Um
"causo" futebolístico,
neste meu artigo
quinzenal. Tereza.
MINORIAS NA COPA DO
MUNDO
Tereza
Halliday – Artesã de Textos
Em tempo de
Copa do Mundo, registro duas
minorias, merecedoras de
respeito como toda minoria
pacífica: os torcedores
quadrienais e os que não se
interessam por futebol em
tempo algum. Entre os
primeiros, há os que nada
têm a contribuir para a alta
dose de adrenalina coletiva
do momento. Torcem quietos.
Entre os indiferentes, há os
que vibram com outros
esportes e acompanham os
respectivos campeonatos. Um
minoritário comentou: “temo
ser considerado um mau
brasileiro, carente de
patriotismo”. Isto
porque não dá a mínima para
o culto do gramado e seus 11
apóstolos da bola.
Lembrei-lhe de um dito de
minha avó, funcionária
pública federal exemplar: “Patriotismo
a gente demonstra com
trabalho e
honestidade no serviço
público”. Gol de placa
da minha mentora.
A cada Copa
do Mundo, relembro um
episódio que sempre me faz
rir de novo. Em certo ano em
que o Brasil conquistou a
Taça Jules Rimet, eu estava
em São Paulo assistindo à
partida final no apartamento
de Heloíza Matos, amiga,
docente-pesquisadora da USP
e minha anfitriã naquela
semana. Éramos apenas duas
telespectadoras.
Cumprindo
nosso dever cívico,
acompanhávamos os lances de
chuteiras, peitos e cabeças.
Lamentávamos que a distância
da cena não permitisse ver
os rostos dos jogadores
bonitões. Seria um incentivo
para manter o interesse pela
partida. Tínhamos de nos
contentar com a bola, os
feixes de músculos e as
camisas coloridas
encharcadas de suor. Que
desodorante superpotente
usariam? Não consegui ver a
marca entre as numerosas
propagandas de outros
produtos, exibidas no campo
e em todos os cantos da
tela, atrapalhando o
espetáculo. Que não
esquecêssemos: o jogo pelo
qual se morre de infarto, na
alegria ou na tristeza, é um
big business cujo
propósito maior é fazer das
empresas patrocinadoras
campeãs de vendas.
Lá para as
tantas, houve um gol – não
me lembro se foi o decisivo.
Heloíza e eu nos
entreolhamos e dissemos ao
mesmo tempo: gol. Sem ponto
de exclamação, nem grito,
nem berro. A mente apenas
registrava o acontecido para
o qual havia um nome: gol. O
que se seguiu foi o melhor
da partida. Caímos na
risada, ante o nível do
nosso empolgamento.
Merecíamos uma à outra como
parceiras de plateia.
Rimos e rimos e conseguimos
chegar ao fim do primeiro
tempo na maior descontração.
Durante o intervalo,
preparamos um café bem
forte, a fim de atravessar o
segundo tempo sem cochilar.
Ao contrário do segundo ato
de uma peça, ou do segundo
movimento de um concerto, o
segundo tempo de um jogo de
futebol é um repeteco
de coreografia.
O Brasil foi
campeão. Os prédios fremiam
com o foguetório, o
tum-tum-tum de pés a
pular, a energia brasílica
esborrando por todos os
lados. Fomos para a Avenida
Paulista a fim de participar
do carnaval da vitória.
Pouca esperança de ouvir os
acordes de Vassourinhas
na mais cosmopolita via
paulistana. Mas eu não
perderia um carnaval de rua,
nem mesmo por falta de
frevo.
(Diário de
Pernambuco, 07/06/2010,
P.A9).
Tereza Lúcia Halliday,
Ph.D.
Artesã de Textos
|