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De: Tereza Lúcia Halliday
Data: 30 de agosto de 2010 19:26
POLÍTICOS NA POLÍTICA
Tereza Halliday – Artesã de
Textos
Muito cuidado com os comentários
diante de filhos, sobrinhos ou netos pequenos –
o ponto de vista contido nas palavras pode ficar
para o resto da vida. Cresci ouvindo meu pai
dizer, a cada eleição: “Em política, só
existem dois grupos: os que estão comendo
e os que querem comer”. Mestre Alberto Dines
manda acrescentar: “com as sempre honrosas
exceções”, toda vez que expressarmos opiniões
generalizantes.
Na adolescência, impressionou-me
outra sentença, pronunciada rindo, por um líder
estudantil primo do governador de então: “A
coisa melhor do mundo é ser governo”. Ele
sabia das coisas. Justiça seja feita:
governantes têm horários de trabalho dilatados e
envelhecem a olhos vistos em quatro anos, mas é
o mínimo de custo a arcar pelo “bem bom” de ser
governo. Precisam mostrar serviço, costurar
alianças, fazer alguma coisa útil à coletividade
a fim de legitimar as imensas vantagens do
exercício do poder em cargo eleito. Vantagens
nas quais pegam caronas todos os fiéis
escudeiros...
Adulta, o comentário de meu pai
traduziu-se nesta atitude: foi governo, eu
desconfio, mesmo aquele que eu ajudei a eleger,
pois quem está no governo, sempre pode
“aprontar”. Foi oposição, fico com o pé atrás,
porque é próprio dela posar de virtuosa e futura
operadora de mudanças - maneira legítima de
passar para o grupo dos que estão comendo os
benefícios do poder. O “agora é minha vez” faz
parte do jogo político e dos esportes. Ora um
time ganha, ora outro. Isto evita
ressentimentos, invejas e perpetuação de erros e
privilégios. Eça de Queiroz assim o explicou: “Políticos
e fraldas devem ser mudados com freqüência...
pelo mesmo motivo”.
Quando estudei
análise de discurso, li esta assertiva
penetrante, sem guardar o nome do autor: “A
política é a arte de convencer os ricos de que
vai protegê-los dos pobres e convencer os pobres
de que vai defendê-los dos ricos”. Candidato
novo invoca a esperança nas transformações
propostas. Candidato antigo invoca a segurança
do já conhecido e conseguido. Para se tornar
governo, a oposição afirma a necessidade de
mudar o que, hoje, é carente de melhora. Para
continuar governo, a situação mostra sua folha
de serviços e invoca a esperança na continuação
das melhoras. Independentemente de partido, os
candidatos se propõem a lutar para preencher as
necessidades insatisfeitas dos que não têm e
aliviar o medo dos que têm, de perder o que
conseguiram. Chequem no livrinho O que é
Retórica – Editora Brasiliense, Coleção
Primeiros Passos.
Tenho respeito pelo processo
eleitoral porque precisamos sustentar Dona
Democracia. Mesmo destrambelhada, ela é
muitíssimo melhor do que Dona Ditadura. Anular
voto? Nem pensar! Escolha e cobre! Mas, quando
vejo o vai-e-vem dos políticos se atacando ou se
abraçando por manter um lugar ao sol, ou
conseguir um à sombra, com a água fresca dos
privilégios, digo para mim mesma: pois não é que
meu velho tinha razão? (Diário de Pernambuco,
30/08/2010, p.A-7)
Tereza
Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de
Textos
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