Theresa Catharina de Góes Campos

 

O ESCRITOR FANTASMA

      Ao se assistir a O Escritor Fantasma, de Roman Polanski, que o realizador  polonês concluiu sob prisão domiciliar, em seu chalé em Gstaad, na Suíça, à espera de uma decisão da justiça americana sobre sua extradição ou não aos EUA por abuso de uma adolescente em meados da década de setenta, a indagação que se faz é: será que ele já pressentia o que lhe ia acontecer para ser tão cáustico, do ponto de vista político, em sua brilhante narrativa?

      O argumento foi extraído por Polanski do romance The Ghost, de Robert Harris, que narra a história de um escritor anônimo (Ewan McGregor), contratado para finalizar as memórias de um ex-chanceler britânico, Adam Lang (Pierce Brosnan), iniciadas por outro redator, morto em circunstâncias misteriosas, quando apurava dados para o seu trabalho. Como Lang fora colaboracionista do governo americano, ele estava sendo acusado de anular os direitos civis dos cidadãos ingleses a fim de torturar suspeitos de terrorismo. Por isso, teve de, terminado o seu mandato, se isolar numa ilha deserta no estado do Maine, nos EUA, a fim de fugir às sanções da Corte Internacional do Tribunal de Haia, cuja legitimidade o país de Tio Sam não reconhece, pois não assinou o Estatuto de Roma.

      Embora a figura de Lang pareça calcada na de Tony Blair – que também acaba de firmar contrato com o seu editor, Random House, no valor de 5 milhões de euros, para publicar suas memórias, The Journey -, Harris assegura que escreveu o seu livro muito antes de surgirem as evidências de que o ex-ocupante da 10, Downing  Street teria decidido voluntariamente participar da guerra ao terror promovida pelo governo americano, o que o levou a responder a um inquérito recentemente. De qualquer forma, as coincidências entre um e o outro, na película, são muitas.

      Quando o escritor chega à ilha para dar início ao seu trabalho, ele conhece, além do pessoal burocrático, comandado pela eficiente secretária Amelia Bly (Kim Cattrall), a esposa do biografado, Ruth Lang (Olivia Williams), que lhe parece ser uma mulher sombria e sofredora. Aliás, essa primeira impressão se confirmaria um pouco mais tarde, quando ele, convidado por ela, vai fazer uma caminhada pela ilha, apesar de o tempo parecer nublado e ameaçador de chuva. Então, Ruth lhe confessa: Eu me sinto como a mulher de Napoleão na Ilha de Santa Helena. Ao regressar à suntuosa casa onde vivem os Langs, o escritor recebe de Amelia os originais do livro sob a advertência, porém, de que a documentação não poderá, em hipótese alguma, ser levada por ele para o hotel, onde se hospeda.

      Ele se dedica a ler então, com afinco, a papelada para tomar conhecimento de tudo o que foi feito por seu antecessor, pois terá de apresentar sugestões sobre o seu trabalho a Lang tão logo ele  regresse de Washington, onde, além de enfrentar, nas ruas, a reação popular contrária à sua permanência em território americano, seria também recebido pelo ocupante da Casa Branca. Assim, na primeira audiência que tem com Lang, o escritor procura obter dele a confirmação sobre as circunstâncias em que se dera, quando tinha 22 anos, o seu ingresso na vida política. É sob esse aspecto, o do início da carreira, que lhe vai surgir a definitiva pista de que o biografado lhe está faltando com a verdade. E, pior, ao descobrir depois, por acaso, uma documentação deixada por seu antecessor, terá evidência de que ele não se suicidara, como era a hipótese corrente, principalmente após conversar com um velhinho (Eli Wallach) morador da ilha, que lhe assegurara ser difícil, por causa da corrente marítima, que alguém, que se atirara da balsa em movimento, tivesse o corpo levado para o ponto em que, posteriormente, foi encontrado. O escritor, sem ser um jornalista investigativo – não é essa a sua missão – terá de fazer, entretanto, entrevistas com pessoas que conviveram com o político nos tempos universitários para ver se chega à revelação do que está sendo por ele acobertado.

      Para contar essa trama, Polanski usa, com os detalhes técnicos característicos, a linguagem hitchcockiana, inigualável geradora de suspense, mas extrai também a sua poesia da ambientação, principalmente nas cenas que ocorrem no interior da residência dos Langs, pontuadas pela música original de Alexandre Desplat, de magnífico efeito também em quase toda a narrativa.  É notável ainda como ele – que ganhou o Urso de Prata (Melhor Direção) do último Festival de Berlim - cria metáforas, pela bela fotografia de Pawel Edelman, do ambiente sombrio da casa depois de serem baixadas as cortinas que neutralizam a integração, por meio de amplas vidraças, do imóvel com a natureza. Ou então do elemento visual de quadros abstratos que ornamentam algumas paredes. Os atores – principalmente o trio central: Ewan McGregor, Pierce Brosnan e Olivia Williams – ele, como diria mestre Visconti, os mantém sob rédeas curtas ao seu restrito comando. E consegue com isso um estupendo resultado. Deve-se dizer ainda que se o filme não chega a ser uma obra-prima, tem, no entanto, uma cena final inesquecível.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA

O ESCRITOR FANTASMA
THE GHOST WRITER

Reino Unido / 2010
Duração – 128 minutos
Direção – Roman Polanski
Roteiro – Roman Polanski, com base na novela The Ghost, de Robert Harris
Produção – Robert Benmussa
Fotografia – Pawel Edelman
Música Original – Alexandre Desplat
Edição – Hervé de Luze

Elenco – Ewan McGregor ( escritor anônimo), Pierce Brosnan (Adam Lang), Olivia Williams ( Ruth Lang), Kim Cattrall (Amelia Bly), Eli Wallach (velhinho), Tom Wilkinson (Paul Emmett), Timothy Hutton (Sidney Kroll), James Belushi (John Maddox), Jon Bemthal (Rick Ricardelli), Robert Pugh (Richard Rycart).

 

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