveis, exercendo
censura de toda ordem, buscando
transformar a imprensa num
instrumento de manutenção da
ordem simbólica. Através das
parcelas dos mais diferenciados
anunciados ou mesmo do montante
de subvenções estatais.
Podemos questionar: como se
dá essa manutenção da ordem
simbólica?
Para Bourdieu, essa
manutenção se dá através da
violência simbólica:
"Violência simbólica
é uma violência que se
exerce com a
cumplicidade tácita dos
que a sofrem e também,
com freqüência, dos que
a exercem, na medida em
que uns e outros são
inconscientes de
exercê-la e sofrê-la."
(BOURDIEU, 1989, p. 22)
Bourdieu (1998) frisa que a
relação de comunicação é, de
modo inseparável, sempre,
relações de poder que dependem,
na forma e no conteúdo, do poder
material ou simbólico acumulado
pelos agentes (ou pelas
instituições) envolvidos nessas
relações e que, com o dom, podem
permitir acumular poder
simbólico.
"E é enquanto
instrumentos
estruturados e
estruturantes de
comunicação e de
conhecimento que os
sistemas simbólicos
cumprem a sua função
política de instrumento
de imposição ou de
legitimação da
dominação, que
contribuem para
assegurar a dominação de
um campo sobre outro
pela violência
simbólica, dando o
reforço da sua própria
força às relações de
força que as fundamentam
e contribuindo, assim,
segundo a expressão de
Weber, para a
domestificação dos
dominados." (BOURDIEU:
1998, p. 10)
E como o campo jornalístico
exerce sua ação simbólica sobre
outros campos? Como, na luta
entre os campos, com seus
conflitos simbólicos e
cotidianos, ele utiliza o seu
poder de impor, ou mesmo de
inculcar instrumentos de
conhecimentos e de expressão
arbitrários?
Atraindo a atenção para fatos
que são de natureza a interessar
a todo mundo. Mais conhecido
como "fatos-ônibus", como
notícias de variedades, crime,
sexo, drama, sangue etc. Para
Bourdieu, estes fatos não devem
chocar ninguém, não envolvem
disputas, não dividem, formam
consenso e interessam a todo
mundo.
E como estes jornalistas
selecionam estes fatos dentro da
imensidão de assuntos, sistemas
do cotidiano? Ora, não podemos
nos esquecer que estes
jornalistas selecionam, nessa
realidade particular, levados
por propensões inerentes a sua
profissão, a sua visão do mundo,
a sua formação, as suas posições
e à lógica da profissão. Ou
seja, em função das categorias
que lhes são próprias.
Poderíamos comparar esta
maneira de ver o mundo como se
fossem óculos, falando
metaforicamente. O que explica
essa noção de categoria proposta
por Bourdieu (1997).
"Estruturas
invisíveis que organizam
o percebido,
determinando o que se vê
e o que não se vê. Elas
são produtos de nossa
educação, da nossa
História."
Então, como a imprensa
americana formou suas
categorias? Como esta construção
histórica da liberdade de
imprensa americana influencia no
habitus do campo jornalístico?
Antes, vamos dar a definição
de habitus, que tomamos de
Bourdieu (1997):
"Um princípio gerador
e unificador que
retraduz as
características
intrínsecas e
relacionais de uma
posição em um estilo de
vida unívoco, isto é, em
um conjunto unívoco de
escolhas de pessoas, de
bens, de práticas". (p.
22)
Os americanos, baseados na
Primeira Emenda, reivindicam
total liberdade de ação para
observar, criticar a tudo e a
todos. Os óculos que usam
selecionam e constroem o que é
selecionado. O princípio de
seleção das notícias é o do
sensacional, do espetacular.
Pois os jornais cotidianos
devem, segundo Bourdieu (1997),
oferecer cotidianamente o
extracotidiano (incêndios,
assassinatos, variedades). Mas
esse extracotidiano não pode ser
ordinário no outro jornal. "Não
podemos dizer o que os outros
estão dizendo"; "Temos que
noticiar algo novo."
Daí surge a busca frenética e
incessante do furo jornalístico.
Mas essa busca do extra gera
conseqüências e efeitos
políticos. Desde as instruções
diretamente políticas à
autocensura, inspirados pelo
temor da exclusão, criando
realidades.
"Esse poder de
evocação tem efeitos de
mobilização. Ela pode
fazer existirem idéias
ou representações, mas
também grupos. As
variedades, os
incidentes ou acidentes
cotidianos podem estar
carregados de
implicações políticas,
éticas etc., capazes de
desencadear sentimentos
fortes, freqüentemente
negativos, como o
racismo, a xenofobia, o
medo e o ódio do
estrangeiro, e a simples
narração, o fato de
relatar, como repórter,
implica sempre uma
construção social da
realidade capaz de
exercer efeitos sociais
de mobilização (ou de
desmobilização)". (Idem,
p. 28).
Apesar de termos já uma idéia
de como funciona o campo
jornalístico, não podemos
compreender como são os "entes"
que o compõem. Ou seja, o que é
um jornalista? Para Bourdieu
(1997), é uma entidade abstrata.
O que existe são jornalistas
diferenciados segundo sexo,
idade, nível de instrução e meio
de informação em que atua.
Assim, o mundo dos jornalistas é
um mundo dividido, onde há
conflitos, concorrência e
hostilidades.
O interessante é que a
concorrência, em vez de
diversificar, homogeneíza os
produtos jornalísticos. Podemos
questionar o porquê de tantas
diferenciações, ou até mesmo por
que a busca de diversificação
torna tudo uma massa homogênea.
Ora, a concorrência exerce sobre
os jornais e também sobre os
jornalistas as mesmas
restrições, as mesmas pesquisas
de opinião e até os mesmos
anunciantes.
Gostaria de tratar um pouco
dessa
"mentalidade-índice-de-audiência"
de que tanto nos fala Bourdieu,
que pode ser aplicada tanto aos
jornais escritos quanto à
televisão. Que nada mais é do
que a busca do sucesso
comercial.
Assim, no campo jornalístico,
o mercado é reconhecido como
instância legítima da
legitimação. A imposição de
objetos impostos ao público
porque se impõe aos editores. E
se impõem aos editores porque
são impostos pela concorrência
aos outros editores. Esse tipo
de pressão cruzada que os
jornalistas sofrem e exercem uns
sobre os outros é a geradora de
toda uma série de conseqüências
que se retraduzem por escolhas,
por ausências e presenças.
E a liberdade tão proclamada
na imprensa americana? Ou
melhor, liberdade de quem e para
fazer o quê? O que se percebe é
que o mundo jornalístico sofre
muitas tensões entre os que
desejariam defender os valores
da autonomia, da liberdade com
relação ao comércio, aos chefes
etc. e os que se submetem à
necessidade, e que são pagos em
troca.
O que percebi é que os
integrantes da Minnesota
Newspaper Association, um
subcampo do jornalístico, criou,
na verdade, um sistema de defesa
coletivo que – em universos em
que cada um luta pelo monopólio
de um mercado no qual não há
como clientes senão
concorrentes, e em que a vida é,
por conseqüência, muito dura –
permite que cada um se aceite a
si mesmo, ocultando os
subterfúgios ou as gratificações
compensatórias oferecidas pelo
meio.
O que percebemos é que a
história da imprensa americana,
suas vantagens garantidas pela
Primeira Emenda na verdade
conferem ao campo jornalístico
os argumentos suficientes para
evitar qualquer forma de
assumirem a responsabilidade
sobre suas ações – a
predominância da ética dos
valores absolutos. A melhor
forma de entender como esses
profissionais buscam agir quanto
a sua realidade.
O poder simbólico exercido
pelo peso e as situações
diferentes, quase sutis, que a
publicidade ganhou na imprensa
americana explica, em parte,
como o sistema da mídia deste
país funciona. Por outro lado,
este poder simbólico exercido
neste campo e, conseqüentemente,
o conformismo motivado pelos
vários motivos já apontados até
então explicam o porquê de tanta
relutância da existência de um
conselho para discutir a prática
jornalística.
A imprensa americana, assim
como a de vários outros países,
até do Brasil, não gosta de
conselhos, pois "não quer
ninguém olhando por cima de seus
ombros". Como se explica então a
existência do Minnesota News
Council?
Bem, o que percebemos é que
no campo jornalístico existem
subcampos. A imprensa americana
é gerida estadualmente. Os
conflitos, as contradições de
que falamos explicam a sua
existência. E, por outro lado,
sua limitada atuação, não
exercendo uma real ameaça à tão
propalada "liberdade de
imprensa" de outras localidades,
também pode contribuir para que
o MNC ainda exista.
O MNC é um subcampo
jornalístico de uma dada
realidade situada no tempo e no
espaço. Sem falar que uns dos
motivos que levaram alguns donos
de jornais a fazerem parte deste
conselho foram os altos custos
com processos judiciais
promovidos contra a imprensa.
Assim, podemos perceber que
um conselho bem gerido e com o
apoio dos principais jornais,
caso de Minnesota, podem
funcionar, mesmo que limitados,
e contribuir para uma imprensa
séria e de qualidade, mesmo que
limitado. No entanto, não
podemos auferir quanto a esses
conselhos se tornarem regra,
pois isso dependerá dos motivos
que possam levar ao exercício do
poder simbólico do campo
econômico sobre a imprensa.
Este caminho percorrido até
aqui foi necessário para
entendermos a existência de um
conselho num dada realidade
histórica e social e,
conseqüentemente, sua
eficiência. O conselho dos EUA
foi tomado como modelo devido à
influência do jornalismo
americano no brasileiro, a
partir da década de 60 (SILVA,
1991). Ora, se temos tantas
semelhanças e sofremos tanto o
peso do poder simbólico dos EUA,
talvez pudéssemos entender por
que no Brasil ventilou-se a
idéia de um conselho em 1988
(Constituição), e até hoje não
tenha sido concretizado.
Não busquei neste trabalho
propor um modelo ideal de
conselho, mesmo porque para isto
eu teria que compreender todos
eles a partir de um contexto
histórico e social em que estão
situados para fazer esta
proposição. Entender sua origem,
composição, funcionamento, pelo
menos ao meu ver, não é
suficiente, se não tiver como
pano de fundo o contexto
histórico e social.
Bem, o que propus foi saber
se eles funcionam e como
funcionam numa dada realidade
histórica. Ora, o que percebemos
é que podem funcionar, mas serão
limitados. Primeiro não têm
poder de coerção, dependem
basicamente do impacto que a
publicidade sobre a discussão de
uma reclamação pode causar num
dado jornal, de uma histórica
tradição, de uma região
específica.
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1990.
CAPELATO, Maria
Helena Rolim – Imprensa
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Costella – O Controle da
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MELO, José Marques. A
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COSTA, Caio Túlio. O
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um ombudsman. São Paulo:
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Werneck. História da
Imprensa no Brasil. São
Paulo: Martins Fontes,
1983.
(*) Jornalista; especializada
em História pelo Departamento de
História da Faculdade de
Ciências Humanas e Filosofia da
Universidade Federal de Goiás.
Este texto foi inscrito no
núcleo de pesquisa Economia
Política e Políticas Públicas de
Comunicação no 25º Congresso
Brasileiro de Ciências da
Comunicação/Intecom 2002 –
Comunicação para a Cidadania |