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MEU PAI, O AVIÃO E OS ANJOS
Meu pai gostava de contar histórias engraçadas
quando estava com os amigos e colegas,
demonstrando, com palavras espirituosas e riso
fácil, como ele apreciava fazer brincadeiras, em
diversas situações. Muitos desses casos eram
relatos fiéis de episódios e acontecimentos
reais. Na infância, já adolescente ou como
adulto, não perdia uma ocasião de pregar uma
peça inocente, uma armadilha qualquer... Até um
comentário jocoso sobre alguém e suas reações
inesperadas, uma conclusão humorística, ou
mesmo, um pensamento similar à moral das
fábulas. Não esquecia uma travessura cometida
ainda na infância, durante a Missa dominical em
Caruaru, quando prendeu, com alfinetes de
segurança, as saias amplas e rodadas, umas às
outras, de várias senhoras, que repetiam,
entretidas e contritas, em voz alta, as orações
litúrgicas.
Em algumas ocasiões, lembrava circunstâncias
difíceis, ainda que rotineiras, nos vôos do CAN,
o Correio Aéreo Nacional, para atender às
populações mais carentes, em tantos rincões
brasileiros, ou nos desafios para realizar com
eficiência os trabalhos de fotogrametria, ou
especialmente, nas missões de busca e
salvamento, quando o resgate exigia controle e
sangue frio, paciência e habilidade
excepcionais.
Não faltavam, também, as experiências na
Patrulha do Atlântico, quando serviu em Natal
(RN), durante a Segunda Guerra Mundial. E as
lembranças internacionais, nos muitos vôos do
Correio Suez, uma operação de apoio regular ao
contingente brasileiro em missão de paz da ONU,
com escalas em Lisboa, Roma e na capital
egípcia, Cairo.
Nas viagens com os aviões B-17 e B-25 em que iam
aos EUA para revisão e substituição de algumas
peças, os pilotos americanos comentavam,
surpresos e manifestando admiração, ao verem
esses bombardeiros ainda sendo utilizados,
graças à competência daqueles pilotos da FAB:
"Aqui, esses aviões são peças de exibição nos
museus..."
Sobre acidentes com desfecho trágico, falava
pouco, mas sempre, bastante comovido. Sobre a
perda de vidas, ele parecia incapaz de
comentar...dizia o mínimo...e se refugiava no
silêncio. A morte lhe parecia, com certeza, uma
realidade para silenciar. Posteriormente, à
medida que o tempo passava, manifestava, com
referências breves, a saudade do colega de
profissão, ou do amigo que se fora, relembrando
um fato, destacando uma característica pessoal.
Em minutos, logo silenciava, como se não
conseguisse mais continuar...começava outro
assunto.
Meus irmãos e eu, desde crianças, fomos
instruídos por nossa mãe a não falar de temas
trágicos, nem dizer a palavra "bruxa" lá em
casa, porque significava "morte", na linguagem
metafórica dos aviadores. Deveríamos escolher
outro antônimo para "fada" ou feiticeira do bem,
porque, conforme explicava, "seu pai não gosta,
se sente mal."
Mamãe contava sobre como os dois se conheceram:
no Rio de Janeiro, na Missa das 9 horas, num
domingo. Ela costumava ir acompanhada de uma
jovem empregada. Ele, com as irmãs...na verdade,
eram suas primas, porque, ao ficar órfão de mãe
aos cinco anos, quando a tia-madrinha se casou,
ela e o marido o levaram consigo, para educá-lo
na família que estavam iniciando. Aos dois, a
quem também iríamos chamar de "avós", meu pai
deveu a educação do seu caráter bem formado: os
valores e a disciplina como rotina de sua
existência, o uso responsável do dinheiro, o
cumprimento da palavra empenhada.
Para mamãe e papai, a fé religiosa se mostrou
vigorosa, praticada de forma habitual, em todos
os momentos, nos sete dias da semana. Suas
atitudes, seus gestos e diálogos, revelavam
sentimentos sinceros sobre o amor a Deus, a
devoção a Nossa Senhora, aos Anjos e Santos.
Um dia, como eu costumava prestar atenção às
conversas descontraídas, plenas de humor que meu
pai liderava, como um maestro conduzindo o tom
dos diálogos, acontecessem em nossa casa ou nas
reuniões sociais em outros lugares, me comovi ao
saber que, pilotando um avião de grande porte e
fazendo uma linha do Correio Aéreo Nacional,
houve um incidente grave durante a aterrissagem,
por conseguinte, nos instantes e na fase do vôo
que aprendi serem os mais perigosos.
Expressando a maior naturalidade, ele recordou
que, naquela aeronave com carga total, ao pousar
na pista um tanto precária, um dos enormes pneus
estourou. Papai sentiu muita dificuldade para
controlar o avião, com tanto peso, já
experimentando uma sensação de impotência como
piloto, quando um segundo pneu estourou. Por
segundos, pensou ter uma missão
impossível...quando, para sua surpresa, sentiu
uma força superior a ele, sustentando, mantendo
o equilíbrio de toda a aeronave...Nesse ponto,
papai finalizou com simplicidade: "- Se foi
Deus, ou foram os Anjos, não sei ao certo. Mas
não fui eu que dominei e controlei aquele avião
com dois pneus furados! Quando todos
desembarcaram, fui olhar... e achei difícil de
acreditar no que meus olhos viam: ao examinar
cada pneu, encontrei somente alguns poucos,
pequenos pedaços de borracha. Não pudemos
continuar viagem; restou-nos esperar, sem opção,
a chegada de outro vôo, com os pneus
substitutos."
Após um momento de silêncio, numa aceitação
tácita do relato pelo grupo de ouvintes, pois
pareciam atentos e, se não interpretavam da
mesma forma que meu pai, escolheram a ele não
retrucar...a conversa continuou, os diálogos se
sucederam, provavelmente tão convencionais como
de hábito, por isso nada mais registrei na minha
memória.
Mas foi com aquele episódio que fortaleci a
minha crença nos Anjos. Porque compreendi,
também, quão profundamente o meu pai, à sua
maneira, conduzia sua vida com fé em Deus...e
realmente acreditava nos Anjos e Santos. Assim
comecei a crer com maior intensidade nos
milagres, como fatos extraordinários que não
podem ser explicados por critérios e realidades
humanas, e sim, como acontecimentos unicamente
explicáveis pela intervenção divina, sendo os
Anjos os Seus mensageiros. Quando tudo parece
perdido, eles vêm em nosso auxílio...acontecendo
os milagres, por incumbência de Deus!
Com aquela narrativa de papai, compreendi, de
uma vez por todas, numa atitude espiritual de
crença definitiva, que eu tinha a meu lado -
sempre -, assim como todas as pessoas, o meu
Anjo da Guarda... invisível e silencioso apenas
em termos humanos e concretos, porque vivo e
atuante, como divino mensageiro capaz de
realizar proezas e façanhas para me defender e
salvar.
Theresa Catharina de Góes Campos
São Paulo, 7 de julho de 2010
NOTAS:
Demorei a escrever sobre o assunto principal
desse texto porque fomos educados por Mamãe e
Papai a respeitarmos as conversas dos adultos,
orientados a não ouvir o que não deveríamos, nem
participarmos desses diálogos, a não ser que um
adulto nos chamasse ou nos fizesse uma
indagação. Penso que ambos não gostariam de
saber sobre esse meu ato de desobediência...e
com a agravante de relatar a outros, divulgando
sem autorização, o que poderiam questionar,
talvez até me convencendo a duvidar de minha
memória. Tenho convicção, arraigada no íntimo,
de que reproduzi com fidelidade aos fatos e às
palavras, porque cultivei tais lembranças,
conservando todas como preciosas recordações,
autêntico tesouro de nossa vida familiar.
Mas talvez a maior razão para não registrar esse
acontecimento de profunda dimensão espiritual,
antes da morte de Papai (2000) e Mamãe (2008),
tenha sido meu temor de receber um eventual
pedido, de um deles ou de ambos, motivados por
um sentimento educado de pudor, para eu não
fazer esse relato íntimo sobre meu pai, uma
declaração de sua fé, que considero tão
comovente e simples quanto verdadeira.
Theresa Catharina
P.S.
Anos depois, li com muito encantamento,
confirmando e reforçando minha profunda fé, o
livro do pastor evangélico Billy Graham,
intitulado "Anjos: Agentes Secretos de Deus",
que vendeu mais de um milhão de exemplares nos
EUA.
A obra narra as experiências do famoso pregador,
com os seres celestiais. Convencido de que nos
momentos de grande necessidade foi auxiliado
pelos anjos, afirma: A falange invisível de Deus
está mais bem organizada do que qualquer
exército humano, ou de seres malignos. Os anjos
pensam, sentem, têm vontade e manifestam
emoções. Eles são agentes divinos que podem agir
com formas visíveis ou invisíveis, de acordo com
a vontade do nosso Criador. Os anjos guiam,
confortam e ajudam os filhos de Deus diante do
sofrimento e das lutas terrenas.
Editora: Record
Autor: BILLY GRAHAM
ISBN: 8501011231
Origem: Nacional
Ano: s.d.
Edição: 1
Número de páginas: 135
Uma leitura sobre acontecimentos
extraordinários, que vai ampliar nossa visão
para a realidade deste mundo... porque abrirá os
olhos de nossa alma, sob a perspectiva da
espiritualidade, uma força que não deve ser
ignorada.
Theresa Catharina
São Paulo, 28 de julho de 2010
De: VICTORIA
ELIZABETH BARROS
Data: 28 de julho de 2010 23:20
Querida irmã Therezita:
Fiquei bastante emocionada ao ler essa bela e
singela história sobre o nosso querido pai
aviador , contando detalhes que eu, como filha
mais moça, não tinha guardado nas minhas
recordações de infância, mas tudo isso nos faz
bem relembrar e tornar mais presente no nosso
dia a dia nossos entes queridos que já partiram
e deixaram saudades...
Ainda bem que temos na família uma escritora,
com boa memória e que pode deixar registrados
esses belos exemplos para as futuras gerações,
um verdadeiro testemunho de fé , coragem e
humildade.
Victoria
De: Theresa Catharina de Goes Campos
Data: 7 de julho de 2016
Para: REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
Estimado Reynaldo:
Na data do aniversário natalício de papai,
agradeço a generosidade de seu encaminhamento,
ao repassar o texto em que relembro a fé
(simples e vigorosa) demonstrada por ele em
muitos episódios de sua vida, pessoal e
profissional, como Oficial-Aviador da FAB (a
primeira turma de Oficiais-Aviadores do
recém-criado Ministério da Aeronáutica).
Abraços cordiais da amiga
Theresa Catharina
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De: Reynaldo Ferreira
Data: 7 de julho de 2016
Repassando o belo texto da jornalista Theresa
Catharina: MEU PAI, O AVIÃO E OS ANJOS
De: Milza Guidi
Data: 7 de julho de 2016
Que lindo, Theresa. Parabéns pelo delicioso e
comovente texto!
Beijos,
Milza Guidi
De: Joao Vianey de Farias
Data: 8 de julho de 2016
Theresa,
Compartilho o comentário recebido de Armando
(meu amigo de adolescência, hoje residente em
Mossoró/RN, onde é Promotor de Justiça. Um
cidadão muito inteligente e culto.
Um abraço fraterno,
João Vianey de Farias ---------------
De: pjarmando
Data: 8 de julho de 2016
Amigo:
a bela história narrada, que você me envia, é
imensamente educativa, do ponto de vista
espiritual, independentemente da religião -
algumas dizem anjos da guarda; outra, espíritos
guardiões ou protetores - acredito que eles são
o longo braço do Deus-Pai Criador, que zela por
suas criaturas, tanto mais acreditemos e
confiemos nele.
Grato pela mensagem.
Armando
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De: Theresa Catharina de Goes Campos
Data: 8 de julho de 2016
Estimado João Vianey de Farias:
A você e a seu amigo Dr. Armando, Promotor de
Justiça, sinto-me grata pela acolhida generosa a
meu texto. De fato, penso que não devemos
esquecer a proteção dos Mensageiros Divinos em
nossa vida, principalmente nos momentos de
perigo. Em uma sociedade contemporânea que não
se envergonha de valorizar o materialismo
egoísta, sinto-me feliz por encontrar pessoas
capazes de apreciar uma crônica que homenageia a
presença dos Anjos na vida preciosa de meu
dedicado pai.
Abraços cordiais de
Theresa Catharina
De: João Vianey de Farias
Enviada: Quarta-feira, 6 de Julho de 2016
Trata-se de um texto de amiga escritora que
reside em Brasília e sempre compartilha conosco
escritos belíssimos. Considerei esse muito
interessante e compartilho com vocês....
Um abraço fraterno,
João Vianey de Farias
De: Agnes Marta Pimentel Altmann
Data: 9 de julho de 2016
Estimada Catharina:
Felicitações. Dos nossos pais, por terem sido
homens que serviram ao Brasil com integridade e
honestidade, podemos manter lembranças eternas.
Abraços,
Agnes
De: Elizabeth Barros
Data: 27 de agosto de 2016
Lindo, Tia, gostei muito de ler este texto da
senhora sobre o vovô.
O Vovô era uma pessoa memorável e bastante
especial. Está sempre em meus pensamentos e
lembranças !
Beijos de sua sobrinha,
Elizabeth
De: Elizabeth Barros
Data: 25 de novembro de 2016
Lindo texto, tia, parabéns! Sempre que posso,
releio. É muito especial.
Um beijo da sobrinha Elizabeth |
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