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CRIME DE LESA-GASTRONOMIA
Tereza Halliday – Artesã de
Textos
No mês de junho, saí provando, de
padaria em padaria e em restaurantes que
oferecem cardápio regional, duas comidas de
milho que, um dia, foram iguarias da culinária
pernambucana: a canjica e a pamonha. Tentei
padarias de grife, padarias modestas e várias
metidas a besta, com placas “Delicatessen”, mas
onde não se vende doces e salgadinhos realmente
delicados. Nutria a esperança de que, em alguma
delas, de qualquer nível, a terceirização fosse
bater nas mãos de uma Dona Maria de notório
saber culinário, mesmo que ela não soubesse
dizer se canjica se escreve com j ou com g.
Parece que a última perita fazedora de canjica
autêntica e saborosa foi se embora pra Pasárgada.
Deve haver alguma honrosa exceção
à farrapagem das canjicas e pamonhas nesta
cidade. Infelizmente, só encontrei anguzinho
vasqueiro ao qual afixam a etiqueta “canjica”. É
como produzir vinho espumante de quarta
categoria e chamar de “Champagne”. Falsificação,
caso para Procon, crime de lesa-gastronomia.
Muitos comerciantes nem sabem que estão a
cometê-lo.
Economiza-se no leite de coco, no
sal, no açúcar, usa-se mistura pronta de caixa e
o resultado é uma papinha amarela querendo
passar por canjica. Nem cara de canjica tem,
pois a verdadeia cor e textura se perdeu no
avacalhamento da receita. Canjica de mesmo é
feita de milho verde, resulta em cor amarela bem
clarinha esverdeada e, uma fatia cortada a faca,
balança como geleia. É de confecção trabalhosa,
requer mexer com colher de pau por uma hora
inteira, depois de levantar ponto de fervura.
Prato fino.
Por sua vez, a imensa maioria das
pamonhas de agora, só tem cara de pamonha: a
capa de palha de milho. Lá dentro, gosto de
sabão, ou desenxabida. Algumas pamonhas de forno
ainda salvam a Pátria e dão prazer ao paladar.
Mas, as de invólucro de palha vão de mal a pior.
Perdeu-se o saber do sabor quando se trata de
canjica nordestina e de pamonha. O
canjiquicídio é culposo, sem intenção de
matar. Mata por ignorância ou desídia. Muitos já
nem sabem distinguir que se trata de
falsificações. Mas não se deve permitir o uso do
nome canjica em produto que seja imitação
grosseira do original.
A embromação com esses dois
quitutes da culinária nordestina desvirtua nosso
patrimônio cultural - que inclui bem mais do que
o bolo de rolo. Os chefs que, por sua
criatividade e competência, têm feito do Recife
um pólo gastronômico respeitável, podem muito
bem defender e promover a canjica e a pamonha de
qualidade. Que esses dois pratos regionais sejam
autênticos, honestos, bem preparados.
Não precisam inventar canjica ao
molho de trufas nem pamonha com calda de
amêndoas. Clamamos pelo sabor puro, simplesmente
canjica e pamonha, “manjar dos deuses” das
cozinhas caseiras de um passado gastronômico não
muito distante. Ao lado de “Salvem os baobás”,
as baleias, os pés de mangaba, os coqueiros, os
manguezais, urge acrescentar o brado: Salvem a
canjica e a pamonha! (Diário de Pernambuco,
5/07/2010, p.A-7).
Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos
www.terezahalliday.com
De: Tereza Lúcia
Halliday
Data: 5 de julho de 2010 21:35
Assunto: Re: na 2a. linha do 3º parágrafo de seu
artigo ESPETACULAR, pertinente e de alto nível,
tenho a ousadia de solicitar revisão na
digitação ("canjica de verdade " ou "canjica
mesmo"Fwd: Artigo quinzenal - Perdeu-se o saber
o sabor
Para: Theresa Catharina de Goes Campos
Therezita:
Mais uma vez agradeço seu olho de lince.
Contudo, no caso apontado, trata-se de uma
expressão da infância, no interior (Caruaru):
"de mesmo" significa de verdade e é antônimo "de
mentira", ou seja, respectivamente real e falso.
Meus contemporâneos pernambucanos sabem do que
se trata.
Como menina enriquecida pela moradia em vários
estados do Brasil, talvez você não foi exposta a
essa expressão em Pernambuco.
Quando se ia contar uma história, o interlocutor
incrédulo dizia: "De mesmo, mesmo, mesmo?" OU
seja, "de verdade?"
Com carinho,
Tereza Lúcia. |
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