O
TRASTE E A
DESGRAÇADA
Tereza Halliday
– Artesão de
Textos
Estão separados
há mais de 10
anos e ela ainda
o chama “o
Traste”. No
dicionário e em
seu coração, a
palavra é
sinônimo de
imprestável, sem
valor, pessoa de
mau caráter. Ele
jamais deu um
desfalque,
continua
estimado pelos
irmãos dela e
pai assumido.
Um dia se
apaixonou por
outra mulher e
queria ficar com
as duas. A
primeira rodou a
baiana e deu o
surrado
ultimatum
regulamentar:
“Ou ela, ou
eu!”. Ele optou
pela “piranha”,
termo até hoje
usado pela
ex-mulher do
Traste para
designar sua
segunda esposa.
O
Traste foi
aquele bom rapaz
por quem a
primeira se
encantou, varou
mundos e fundos
para ficar com
ele. É o pai dos
seus filhos. Com
ele transou, fez
os filhos,
educou-os, teve
bons momentos e
desavenças, como
todo casal. Mas,
a separação
transformou-o de
príncipe em
sapo, de marido
trabalhador e
pai cordão, em
simplesmente
Traste. Na
verdade, ela
nunca se separou
dele. Carrega o
Traste dentro de
si, conservado
no formol do
ressentimento –
aquele veneno
que a gente toma
e espera que o
outro morra.
O ex-marido da
Desgraçada, um
dia, achou-a
cheia de graça,
teve filhos com
ela, costumava
apresentá-la a
Deus e ao mundo
como “minha
mulher e
companheira”.
Quando ela
disse que não
dava mais,
queria seguir
seu próprio
caminho, ele não
acreditou. Só
podia haver
outro homem na
jogada. Não
havia. Era
questão de
crescimentos
diferentes. E
sentimentos que
já não
convergiam.
Mas, para ele,
ia tudo bem. Por
que arruinar a
família? Acusada
de provocar tal
ruína, ela se
tornou “a
desgraçada”.
Tanto a ex- do
Traste, quanto o
ex- da
Desgraçada
praticaram uma
das maiores
sacanagens que
se pode cometer
contra um filho:
o crime da
alienação
parental.
Disseram cobras
e lagartos do
ex-parceiro(a),
ou sabotaram
sutilmente a
relação entre as
crianças e o
outro genitor.
Se os
ex-parceiros são
mesmo
abomináveis, se
têm algum
defeito
realmente grave,
um dia, quando
os filhos se
entenderem de
gente e
entenderem de
gente, vão
perceber. Não
precisa
demonizar nem
demolir a figura
do outro
genitor, pois
não existe
ex-pai nem
ex-mãe. Existem,
sim,
ex-parceiros
mesquinhos,
covardes, ou
patológicos o
bastante para
envenenar a
relação entre um
pai ou mãe e
seus filhos e
fazer estragos
emocionais nos
jovens pelo
resto da vida.
Mas há também as
boas almas que
só semeiam bem
querer, mesmo
nas separações.
São de paz,
entendem de
perdão e
transcendência.
Como o caso de
um conhecido meu
em cuja missa de
sétimo dia
estavam a viúva
e as duas
ex-mulheres,
todas três
chorosas, a
recordar os bons
anos vividos com
ele. Ou de uma
amiga que, ao
casar-se pela
terceira vez, à
festa
compareceram os
dois ex-maridos.
Ela jamais os
chamaria de
trastes. Nem
eles a
apelidariam de
desgraçada. Com
decência e bom
senso, incluem
no amor aos
filhos, a paz
com os
ex-parceiros. Bem-aventurados
os mansos e
mansas porque
não estragam,
com palavras
acres, a
própria alma, a
dos filhos e o
ar que
respiramos.
(Diário de
Pernambuco,
13/09/2010,
p;A-C-5)
Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos
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