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DOMINGO DE
PÁSCOA (04.04.10)
Jo 20, 1-9
“Ele viu e
acreditou”
Os quatro evangelhos relatam
os acontecimentos do Dia da
Ressurreição, cada um de
acordo com as suas tradições
e visão teológica. Mas
certos elementos são comuns
a todos: o fato do túmulo
vazio, que as primeiras
testemunhas eram as mulheres
(embora divirjam quanto ao
seu número e identidade e o
motivo da sua ida ao túmulo
- para ungir o corpo, ou
para vigiar e lamentar), e
que uma delas era Maria
Madalena. Podemos tirar
disso a conclusão que as
mulheres tinham lugar muito
importante entre o grupo dos
discípulos de Jesus, e que
elas eram mais fiéis do que
os homens, seguindo Jesus
até a Cruz e além dela!
Infelizmente, outras
gerações fizeram questão de
diminuir a importância das
discípulas na tradição - e a
Igreja sofre até hoje as
consequências.
Fica claro que ninguém
esperava a Ressurreição.
Para os Doze, especialmente,
a Cruz era o fim da
esperança, a maior desilusão
possível. Se somarmos a isso
o fato que todos eles
traíram Jesus (por revolta,
por dinheiro, ou por
covardia), podemos imaginar
o ambiente pesado entre eles
na manhã do Domingo. Nesse
meio chegou Maria Madalena
com a notícia de que o
túmulo estava vazio - e ela,
naturalmente, pensava que o
corpo tivesse sido roubado.
Ressurreição - nem pensar!
No nosso
texto, Pedro (que tem um
papel importante nos textos
pós-ressurrecionais) e o
Discípulo Amado (anônimo,
mas quase certamente não um
dos Doze, conforme os
maiores exegetas) correm até
o túmulo. O texto deixa
entrever a tensão histórica
que existia entre a
comunidade do Discípulo
Amado e a comunidade
apostólica (representada por
Pedro). Pois, o Discípulo
Amado espera por Pedro
(reconhece a sua primazia),
mas enquanto Pedro vê sem
acreditar, o Discípulo Amado
acredita. No Quarto
Evangelho, Pedro só
realmente vai conseguir amar
Jesus no Capítulo 21,
enquanto o Discípulo Amado é
o tal desde Capítulo 13. Só
quem olha com os olhos do
coração, do amor, penetra
além das aparências!
Como na história dos
Discípulos de Emaús (Lc 24,
13-36), o texto demonstra
que a nossa fé não pode
estar baseada num túmulo
vazio! Não é o túmulo vazio
que fundamenta a nossa fé na
Ressurreição, mas o
contrário - e a experiência
da presença de Jesus
Ressuscitado que explica
porque o túmulo está vazio!
Cuidemos de não procurar
bases falsas para a nossa fé
no Ressuscitado!
Hoje em dia,
quando olhamos para o mundo
ao nosso redor, é fácil não
acreditar na vitória da vida
sobre a morte. Há tanto
sofrimento e injustiça -
guerra, violência, corrupção
endêmica, pobreza exagerada,
terremotos etc! Só uma
experiência profunda da
presença de Jesus libertador
no meio da comunidade poderá
nos sustentar na luta por um
mundo melhor, com fé na
vitória final do bem sobre o
mal, da luz sobre as trevas,
da graça sobre o pecado! Nós
todos somos “discípulos
amados”, pois “nada nos
separa do amor e Deus em
Jesus Cristo” (Rm 8), mas
será que somos “discípulos
amantes”? Será que amamos a
Jesus e ao próximo?
Lembramos que o amor
proposto pelo evangelho, não
é um sentimento, mas uma
atitude de vida, de
solidariedade, de partilha,
de justiça. “O amor consiste
no seguinte: não fomos nós
que amamos a Deus; mas, foi
Ele que nos amou, e nos
enviou o seu Filho como
vítima expiatória por nossos
pecados. Se Deus nos amou a
tal ponto, também nós
devemos amar-nos uns aos
outros” (1Jo 4, 10-11).
Que a
mensagem da Ressurreição, da
vitória da vida sobre a
morte, nos anime e dê força,
especialmente quando a Cruz
pesar muito em nossas vidas!
SEGUNDO
DOMINGO DA PÁSCOA (11.04.10)
Jo 20, 19-31
“A Paz Esteja
Com Vocês”
No texto anterior ao de
hoje, Maria Madalena trouxe
a notícia da Ressurreição
aos discípulos incrédulos.
Agora é o próprio Jesus que
aparece a eles. Não há
reprovação nem queixa nas
suas palavras, apesar da
infidelidade de todos eles;
mas, somente a alegria e a
paz que Ele já tinha
prometido no último
discurso. Duas vezes Jesus
proclama o seu desejo para a
comunidade dos seus
discípulos: “A paz esteja
com vocês”. O nosso termo
“paz” procura traduzir -
embora de uma maneira
inadequada - o termo
hebraico “Shalom!”, que é
muito mais do que “paz”,
conforme o nosso mundo a
compreende. “Shalom”, e
palavras derivadas, ocorrem
mais de 350 vezes no Antigo
Testamento. O “Shalom” é a
paz que vem da presença de
Deus, da justiça do Reino. É
tudo que Deus deseja para
todos os seus filhos e
filhas. Como disse o saudoso
Papa Paulo VI: “A justiça é
o novo nome da paz”. O
Shalom inclui tudo o que
Deus quer para o seu povo!
Jesus não promete a paz do
comodismo; mas, pelo
contrário, envia os seus
discípulos na missão árdua
em favor do Reino. Promete o
Shalom, pois Ele nunca
abandonará quem procura
viver na fidelidade ao
projeto de Deus. Podemos
dizer que o Shalom tem dois
aspectos inseparáveis - é
dom e desafio para os
cristãos. É dom, porque
somente Deus pode dá-la; é
desafio, pois tem que ser
construído dia após dia na
vida pessoal, familiar,
comunitária e social de cada
pessoa.
Jesus soprou sobre os
discípulos, como Deus fez (o
mesmo termo é usado) sobre
Adão quando infundiu nele o
espírito de vida (Gn 2, 7);
Jesus os recria com o
Espírito Santo. Normalmente
imaginamos o Espírito Santo
descendo sobre os discípulos
em Pentecostes; mas, aquilo
(relatado por Lucas em Atos)
era como a descida oficial e
pública do Espírito para
dirigir a missão da Igreja
no mundo, no plano teológico
do autor. Para João, o dom
do Espírito, que por sua
natureza é invisível, flui
da glorificação de Jesus, da
sua volta ao Pai. O dom do
Espírito neste texto tem a
ver com o perdão dos
pecados.
Mais uma vez,
no primeiro dia da semana,
Jesus aparece aos discípulos
(notemos a ênfase sobre o
Domingo - duas vezes). Esta
vez, Tomé está presente. Ele
representa os discípulos da
comunidade joanina do fim do
século, que estavam
vacilando na sua fé na
Ressuscitado, diante dos
sofrimentos e tribulações da
vida. Assim nos representa,
quando nós vacilamos e
duvidamos. Jesus nos
fortalece com as palavras:
“Felizes os que acreditaram
sem ter visto!”. Essa,
muitas vezes, será a
realidade da nossa fé:
acreditar contra todas as
aparências que o bem é mais
forte do que o mal e a vida
do mais forte que a morte!
Somente uma fé profunda e
uma experiência da presença
do Ressuscitado vão nos dar
essa firmeza.
Tomé confessa Jesus nas
palavras que o Salmista usa
para Javé (Sl 35, 23). No
primeiro capítulo do
Evangelho de João, os
discípulos deram a Jesus uma
série de títulos que
indicaram um conhecimento
crescente de quem Ele era;
aqui, Tomé lhe dá o título
final e definitivo: Jesus é
Senhor e Deus!
Nessa proclamação triunfante
da divindade de Jesus, o
Evangelho terminava (o
Capítulo 21 é um epílogo,
adicionado mais tarde). No
início, João nos informou
que “o Verbo era Deus”.
Agora, ele repete essa
afirmação e abençoa todos os
que a aceitam baseados na
fé! A meta do evangelho foi
alcançada: mostrar a
divindade de Jesus, para que
acreditando, todos pudessem
ter a vida n’Ele.
Terceiro
Domingo da Páscoa (18.04.10)
Jo 21, 1-19
“É o
Senhor!”
Quase todas
as traduções da Bíblia
intitulam o capítulo 21 de
João como “Apêndice” ou
“Epílogo”. Realmente, em uma
primeira edição, o evangelho
terminava no capítulo 20.
Mas, devido a uma situação
nova nas comunidades, se
tornou necessária a adição
do último capítulo. Essa
situação era a fusão de dois
tipos de comunidades cristãs
- as da tradição sinótica ou
apostólica, e as da tradição
da comunidade do Discípulo
Amado. Essa fusão aconteceu
pelo fim do primeiro século
e é simbolizada nos
versículos 15-18, onde Pedro
recebe a primazia e a missão
de pastor dos discípulos.
Mas, somente depois de ter
afirmado três vezes que
amava Jesus (lembrando que
ele tinha negado o Senhor
três vezes na paixão). A
comunidade do Discípulo
Amado aceita a função
apostólica de Pedro; mas,
insiste que antes de ser
apóstolo é mais fundamental
ser discípulo - ou seja,
amar Jesus.
A
primeira parte do texto (vv.
1-14) tem grandes
semelhanças com a história
da “pesca milagrosa” de
Lucas (Lc 5,1-11). Mas, o
contexto pós-ressurrecional
é diferente. Como sempre, no
Quarto Evangelho, devemos
prestar atenção aos símbolos
- sejam eles pessoas,
eventos, ou números. Chama a
atenção que - embora seja a
terceira aparição de Jesus -
os discípulos não o
reconhecem. Isso demonstra
que a presença de Jesus
depois da Ressurreição,
embora real, não é igual à
sua presença durante a sua
vida terrestre. Quem O
reconhece primeiro é o
Discípulo Amado - pois só
quem vê com olhos de amor
reconhece e vê além das
aparências. Como foi o amor
que o levou a correr mais
depressa ao túmulo do que
Pedro em Cap. 20, é o amor
que faz com que ele seja o
primeiro a reconhecer a
presença de Jesus
ressuscitado. Ele é o
Discípulo Amado e que ama.
Pedro o será somente depois
da sua profissão de amor
(vv. 15-17).
A
pesca simboliza a missão dos
discípulos. Segundo muitos
estudiosos, o número de 153
peixes se baseia no fato de
que os zoólogos gregos da
antiguidade achavam que
existiam no mundo 153
espécies de peixe. Então, o
Evangelho está dizendo que a
Igreja (simbolizada pela
rede) pode abraçar o
universo inteiro - todos os
povos e culturas. É
interessante que - diferente
da história em Lucas - a
rede não se rompe! A
diversidade de culturas,
tradições e povos constitui
uma riqueza para a Igreja e
não deve levar a rompimento
da unidade, sem que se
imponha a uniformidade (a
palavra grega que João usa
para “romper” é “schisma”).
Certamente essa visão deve
desafiar e questionar tantas
tendências de centralização
e rigidez que existem na
Igreja hoje!
O nó da
questão está na entrega da
missão a Pedro. Ele deve ser
o Bom Pastor das ovelhas e
dos cordeiros - dos membros
das comunidades. Mas, as
ovelhas não são dele - ele é
apenas o Pastor - as ovelhas
pertencem ao Senhor! Aqui
Pedro recebe esta grande
missão, que nos sinóticos
ele recebe na estrada de
Cesaréia de Felipe. Mas,
mais importante do que a sua
função é a sua vocação de
discípulo - aquele que ama e
segue o Senhor. Só quem ama
Jesus profundamente poderá
pastorear os seus
seguidores. Se, no primeiro
capítulo do Evangelho, Pedro
veio a Jesus por mediação do
seu irmão André (Jo 1,
40-42), agora recebe o
convite do próprio Mestre:
“Siga-me", pois no amor Ele
fez a opção pelo
discipulado.
Todos nós recebemos o mesmo
convite: “Siga-me”. Seja
qual for a nossa função e
missão na Igreja, elas só
terão sentido na medida em
que realmente amarmos Jesus
- um amor que só é autêntico
se amarmos os outros, na
luta comum em favor da
construção de um mundo onde
todos/as possam “ter vida e
vida em abundância” (Jo
10,10), pois “se Deus nos
amou a tal ponto, também nós
devemos amar-nos uns aos
outros” (1Jo 4,11).
QUARTO
DOMINGO DA PÁSCOA (25.04.10)
Jo 10, 27-30
“O Pai e eu
somos um”
O
texto de hoje situa-se no
contexto de uma polêmica nos
arredores do Templo, entre
Jesus e as autoridades
judaicas, na ocasião da
Festa da Dedicação do
Templo. Nos versículos
anteriores, as autoridades
desafiaram Jesus para que se
declarasse abertamente o
Messias. Ele respondeu que
já tinha mostrado isso
muitas vezes, através das
suas obras, mas que eles não
queriam acreditar, pois não
eram as suas ovelhas.
Assim, fica
claro que as ovelhas são os
discípulos, pois o
verdadeiro discípulo ouve a
palavra do Senhor e O segue.
São conhecidos por Ele - e
aqui cumpre lembrar que na
linguagem bíblica, a palavra
“conhecer” tem conotações
mais profundas do que no
nosso uso comum. Significa
não tanto um saber
intelectual, mas uma
intimidade profunda do amor.
Assim, a bíblia muitas vezes
até usa o verbo “conhecer”
para significar relação
sexual. Assim, Maria
questiona o anjo, pois Ela
“não conhece” homem (Lc 1,
34). O verdadeiro discípulo
é aquele ou aquela que
realmente tem um
relacionamento de intimidade
com Deus e que põe em
prática a sua palavra. E
quem conhece Jesus, conhece
o Pai, pois “o Pai e eu
somos um”, como diz Jesus no
nosso texto.
O
versículo 28 afirma que
Jesus dá a vida eterna aos
seus seguidores. Esse é um
tema típico de João; e,
outros textos do evangelho
podem nos ajudar a
aprofundá-lo. No Último
Discurso, Jesus explica em
quê consiste a vida eterna:
“A vida eterna é esta: que
eles conhecem a ti, o único
Deus verdadeiro, e aquele
que tu enviaste, Jesus
Cristo” (Jo 17, 3). Mais uma
vez, liga o conceito da vida
eterna com O de “conhecer”.
Mas em que consiste
“conhecer” a Deus?
O profeta
Jeremias pode esclarecer. Em
um trecho contundente, onde
ele enfrenta o Rei Joaquim e
o condena por não pagar os
salários dos seus operários
na construção do seu
palácio, Jeremias diz o
seguinte, referindo-se ao
falecido rei justo Josias:
“Ele julgava com justiça a
causa do pobre e do
indigente; e tudo corria bem
para ele! Isso não é
conhecer-me? - oráculo de
Javé” (Jr 22, 16). Conhecer
Deus não é em primeiro lugar
um exercício intelectual,
mas uma atitude de vida - a
prática da justiça,
especialmente em favor do
oprimido e fraco. Segundo
João, então, a vida eterna é
o prêmio de quem pratica a
justiça de Deus - proposta
dos discípulos de Jesus - e
não dos que “sabem” muita
coisa sobre Deus, mas que
não praticam a justiça -
representados no texto de
hoje pelas autoridades do
templo.
O nosso texto
nos traz motivo de muita
coragem, pois, afirma que
ninguém vai arrancar o
verdadeiro discípulo da mão
de Jesus (v. 28). Mas,
também nos desafia para que
verifiquemos se somos
realmente discípulos
verdadeiros, se conhecemos
Jesus e o Pai, isto é, se
praticamos a justiça do seu
projeto. Pois, a prova de
ser verdadeiro discípulo
está na prática das obras do
Pai, e não no conhecimento
teórico de religião.
Pe. Tomaz
Hughes, SVD
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