Theresa Catharina de Góes Campos

 

CASAMENTOS MISTOS

 

Tereza Halliday – Artesã de Textos

 

Tempos atrás, uma colega de turma do colégio, de família tradicionalíssima católica, namorava o filho de um pastor presbiteriano. Foi tratar com seu pároco dos trâmites que o Direito Canônico exige para a realização do “casamento misto” – aquele no qual o noivo é de uma religião e a noiva de outra. O padre perguntou-lhe paternalmente: “Minha filha, não dá pra se agradar de outro rapaz?”. Não deu. Casaram e criaram filhos decentes, de não fazer vergonha a nenhuma das duas igrejas.

 

Outra colega, na faculdade, ao comunicar ao pai (diácono da Igreja Batista) que ia se casar com um rapaz de religião judaica, ouviu este resignado comentário: “Antes judeu que católico”. Mais recentemente, um noivo, católico do IBGE (aquele que o é apenas no formulário do Censo), desgostou os pais ao casar em templo de culto afro-brasileiro, com a filha de uma mãe-de-santo. E uma amiga judia, que não freqüenta sinagoga nem obedece às proibições alimentares judaicas, confrangeu-se quando a filha casou-se no rito católico, com um não circuncidado. Ficou encabulada de enviar convites aos parentes judeus para a cerimônia religiosa cristã, da qual foi protagonista: sendo órfão de mãe, o futuro genro lhe pediu que entrasse com ele na igreja!

 

Engolimento em seco e negociações para uma “cerimônia neutra”, apenas no civil, são comuns em famílias que se vêem envolvidas com um casamento misto. Os nubentes podem ser excelentes pessoas, mas na hora de trocar as alianças noutro território de fé, dói nos pais e avós apegados às suas respectivas religiões, ou não. Mistérios do senso de pertença... Cedo aprendemos o vocabulário do “nosso grupo” para designar quem não faz parte: pagão, gentio, herege, goi, infiel, reaça, comuna...Com toda a tolerância adquirida, com todo o discurso de respeito às diferenças, muitos membros de religiões organizadas creem que a deles é a melhor e a certa. E querem o melhor e o “certo” para seus filhos. Quando uma igreja exige conversão do nubente forasteiro, este(a) aceita mais para agradar o noivo(a) do que por convicção.

 

Quando encontro sofrimento inútil por causa de um casamento misto, evoco este recado  de meu ex-professor e sempre lembrado amigo Pe. Aloísio Mosca de Carvalho. S.J.: “Deus é maior do que todas as religiões”. Para os crentes em Deus, isto deveria ser óbvio. Todavia, pais e avós de protagonistas de casamentos mistos sofrem por preocupação mais terrena: “o que os outros da comunidade vão dizer?”. Felizmente, para isto, os noivos estão se lixando. Há também o receio de que uma diferença tão fundamental como se acredita ser a filiação a uma Fé, contribua para o fracasso do casamento. Mas aí estão numerosos divórcios de casais que comungam da mesma tradição religiosa.  Quando tem de dar certo, não depende nem do representante institucional que tiver ministrado a bênção na cerimônia do sim, nem do tititi das marocas, nem do tamanho da festa.

          (Diário de Pernambuco, 10/05/2010, p.C-5)

 
Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos
 

Jornalismo com ética e solidariedade.