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HOMILIAS: REFLEXÕES PARA AGOSTO DE 2010
Reflexões
Homiléticas para Agosto de 2010
Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
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DÉCIMO OITAVO DOMINGO COMUM (01.08.10)
Lucas 12,13-21
“Tenham cuidado com qualquer tipo de ganância”
Mais uma vez deparamo-nos com um dos temas
favoritos de Lucas - o combate à ganância, em
todas as suas formas, especialmente dentro da
comunidade dos discípulos de Jesus. A parábola
de hoje só se encontra neste Evangelho,
sublinhando assim o interesse de Lucas pelo
assunto.
Ressoa com todas as letras a advertência de
Jesus para os seus discípulos: “Atenção! Tenham
cuidado com qualquer tipo de ganância” (v. 15b).
Com certeza, a caminhada de mais ou menos
cinquenta anos das comunidades cristãs tinha
mostrado que os cristãos não eram isentos da
tentação da acumulação de bens, e do
individualismo. Cumpre assinalar que o Evangelho
não nega o valor nem a necessidade de bens
materiais. Afinal, sem eles, não seria possível
ter uma vida digna e humana - o que Deus quer
para todos os seus filhos e filhas. A luta não é
contra os bens, mas contra a ganância, o
egoísmo, a acumulação, a confiança no aumento
dos bens como valor supremo das nossas vidas.
Se foi importante fazer esta advertência há
quase dois mil anos, quanto mais hoje, quando
nós vivemos mergulhados em um mundo de
consumismo e materialismo; quando se prega o
“evangelho” da competitividade e acumulação;
onde os profetas do projeto neo-liberal da
exclusão entram todos os dias em nossos lares,
através da televisão e da internet; onde a meta
do sistema é concentrar cada vez mais bens nas
mãos de uma elite privilegiada, excluindo, cada
vez mais, pessoas que não podem competir. Como
nós cristãos vivemos mergulhados neste ambiente,
acontece muitas vezes que, sem dar conta do
fato, nós o assimilamos, como por osmose,
diluindo o evangelho da fraternidade e
solidariedade, e reduzindo a prática religiosa
ao âmbito individual e intimista, tirando dela a
sua força transformadora.
O rico da parábola muito bem poderia representar
a ideologia do sistema vigente dos nossos dias.
Chama a atenção o número de vezes que ele usa as
palavras “eu”, “meu” “minha” - é um homem
totalmente fechado no seu mundinho, fechado
sobre si, sem sensibilidade diante dos
sofrimentos e necessidades dos irmãos e irmãs.
Jesus o chama de “louco” - não por ter o
suficiente para viver bem, nem por alegrar-se
com este fato, mas por colocar o sentido da sua
vida na acumulação de riquezas, achando que isso
lhe traria a felicidade por si. A pergunta que
Jesus faz: “E as coisas que você preparou, para
quem vão ficar?” (v. 20), levanta a pergunta
fundamental que todos nós temos que responder:
qual é o sentido da nossa vida? O que é
realmente importante? Sobre o que baseamos a
nossa felicidade? Pois, tudo passará - e então
seria tolice fundamentar a nossa felicidade
sobre algo que necessariamente vai acabar. É um
convite para que achemos o alicerce firme para a
nossa caminhada, para a nossa felicidade.
Podemos construir as nossas vidas sobre areia -
movediça, sem firmeza; ou sobre a rocha - firme
e imutável. Sobre coisas efêmeras, ou sobre Deus
e o seu projeto de solidariedade, fraternidade e
partilha.
O homem da parábola terminou a sua vida na
frustração, perdeu tudo, e a sua vida acabou sem
sentido. E Jesus nos adverte: “Assim acontece
com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não
é rico para Deus!” (v. 21). A escolha é nossa!
DÉCIMO NONO DOMINGO COMUM (08.08.10)
Lucas 12, 32-48
“Onde está o seu tesouro, aí estará também o seu
coração”
Esse trecho do capítulo doze retoma em grande
parte o tema do domingo anterior - a questão do
relacionamento do cristão e da comunidade com os
bens materiais. A comunidade cristã é
caracterizada como “pequeno rebanho” -
certamente pequena diante da força e enormidade
do sistema do Império Romano. Aqui não é tão
importante a sua pequenez em termos numéricos,
mas em termos da sua importância e força dentro
da sociedade - a fraqueza dela é gritante, e
devia ter provocado insegurança e medo em muitos
dos seus membros. Por isso, as palavras de
encorajamento: “Não tenha medo, pequeno rebanho,
porque o Pai de vocês tem prazer em dar-lhes o
Reino” (v. 32).
O rebanho não tem muitos bens materiais, mas
terá os bens mais importantes - os do Reino.
Esta ideia nasce do versículo anterior a este
trecho: “Busquem o Reino d’Ele e Deus dará a
vocês essas coisas em acréscimo” (v. 31). Estes
bens virão na medida em que a comunidade vive a
partilha, ou seja, se coloca na contramão de uma
sociedade de ganância e exploração, repartindo o
que tem. Retomando o tema do último domingo,
Jesus adverte: “De fato, onde está o seu
tesouro, aí estará também o seu coração” (v.
34).
Esse último versículo nos desafia a fazermos uma
meditação mais profunda sobre os valores da
nossa vida. Onde - realmente, e não teoricamente
- está o meu tesouro? Em que eu de fato ponho a
minha confiança? Sobre o que estou baseando a
minha vida? Qual é a minha experiência prática
de partilha? Quais são os verdadeiros tesouros
da minha vida?
Em seguida, Lucas nos coloca diante das
exigências de vigilância e responsabilidade.
Embora muitas vezes se interprete este trecho
sobre a vinda do Senhor em termos do “fim do
mundo”, ou referindo-se ao momento da nossa
morte, realmente esses versículos têm uma
abrangência muito maior. A ênfase não está no
fim, mas na atitude que nós devemos ter sempre
em nossa caminhada. Sempre devemos estar
alertas, para não perdermos o momento de Jesus
passar em nossa vida. Ele chega para nós, não
somente na hora da nossa morte, muito menos no
fim do mundo, mas todos os dias, nas pessoas,
nos acontecimentos da nossa realidade, na
comunidade em que vivemos. Jesus aqui exige uma
atitude de busca permanente do Reino, através de
uma vida de serviço fraterno.
Os versículos 41-46, e o fato que a pergunta é
feita por Pedro, porta-voz dos líderes da
comunidade em Lucas, indicam que a mensagem aqui
é dirigida em primeiro lugar aos que têm uma
função de dirigente na comunidade. Os dirigentes
cristãos não têm estes ofícios para exercer um
poder, para dominar; mas, muito pelo contrário,
para melhor servir. Somos alertados para que não
deixemos a corrupção do poder tomar conta da
nossa vida. Como os dirigentes das comunidades
têm consciência dos seus deveres, muito mais
ainda é a sua responsabilidade: “A quem muito
foi dado, muito será pedido; a quem muito foi
confiado, muito mais será exigido” (v. 48).
Aqui o trecho alarga a sua visão para incluir
não somente uma possível corrupção do projeto
cristão através do apego aos bens materiais, mas
também através do apego ao poder, quando este é
usado não como serviço, mas como dominação e
projeção pessoal por parte dos dirigentes
cristãos. Talvez, não haja corrupção mais sutil
do que a do poder, manifestada em carreirismo,
autoritarismo e auto-projeção dentro das
Igrejas. Vale a advertência já feita no século
XIX pelo historiador católico inglês, Lord Acton:
“Todo o poder tende a corromper, e o poder
absoluto corrompe absolutamente!”
Lucas convida a todos, especialmente os
dirigentes, à vigilância, para que o nosso
verdadeiro tesouro seja o serviço fraterno, como
concretização do projeto de Jesus, e não a
ganância, o poder, a dominação.
FESTA DA ASSUNÇÃO (15.08.10)
Lc 1, 39-56
“Você é bendita entre as mulheres”
O evangelho da festa de hoje tem duas partes bem
distintas, o encontro entre Maria (grávida de
Jesus) e Isabel (grávida de João); e, o Canto do
Magnificat.
Para entender o objetivo de Lucas em relatar os
eventos ligados à concepção e nascimento de
Jesus, é essencial conhecer algo da sua visão
teológica. Para ele, o importante é acentuar o
grande contraste, e ao mesmo tempo a
continuidade, entre a Antiga e a Nova Aliança. A
primeira está retratada nos eventos ligados ao
nascimento de João, e tem os seus representantes
em Isabel, Zacarias e João; a segunda está nos
relatos do nascimento de Jesus, com as figuras
de Maria, José e Jesus. Para Lucas, a Antiga
Aliança está esgotada - os seus símbolos são
Isabel, estéril e idosa, Zacarias, sacerdote que
não acredita no anúncio do anjo, e o nenê que
será um profeta, figura típica do Antigo
Testamento. Em contraste, a Nova Aliança tem
como símbolos a virgem jovem de Nazaré que
acredita e cujo filho será o próprio Filho de
Deus. Mais adiante, Lucas enfatiza este
contraste nas figuras de Ana e Simeão, no
Templo, (Lc 2, 25-38), especialmente quando
Simeão reza: “Agora, Senhor, conforme a tua
promessa, podes deixar o teu servo partir em
paz. Porque meus olhos viram a tua salvação” (2,
29)
Por isso, não devemos reduzir a história de hoje
a um relato que pretende mostrar a caridade de
Maria em cuidar da sua parenta idosa e grávida.
Se a finalidade de Lucas fosse somente mostrar
Maria como modelo de caridade, não teria
colocado versículo 56, que mostra ela deixando
Isabel antes do nascimento de João: “Maria ficou
três meses com Isabel; e depois voltou para
casa”. Também não é verossímil que uma moça
judia de mais ou menos quatorze anos enfrentasse
uma viagem tão perigosa como a da Galiléia à
Judéia! A intenção de Lucas é literária e
teológica. Ele coloca juntas as duas gestantes,
para que ambas possam louvar a Deus pela sua
ação nas suas vidas, e para que fique claro que
o filho de Isabel é o precursor do filho de
Maria. Por isso, Lucas tira Maria de cena antes
do nascimento de João, para que cada relato
tenha somente as suas personagens principais: de
um lado, Isabel, Zacarias e João; do outro lado,
Maria, José e Jesus.
O fato que a criança “se agitou” no ventre de
Isabel faz recordar algo semelhante na história
de Rebeca, quando Esaú e Jacó “pulavam” no seu
ventre, na tradução da Septuaginta de Gn 25, 22.
O contexto, especialmente versículo 43, salienta
que João reconhece que Jesus é o seu Senhor.
Iluminada pelo Espírito Santo, Isabel pode
interpretar a “agitação” de João no seu ventre -
é porque Maria está carregando o Senhor.
As palavras referentes a Maria: “Você é bendita
entre as mulheres, e bendito é o fruto do seu
ventre” (v. 42) fazem lembrar mais duas mulheres
que ajudaram na libertação do seu povo, no
Antigo Testamento: Jael (Jz 5, 24) e Judite (Jdt
13,18). Aqui Isabel louva a Maria que traz no
seu ventre o libertador definitivo do seu povo.
Vale destacar o motivo pelo qual Isabel chama
Maria de “bem-aventurada” (v. 45):
“Bem-aventurada aquela que acreditou”. Maria é
bendita em primeiro lugar, não por sua
maternidade, mas pela fé - em contraste com
Zacarias, que não acreditou. Assim, Lucas
apresenta Maria principalmente como modelo de
fé. Já no relato da Anunciação, Maria expressou
essa fé quando disse “Faça-se em mim segundo a
tua palavra” (v. 38). Assim, ela aceita, não
somente ser a mãe do Senhor, mas a protagonista
da construção de uma sociedade de solidariedade
e justiça, tão almejada por Deus. Por isso,
Lucas faz uma releitura do Canto de Ana (1Sm 2,
1-10) e coloca nos lábios de Maria o canto do
Magnificat, em sintonia com a espiritualidade
secular dos Pobres de Javé, que, desprovidos de
qualquer poder, põem a sua esperança em Deus,
que “dispersa os soberbos de coração, derruba do
trono os poderosos e eleva os humildes; aos
famintos enche de bens, e despede os ricos de
mãos vazias” (vv. 51-53). Longe de ser uma
figura passiva, a Maria deste capítulo é modelo
para todos que assumem a luta em favor de uma
sociedade alternativa, de partilha,
solidariedade e fraternidade.
Podemos também acrescentar que, neste capítulo,
primeiro nós encontramos - na Bíblia - as frases
da primeira parte da oração da “Ave Maria”: “Ave
Maria” (Lc 1, 28),“Cheia de graça” (Lc 1, 28),“O
Senhor é convosco”(Lc 1, 28),“Bendita sois vós
entre as mulheres” (Lc 1, 42), “Bendito o fruto
do vosso ventre” (Lc 1, 42), que demonstra que,
quando tratada com fundamento bíblico, a figura
de Maria não é empecilho para uma caminhada
ecumênica, pois a Escritura a aponta como modelo
de fé para todos nós!
VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO COMUM (22.08.10)
Lucas 13, 22-31
“É verdade que são poucos os que se salvam?”
Jesus continua a sua caminhada em direção à
Jerusalém, e no caminho, prossegue ensinando os
seus discípulos. O debate agora é sobre uma
questão que sempre intrigava os cristãos - e
também os de outras crenças: “É verdade que são
poucos aqueles que se salvam?” (v. 23).
Durante muito tempo, o assunto de muitas
pregações nas igrejas era a condenação.
Falava-se muito mais em pecado do que na graça,
no diabo do que em Jesus, do inferno do que no
céu ou no projeto de Jesus para este mundo.
Infelizmente, especialmente nos ambientes
fundamentalistas, tanto católicos como
protestantes, essa tendência volta a vigorar.
Neste trecho Jesus nos ensina como enfrentar
esta questão!
Chama a atenção que Jesus não responde à
pergunta. Ele não indica se são muitos os que se
salvam, ou não. A preocupação d’Ele é que as
pessoas vivam de acordo com o projeto de Deus.
Nisso encontrarão a salvação. Por isso, ele
desvia a atenção do ouvinte da questão do “além
morte” para que volte à vivência prática da fé.
O conselho d’Ele é claro: “Façam todo o esforço
possível para entrar pela porta estreita” (v.
24). Resta perguntar - em que consiste esta
“porta estreita”? O texto nos dá a resposta:
“Ele responderá: “Não sei de onde são vocês.
Afastem-se de mim todos vocês que praticam a
injustiça” (v. 27)
Interessante que Deus afastará os que praticam a
injustiça - não fala daqueles que têm fraquezas
humanas, que têm uma fé diferente, que ignoram
as verdades da teologia - ou seja, se preocupa
com a prática da injustiça. Pois o seguimento de
Jesus é basicamente isso - o amor prático, que
se manifesta na justiça. Sem esta prática,
simplesmente a fé é vã! A “porta estreita” é a
prática da justiça!
Jesus adverte que talvez não sejam os que
conhecem a sua mensagem que irão herdar o Reino.
Pois o critério do julgamento não será o
conhecimento teórico do evangelho, mas muito
antes a sua vivência concreta na justiça,
conforme ele diz: “Muita gente virá do oriente e
do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar
à mesa no Reino de Deus” (v. 29)
Diante do fechamento do judaísmo farisaico, com
a sua religião nacionalista, Jesus abre
perspectivas ecumênicas - a salvação não se
restringe aos que faziam parte oficialmente do
Povo de Deus! Virão pessoas do mundo todo - as
pessoas que, mesmo sem conhecer a Bíblia -
viviam a luta pela justiça!
É impossível, no nosso mundo de exclusão, fugir
da questão da justiça. A Conferência de Santo
Domingo, seguindo as de Medellin e Puebla, já
perguntou como era possível que as piores
injustiças do mundo se dão exatamente no
continente nosso, que se diz cristão! A
Conferência de Aparecida continua com essa
preocupação. Como é possível que nos países
oficialmente católicos há tantos rostos do
Cristo crucificado? Não é possível ser cristão
sem lutar em favor das pessoas com “rostos
desfigurados pela fome, rostos desiludidos pelas
promessas políticas, rostos humilhados de quem
vê desprezada a própria cultura, rostos
assustados pela violência cotidiana e
indiscriminada, rostos angustiados de menores,
rostos de mulheres ofendidas e humilhadas,
rostos cansados de migrantes sem um digno
acolhimento, rostos de idosos sem as mínimas
condições para uma vida digna” (João Paulo II,
Vita Consecrata nº 76).
Não devemos medir o nosso cristianismo e a
pujança da nossa fé pelos belos edifícios e
imponentes matrizes, nem pelas belas celebrações
e concentrações nas grandes ocasiões, por tão
válidas e até importantes que possam ser.
Meçamos a nossa fé, a nossa adesão ao Reino pelo
nosso empenho em prol dos empobrecidos, pelos
injustiçados, não nos limitando a uma ação
meramente assistencialista (por tão
imprescindível que tais ações sejam), mas também
nos engajando na luta pela mudança estrutural de
uma sociedade cujo projeto de vida - o
neo-liberalismo selvagem - nada mais é do que um
projeto de morte, e portanto anti-evangélico e
pecaminoso.
É mister unirmos as nossas forças às das pessoas
de boa vontade de todas as crenças e de nenhuma,
para que em parceria defendamos a vida ameaçada
na sociedade moderna. Aprendamos de Jesus neste
trecho - ele não permite que os seus
interlocutores fiquem olhando só para o que
acontecerá depois da morte, lá no além, mas
insiste que olhem para a vida cotidiana, com as
suas exigências em favor dos oprimidos. Ressoa
uma advertência para nós que somos
frequentadores das Igrejas, que conhecemos os
ensinamentos do Evangelho, e que talvez caiamos
na tentação de um certo elitismo religioso:
“Vejam: há últimos que serão primeiros, e
primeiros que serão últimos” (v. 30). Ser
primeiro ou último, acolhido ou afastado,
depende em primeiro lugar do nosso empenho pela
justiça!
VIGÉSIMO SEGUNDO DOMINGO COMUM (29.08.10)
Lucas 14, 1.7-14
“Quem se eleva será humilhado e quem, se humilha
será elevado”
O relato de hoje se situa no contexto de uma
refeição na casa de um chefe dos fariseus, que
permanece no anonimato. Lucas tem o cuidado de
sublinhar que o evento aconteceu em dia de
sábado, e que os fariseus estavam observando
Jesus para tentar pegá-lo em algum erro. Então,
embora se trate de uma refeição, não era uma
confraternização, mas muito antes um confronto.
Jesus aproveitou a oportunidade para nos deixar
o seu ensinamento sobre dois assuntos
importantes para a vida dos discípulos: a opção
entre a humildade e o orgulho, e a gratuidade.
Como bom pedagogo, Jesus observa a vida ao seu
redor, e a usa para ensinar algo sobre Deus. Os
fariseus eram muito bem vistos no meio do povo
simples. É um erro nosso pensar que a palavra
“fariseu” seja sinônima cm “hipócrita”. Talvez
essa ideia venha do Capítulo 23 de Mateus, que
reflete a situação de antagonismo entre eles e
os discípulos de Jesus no tempo do escrito -
pelo ano 85 d.C. - mais do que do Jesus. Os
fariseus eram exímios observadores da Lei, mas
muitas vezes caíam no perigo de sentir-se
superiores às massas que não podiam ou não
conseguiam viver a Lei em seus pormenores.
Confiando na sua observância como garantia de
salvação, na prática dispensaram a gratuidade de
Deus.
Vendo como os convidados buscaram os primeiros
lugares na refeição, Jesus nos dá a lição sobre
buscar os últimos lugares na festa de
casamento.À primeira vista, parece que Jesus
está nos ensinando a ser falsos, hipócritas;
mas, a verdade é outra. O banquete desta
história simboliza a nossa vida. Diante da vida,
podemos optar - buscar uma vida de prestígio,
aos olhos do mundo, com todos os privilégios que
isso acarreta, ou buscar o serviço aos irmãos, -
nos “humilhando”, pois quem servia era
considerado menor do que quem era servido (como
geralmente ainda hoje é!). De novo Jesus nos
coloca diante do seu próprio exemplo - ele que
veio “não para ser servido, mas para servir, e
dar a sua vida em favor de muitos” (Mc 10, 46).
E como é atual este ensinamento! O nosso mundo é
um mundo classista, onde “quem pode mais, chora
menos”, até nas Igrejas - como gostamos de
títulos, honras, prestígio! Em vão buscaremos
nos Evangelhos títulos de honra como “Eminência,
Santidade, Reverendo, “Reverendíssimo”! Sem que
notássemos, o mundo entrou nas nossas
comunidades com as suas falsas categorias!!
O centro da questão está em versículo 11: “de
fato, quem se eleva será humilhado, e quem se
humilha, será elevado”. Não é uma recomendação
sádica para que procuremos ser humilhados, como
muitas vezes se pregava na formação da Vida
Religiosa e na espiritualidade, antigamente.
Pelo contrário, é uma orientação para que não
ponhamos o nosso valor nos títulos e honrarias
vãs que a sociedade tanto aprecia, mas no
serviço humilde aos irmãos, unindo-nos à luta
pelos oprimidos, que são humilhados pela
sociedade de consumismo e opulência.
Ato contínuo, Jesus nos orienta sobre a
gratuidade. Recomendando ao fariseu que ele não
convide os que possam retribuir com outros
convites, ele nos põe diante do exemplo do
próprio Deus, que é gratuidade absoluta.
Novamente os marginalizados servem como exemplo
para o exercício de gratuidade. Temos muitas
indicações na literatura daquele tempo que tanto
a sociedade judaica como a greco-romana
rejeitava este pessoal sofrido. Um documento dos
Essênios de Qumrã elenca as categorias que serão
proibidas de entrar no banquete escatológico:
“os que têm problema na pele, com as mãos ou os
pés esmagados, os aleijados, os cegos, os
surdos, os mudos; os que têm defeito na vista ou
que sofrem de senilidade”. A lista lucana
adiciona a categoria “os pobres”. Sabemos que na
literatura judaica “os pobres” era muitas vezes
a designação usada para Israel e especialmente
para os eleitos dentro de Israel. Então Lucas
está usando de ironia - mostrando que os
verdadeiros eleitos não são os que a sociedade
assim considera, mas os realmente pobres,
marginalizados e sofredores!
O discípulo, “convidando-os”, ou seja,
relacionando-se com eles como igual para igual,
não receberá deles a retribuição. Eles não terão
com o que retribuir, e assim seremos como Deus,
que nos ama sem esperar algo em retorno. Assim
estaremos colocando a nossa confiança na
gratuidade de Deus, e não agindo de um modo
calculista, como tanto se prega hoje: “é dando
que se recebe”, como dizem os politiqueiros
cínicos, como também alguns pregadores cristãos,
interessados no acúmulo de dinheiro.
A imagem do banquete é simplesmente um símbolo.
A história nos desafia para que examinemos as
nossas motivações mais profundas, para que
busquemos o serviço aos irmãos, e para que
aprendamos de Deus, que é o Amor Gratuito por
excelência.
Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
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