Theresa Catharina de Góes Campos

 
De: Tereza Lúcia Halliday
Data: 29 de março de 2010 06:33
Assunto: Artigo quinzenal

 

XÔ, NOSTALGIA SUSPIROSA!

 

Tereza Halliday – Artesã de Textos

 

Li na Internert crônica de José Antonio Oliveira de Rezende sobre visitas de antigamente, que apareciam sem avisar.  Ele não informa que telefone fixo (o único então existente) era raro nas residências e as distâncias eram curtas, principalmente nas cidadezinhas.  Mas descreve, embevecido, a calorosa acolhida do compadre e da comadre de seus pais aos visitantes de supetão. Em certo momento, chamavam para tomar um café e, num passe de mágica, aparecia sobre a mesa lauto lanche de iguarias feitas em casa, ali prontinhas, como se estivessem à espera dos comensais.

 

  Eu sei qual era a mágica: na casa do compadre e da comadre havia, no mínimo, duas empregadas em tempo integral, dormindo no serviço, com jornada de trabalho das 6 às 21 horas. E a comadre dedicava-se inteiramente à casa - não labutava no mercado de trabalho para afirmar-se profissionalmente e aumentar a renda familiar a fim de custear a realização dos sonhos de consumo dos filhos. Eram poucos os anseios de ter. E tornavam-se exercícios de paciência e de aprendizado sobre limites financeiros: desejei uma bicicleta desde os oito anos de idade e só vim a recebê-la aos 11.

 

 Rezende suspira pelas antigas visitas não anunciadas e lamenta que só se queira encontrar os amigos fora de casa. Pois eu aprecio marcar uma saída para renovar contatos face a face e espairecer. Difícil é encontrar restaurante sem TV ligada nem som anti-conversa. Quanto a visitas de amigos, prefiro ser avisada, a fim de preparar o coração, como a raposa ensinou ao Pequeno Príncipe: “É preciso ritos. Se tu vens, p.ex. às 4 da tarde, desde as 3 começarei a ser feliz”.  Quero tempo para tirar das mãos os odores de tarefas – tinta, cebola, rato de computador; ficar cheirosa, fazer um suco em honra do visitante anunciado, escolher o melhor bolo na padaria do bairro, sem vergonha de não ter sido feito por mim.

 

  Sim, houve dias mais amenos, onde os grandes medos eram de alma do outro mundo. E os ladrões se afastavam ao apito do guarda noturno fazendo a ronda na vizinhança. Contudo, não sofro de Nostalgia Suspirosa. Guardo boas lembranças, mas sou pessoa do meu tempo – o de hoje, onde me empenho em aguar as plantinhas da amizade com telefonemas, e-mails individuais, almoços fora de casa.

 

O autor lamenta: “O tempo passou e me formei em solidão”. Aponta a TV, DVDs e e-mails como professores de solidão: “Cada um na sua e ninguém na de ninguém”.   Omite que, no tempo das visitas não anunciadas, já havia solidão e isolamento. Sempre houve. Mas criança não era para saber dessas coisas. Para ele, as casas de hoje, sem visitas, “vão se transformando em túmulos... que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas”. A minha é templo vivo, restaurador das energias exauridas na cidade insegura, suja, barulhenta. E estou entre os afortunados que alternam convívio e solidão contente. Longe da dolorosa “formatura” que Rezende constata em seu currículo de vivente do século XXI.
 

(Diário de Pernambuco, 29/03/2010, p.A-13)


De: Tereza Lúcia Halliday
Data: 30 de março de 2010 07:41
Assunto: Re: XÔ, NOSTALGIA SUSPIROSA!
Para: Theresa Catharina de Goes Campos


Gratíssima pelo incentivo e divulgação do meu texto.
Curioso é que recebi a crônica que o inspirou, de três amigos homens - saudosos desse passado e sem ter noção do lado prático das casas de antigamente, que fiz questão de lembrar-lhes: presenças femininas - mãe, empregadas - fazendo as "mágicas" da comida e roupas prontinhas para usar.

Abração, Tereza.

 

Jornalismo com ética e solidariedade.