Theresa Catharina de Góes Campos

 
TEMPOS MODERNOS
Em busca dos verdadeiros tempos, eis que nos vemos ante uma realidade bem diferente...

Cercados de problemas sócio-econômicos e psicológicos, tanto individuais quanto coletivos, achamos de utilidade fazer alguns comentários sobre uma obra-prima do cinema mudo. Charles Chaplin dirigiu e protagonizou "Tempos Modernos" (Modern Times - EUA, 1936 - em preto e branco, 87 min.), cujo enredo foi ambientado nos anos 30 da Depressão e, no estilo de parábola urbana contemporânea, teve o grande mérito de ressaltar as conseqüências nefastas da industrialização sem consideração pelo bem-estar da pessoa humana.

No filme, as máquinas são engrenagens que escravizam, atormentam e enlouquecem os operários "em nome" do progresso tecnológico e a serviço de lideranças gananciosas. Quando a obra foi lançada, deu prejuízo nos Estados Unidos; posteriormente, já etiquetada de "socialista", teve a sua apresentação proibida na Alemanha dirigida por Hitler e no governo fascista de Mussolini, na Itália. Todos esses obstáculos políticos não impediram a permanência de sua mensagem, sempre citada como fábula sobre a sociedade ambiciosa em que vivemos (ou fingimos "viver")...
No papel de um trabalhador em uma grande indústria, Carlitos lidera o elenco, em que também se destacam Paulette Goddard (a jovem órfã por quem ele se apaixona), Henry Bergman, Chester Conklin, Allan Garcia, Stanley Sanford, Hank Mann.

A história denuncia as condições de vida inaceitáveis dos personagens deserdados, desamparados, explorados e, por isso mesmo, marginalizados pelo desenvolvimento de que são, tragicamente, a força do trabalho, mas não, os beneficiários.

A linha de montagem constitui o cenário no qual Carlitos encontra a perda da razão; em um cabaré, dança e canta palavras absurdas, desconexas, sem sentido, em cena de insanidade antológica; ao carregar uma bandeira vermelha, para proceder a um conserto em via pública, vê-se confundido com um grevista e transformado em líder por acaso. Idealista em busca de sua razão para existir, Carlitos continua a nos fazer refletir criticamente sobre uma realidade sócio-econômica que diz respeito a todos nós, e não apenas aos dirigentes e empresários. Autor da história, do roteiro e da música do filme (orquestrada por Alfred Newman), Charles Chaplin nos ofereceu, em 87 minutos, um valioso instrumento de questionamento. Assim, os dramas individuais compõem o rosto de uma sociedade injusta, insensível, consumista, sem empatia por seus membros, considerados meramente como peças descartáveis e de baixo custo, numa engrenagem que repetidamente corrompe, avilta, massifica. Atentos às imagens significativas de "Tempos Modernos", e dispostos, também, a analisar com responsabilidade e abrangência esta nossa realidade do dia-a-dia, como pensar e transformar os conflitos entre a máquina e o homem, com essa trilha sonora de alarmes, campainhas e ruídos diversos, discursos enganosos e sofismas? Em nossa angústia, trazemos à mente as palavras redentoras do ator e músico brasileiro, Jorge Mautner: "A imaginação, a religião e a arte funcionam como o coração em um mundo sem coração."
Os sentimentos, portanto, os valores espirituais e suas manifestações artísticas e culturais parecem indicar o caminho para aquela situação em que o ser humano dispõe, controla, domina os recursos materiais, colocando-os a seu serviço, em um processo solidário de educação contínua e permanente.

Como Chaplin, recusamos os "Tempos Modernos" movidos a lucro, suor e dores íntimas; exigimos uma modernidade autêntica, que proporcione a todo cidadão a oportunidade de se educar, realizando o seu potencial, contribuindo positivamente ao crescimento da sociedade como um todo diversificado, dinâmico, em fluxo constante de superação dos desafios propostos por avanços tecnológico-científicos.

Brasília, 15/08/91 Theresa Catharina de Góes Campos*
Departamento de Fundamentos da Faculdade AEUDF
(*Assisti ao filme no cinema. Em vídeo: Continental)

Theresa Catharina de Góes Campos
 

Jornalismo com ética e solidariedade.