UM DOCE OLHAR
Usando
apenas os sons da natureza e uma
fotografia captada com grande esmero
técnico e sensibilidade, o cineasta
turco Semih Kaplanoglu realiza, em
Um Doce Olhar, não só um
poema de conotação panteísta, mas
também um comovente drama sobre o
relacionamento de pai e filho. Para
surpresa de muitos, pois sua
temática não é política, o filme foi
o ganhador do Leão de Ouro do
Festival de Berlim deste ano,
concorrendo com, entre outros, O
Escritor Fantasma, de Roman
Polanski.
A
película, que se intitula em turco
Bal ( Mel), completa a
trilogia autobiográfica iniciada por
Kaplanoglu, em 2007, com Süt
(Leite) e que teve prosseguimento,
em 2009, com Yumurta (Ovo). O
primeiro enfoca acontecimentos na
vida do protagonista Yusuf na fase
dos quarenta anos, o segundo, na
faixa dos vinte – ambos inéditos no
Brasil -, e esse terceiro, quando
criança (Bora Altas), aos seis anos,
aluno de uma escola primária, onde
aprende a ler e a escrever.
Desde o
prólogo, quando a câmara de Bans
Õzbiçer focaliza o aparecimento de
Yakup (Erdal Besikçioglu), um
apicultor, no meio da floresta,
delimitando o espaço cênico
dramático, tem-se como evidente um
estilo original de narrativa. A
característica é a do apuro na
composição de planos e de
planos-sequência, o que torna, sem
dúvida, o ritmo mais lento devido ao
contínuo registro dos detalhes. Em
Berlim, o próprio Kaplanoglu
qualificou essa sua maneira de fazer
cinema de spiritual language (linguagem
espiritual), o que a define,
penso eu, muito bem.
Assim,
após os créditos iniciais, vai-se
ter conhecimento da intimidade do
lar de Yakup, constituído por ele, a
mulher Zehra (Tülin Özen) e Yusuf.
Eles moram numa pobre, mas limpa
choupana, no meio das montanhas, na
região litorânea do Mar Negro. Com
dificuldade, Yusuf lê, em voz alta,
para os pais, as indicações do
calendário sobre o dia que se
inicia. A mãe, silenciosa, lhe dá um
copo de leite, que ele rejeita. Vê,
em seguida, o pai tomando o leite
por ele. E recebe uma parte da maçã,
que o pai depois lhe oferece. Yusuf
quer contar o que sonhara na noite
anterior, mas o pai o repreende,
dizendo-lhe que não o fizesse: -
Os nossos sonhos não devem ser
revelados!... Ele autoriza então
que Yusuf lhe narre o sonho,
sussurrando ao seu ouvido.
No dia
seguinte, por uma trilha que
caracola por entre as montanhas, pai
e filho seguem à procura de colmeias.
Há árvores de grande porte que
parecem perfurar o céu azul quase
sem nuvens. É durante essa incursão
que se vai tomar ciência de que
Yakup, que se perde sozinho pelas
florestas, ficando ausente de casa
por dois ou três dias, é epiléptico.
Dessa feita, ele, ao sofrer o
acesso, é atendido pelo filho, que
apanha água num regato para lhe
banhar o rosto. É possível que a
preocupação pelas ausências
demoradas e constantes do pai tenha
influência para que Yusuf não mostre
bom desempenho na escola, onde deixa
de apresentar os deveres de casa
prontos e gagueja durante as
leituras, o que o faz sofrer por
isso.
O
argumento tem assim elementos
bastante coincidentes com os de
alguns filmes iranianos e romenos,
vistos ultimamente. O diferencial
seria o sentido de harmonia que
Kaplanoglu procura destacar do ser
humano com o meio ambiente em que
vive. É como se ele dissesse que os
que estão em contato permanente com
a natureza são limpos, têm a alma
pura e são mais solidários entre si,
como ressalta no momento da dança
turca. Há também um toque de
religiosidade que autoriza a se
fazer a aproximação da família de
Yakup com a do carpinteiro José, do
Novo Testamento. Zehra, por exemplo,
que trabalha numa plantação de mate,
é vista quase sempre como se fora
uma Madona. E, numa das cenas mais
bonitas, Yusuf , como se fora dotado
de poderes divinos (ou da força da
esperança), brinca com a imagem da
lua cheia refletida num balde d´água.
Os três atores estão esplêndidos.
Mas é inegável que o garoto Bora
Altas, de oito anos, como Yusuf, é o
astro que mais brilha. A cena final,
em que Yusuf se abriga junto ao
tronco de uma poderosa árvore é,
graças a ele, inesquecível.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA
TÉCNICA
UM
DOCE OLHAR
BAL
Turquia/Alemanha/
2010
Duração – 103
minutos
Direção – Semih
Kaplanoglu
Roteiro – Semih
Kapanoglu e Orçun
Köksal
Produção – Semih
Kapanoglu
Fotografia – Bans
Özbiçer
Edição – Semih
Kapanoglu, Suzan
Hande e Ayhan
Ergursel
Elenco – Erdal
Besikçioglu (Yakup),
Tülin Özen (Zehra) e
Bora Altas (Yusuf).
Theresa Catharina,
Penso que o
comentário de
Reynaldo, que você
gentilmente me
remeteu, reflete a
opinião unânime dos
que tiveram o
privilégio de
assistir ao filme.
Ressalto , no
entanto, algumas
características
mencionadas pelo
crítico e amigo que
o grande público não
observa nem delas
tem conhecimento e
que fazem a
diferença: as
referências à
trilogia, ao espaço,
aos planos, por
exemplo.
A escassez de bons
filmes, nos cinemas
de Brasília, tem
sido a responsável
pelo não-encontro
casual dos amigos
nos cafezinhos .
Sinto falta do
convívio e da troca
de ideias. (...)
Sua amiga,
Ana
Setembro/2010
Cara amiga Ana:
Com referência aos
comentários do
Reynaldo sobre Um
Doce Olhar, você tem
toda a razão.
Trata-se de um
texto-poema repleto
de informações e
observações
sensíveis, com
fundamentação
técnica. Aliás, uma
constante nos
artigos de sua
autoria, e por isso
a ele agradeço
repetidas vezes a
colaboração generosa
a meus sites.
Abraços carinhosos,
com a estima de
sempre.
Theresa Catharina