|
|
|
|
Reflexões Homiléticas para Janeiro de 2011
Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
- - -
FESTA DA EPIFANIA DO SENHOR (02.01.11)
Mt 2, 1-12
“Ajoelharam-se diante dele e lhe prestaram
homenagem”
Hoje celebramos uma das grandes festas do Ciclo
de Natal - a Manifestação do Senhor (“Epifania”
em grego), onde comemoramos o fato de que Jesus
foi manifestado não somente ao seu próprio povo,
mas a todos os povos, representados pelos Magos
do Oriente. Além da sua grande popularidade
folclórica, a festa celebra uma grande verdade
da fé - que a salvação em Jesus é destinada a
todos os povos, sem distinção de raça, cor ou
religião. Retomando a grande intuição do profeta
Isaías, celebramos hoje a salvação universal em
Jesus.
O texto de hoje é altamente simbólico - usa uma
técnica da literatura judaica chamada “midrash”,
ou seja, uma releitura de passagens bíblicas,
com o intuito de atualizá-las. Assim, Mateus
quer ensinar algo sobre Jesus, usando figuras e
símbolos tirados de diversos textos do Antigo
Testamento. Por exemplo:
Vêm os magos (nem três, nem reis, segundo o
texto!) buscando o Rei dos Judeus. Esses magos
nos lembram dos magos que enfrentavam e foram
derrotados por Moisés (Êx 7, 11.22; 8, 3.14-15;
9,11) e acabaram reconhecendo o poder de Deus
nas maravilhas feitas por Ele.
A estrela é sinal da vinda do Messias, prevista
na profecia de Balaão (Nm 24, 17).
O menino nasce em Belém, segundo a profecia de
Miquéias (Mq 5, 1).
Os presentes lembram as profecias de Isaías
sobre os estrangeiros que viriam a Jerusalém
trazendo presentes para Deus (Is 49, 23; 60,5;
também Sl 72, 10-11).
Herodes é o novo Faraó, que também massacra os
filhos do povo de Deus (Êx 1, 8.16).
O texto chama a atenção pelas reações diferentes
diante do acontecido. Os que deveriam reconhecer
o Messias - pois são versados nas escrituras -
ficam alarmados, pois para eles, opressores do
povo através do abuso da religião e da política,
Jesus e a sua mensagem constituem uma ameaça.
Outros, pagãos do oriente, buscando sem ter
certeza, arriscam muito para descobrir o
verdadeiro Deus, e entregam-lhe presentes,
sinais da partilha que será característica do
Reino que Jesus veio pregar.
Hoje em dia, verificam-se as mesmas reações
diante de Jesus e do seu Evangelho. Muitos
querem reduzir os eventos religiosos a algo
folclórico com shows e cantos, mas que de forma
alguma deve questionar a nossa sociedade e os
seus valores. Para outros, o menino na
estrebaria é um sinal do novo projeto de Deus, o
mundo fraterno, onde todos as pessoas de boa
vontade têm que se unir, seja qual for a sua
raça, nação, gênero ou religião, para construir
a fraternidade que Deus quer.
Jesus não precisa de presentes, mas sim do nosso
esforço na vivência do seu Reino. Não paremos
numa explicação sentimental dos eventos das
narrativas da Infância de Jesus, mas procuremos
penetrar no seu sentido mais profundo. Pois, na
prática, temos que optar, ou pela a vivência
religiosa vazia, como a de Herodes e dos Sumos
Sacerdotes, ou pela mensagem libertadora do
Menino de Belém, que convoca a todos,
representados pelos magos, para a construção do
mundo de paz, fraternidade e justiça, pois Jesus
veio para que “todos tenham a vida e a tenham
plenamente.” (Jo 10, 10).
A festa de hoje é altamente missionária, pois é
a manifestação de Jesus às nações. É uma boa
oportunidade para retomarmos os apelos do
Documento de Aparecida, que conclama à uma
missão renovada, onde todos os cristãos saem dos
limites das suas comunidades de fé, para levar o
Evangelho especialmente aos mais afastados.
Temos muito a caminhar ainda, mas o início foi
feito, para que cheguemos a um Brasil não
somente de batizados, mas de
discípulos-missionários.
FESTA DO BATISMO DO SENHOR (09.01.11)
Mt 3, 13-17
“Este é o meu Filho amado, que muito me agrada”
Hoje, o Domingo depois da Epifania, celebra-se
tradicionalmente a Festa do Batismo do Senhor. O
batismo de Jesus por João Batista no Rio Jordão
é tão importante teologicamente que é tratado
por cada um dos quatro evangelistas, cada qual
da sua maneira, dependendo da situação da sua
comunidade e dos seus interesses teológicos. A
história logo se tornou um problema para os
primeiros cristãos, pois levantava a questão de
como Jesus, sem pecado, podia ter sido batizado
e, um ritual de purificação dos pecados. Por
isso, Mateus deixa fora a referência de Mc 1, 4
ao perdão dos pecados, a adiciona vv. 14 e 15.
Para João, o batismo era tão difícil de ser
harmonizado com a sua cristologia, que omite
qualquer referência ao atual evento, e no seu
lugar, faz com que João Batista indica Jesus
como o “Cordeiro de Deus” (Jo 1, 29-34).
O texto já nos apresenta o programa da vida e
missão de Jesus - a justiça do Reino. Em Mateus,
a palavra “justiça” designa a fidelidade nova e
radical à vontade de Deus. O significado disso
será mostrado ao longo do Evangelho. Também
Jesus, unindo-se aos pecadores, já está desde o
começo rejeitando a visão de um Messianismo
triunfante.
Os sinóticos (Mt, Mc e Lc) ressaltam o fato que
“o céu se abriu”. Marcos é mais contundente
ainda quando enfatiza que “os céus se rasgaram”.
É uma maneira simbólica de expressar que em
Jesus acontece a união definitiva entre o céu e
a terra (At 7, 56; 10, 11-16; Jo 1, 51) e uma
revelação celeste (Is 63, 19; Ez 1, 1; Ap 4, 1;
19, 11). A revelação maior é a confirmação da
identidade de Jesus como o Servo de Javé.
Mateus, escrevendo dentro de um ambiente de
polêmica com o judaísmo formativo do fim do
primeiro século, muda a tradição original (Mc 1,
9-11; Lc 3, 21-22), onde as palavras do Pai se
dirigiam a Jesus, para dirigi-las aos ouvintes
:“Este é o meu Filho muito amado, aquele que me
aprouve escolher” (v. 17). Estas palavras
associam a terminologia de Sl 2, 7, que repete a
profecia de Natã em 2Sm 7, 14 (tu és meu
filho...) a Is 42, 1 (meu bem amado que me
aprouve escolher). A passagem de Isaías
apresenta o Servo que não levanta a voz (42, 2),
nem vacila, nem é quebrantado (42, 4). (A
tradução grega da Septuaginta usou uma palavra
que podia expressar tanto o termo hebraico para
“filho” como para “servo”). Fazendo fusão desses
textos do Antigo Testamento, Mateus une em Jesus
duas figuras proféticas - a do Filho da
descendência real davídica e do Servo de Javé.
Assim, prevê que o messianismo de Jesus implica
a vocação do Servo Sofredor, e rejeita
pretensões messiânicas triunfalistas. Podemos
dizer que o Batismo é para Jesus o assumir
público da sua missão como Servo de Javé. A voz
do céu confirme a sua opção de vida. O Pai
confirma que Ele reconhece Jesus, desde o início
do seu ministério público, como seu Filho (Sl 2,
7), seu bem-amado, objeto da sua predileção.
Um dos sentidos mais importantes do nosso
batismo também é o nosso compromisso público com
a vontade do Pai. Todos nós podemos sentir a
veracidade da mesma frase usada pelo Pai diante
de Jesus - cada um de nós também é
verdadeiramente filho(a) do Pai celeste (1Jo 3,
1), a quem aprouve escolher-nos. Nada pode fazer
com que o Pai abandone esse amor incondicional e
gratuito - nem a nossa fraqueza, nem o pecado (Rm
8, 39). Importante é reconhecer que Deus nos
amou primeiro, incondicionalmente, e cabe a nós
responder a este amor gratuito por uma vida
digna de filhos e filhas do Pai, no seguimento
de Jesus (1Jo 4, 10-11). Jesus não achou
privilégio ser o amado do Pai, mas assumiu as
consequências - uma vida de fidelidade, que o
levava até a Cruz - e a Ressurreição! (Fl 2,
6-11). Celebrando essa festa litúrgica,
renovemos o compromisso do nosso batismo,
comprometendo-nos com o seguimento do Mestre, no
esforço de criação do mundo que Deus quer, um
mundo onde reinam o amor, a justiça e a
verdadeira paz. O nosso batismo confirma que
somos parceiros de Deus no ato permanente de
criação, fazendo crescer o Reino d’Ele, que “já
está no meio de nós” (Mc 1, 14).
SEGUNDO DOMINGO COMUM (16.01.11)
Jo 1, 29-34
“Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o
pecado do mundo”
O texto de hoje é tirado do Quarto Evangelho, o
da Comunidade do Discípulo Amado. Escrito muito
depois dos Sinóticos, o quarto evangelho tem
como uma das suas características o uso
abundante de símbolos, e uma cristologia
bastante diferente dos outros três evangelhos. O
texto de hoje situa-se no contexto de 1,19 -
2,12, onde, num cenário de sete dias, o autor
descreve os sete dias da nova criação, que se dá
em Jesus, fazendo paralelismo com o relato de
Gênesis.
Diante das dificuldades em explicar o sentido do
Batismo e Jesus, que comentamos semana passada,
João omite o evento, mas descreve a descida do
Espírito Santo sobre Jesus. Usando um símbolo
muito conhecido dos primeiros judeu-cristãos,
João Batista proclama Jesus como o “Cordeiro de
Deus, que tira o pecado do mundo”. O texto evoca
ecos de duas imagens do Antigo Testamento -
Jesus é o cordeiro pascal da páscoa cristã, que,
pela sua morte, acontecida no exato momento em
que os cordeiros pascais estavam sendo abatidos
no Templo (Jo 19, 14), salvou o mundo do pecado,
da mesma maneira que o sangue do cordeiro pascal
original salvou os israelitas do anjo destruidor
(Êx 12, 1-13). Em segundo lugar, Jesus é também
o Servo de Javé, descrito por Isaías, o Servo
Sofredor, que “brutalizado, não abre a boca;
como uma ovelha emudece diante dos tosquiadores;
...carregou o pecado das multidões e intercede
pelos transgressores” (Is 53, 7-12). João
Batista também proclama que Jesus existia antes
dele - um tema tipicamente joanino, o da
preexistência do Verbo.
Como o Batista batizava com água, Jesus batizará
com o Espírito Santo. Embora talvez o Batista se
referisse ao espírito purificador de Deus, de
que falavam os profetas como purificador dos
corações nos últimos dias (Is 4, 4; Ez 36, 25s;
Zc 12, 10; 13, 1;), o evangelista quer que o
leitor veja uma referência ao Espírito Santo,
dado por Jesus e pelo batismo cristão.
Diferente dos Sinóticos, em João não se fala de
uma voz celeste no momento do batismo.
Substituindo-a, o próprio Batista dá testemunho:
Jesus é o “Eleito” de Deus, sobre quem o
Espírito de Deus desceu e permaneceu! Aqui temos
mais uma referência ao Servo Sofredor de Isaías
(Is 42, 1). A ênfase sobre o fato que o Espírito
“permaneceu” sobre Jesus é peculiar ao Quarto
Evangelho. O autor quer ressaltar o
relacionamento permanente entre o Pai e o Filho,
e entre o Filho e os que n’Ele acreditam. Aqui,
o Espírito de Deus permanece com Jesus, que o
Evangelho vai mostrar ser aquele que o dispensa
aos que crêem (Jo 3, 5. 34; 7, 38-39; 20, 22).
Assim, logo no início do Quarto Evangelho, temos
toda uma cristologia, através do testemunho do
Batista referente a Jesus: Ele é aquele que
sempre existia, que morrerá como o Cordeiro
Pascal e como o Servo Sofredor, pelos pecados
das pessoas, para depois derramar o Espírito
Santo sobre o Novo Israel, a comunidade dos
discípulos.
O Quarto Evangelho, neste texto, faz do seu
jeito o que os Sínóticos fazem com os seus
relatos do Batismo de Jesus - proclama Ele como
o Eleito do Pai, o Servo de Javé, que manifesta
em sua vida a vontade do Pai e que, dando a sua
vida, dá a vida eterna para todos os que n’Ele
acreditam.
TERCEIRO DOMINGO COMUM (23.01.11)
Mt 4, 12-23
“Convertam-se, porque o Reino do Céu está
próximo”
O texto começa situando a pessoa e a missão de
Jesus no seu contexto concreto, histórica e
geograficamente. A mudança de Jesus para a
Galileia tem sido interpretada tanto como um
assumir corajoso da sua missão profética, diante
da prisão de João, como uma busca de maior
segurança. O verbo usado para “retirou-se” em v.
12 costuma ser usado por Mateus para indicar o
recuo diante de um perigo (2, 12.13.14.22;12,
15;14, 13;15, 21). Mas, o autor quer não somente
apontar o lugar geográfico da missão de Jesus,
mas também a sua natureza profética. Por isso,
cita, com grandes modificações, o texto de Is 8
23-9,1. Mateus condensa o texto da forma que só
sobram as referências geográficas, que apontam
para o Norte da Galileia e Transjordânia,
conquistadas pelos pagãos assírios em 734 a.C.
Ao passo que a maioria dos profetas e messias do
seu tempo se retiravam para o deserto (p. ex. os
Essênios de Qumrã e João, o Batista), ou agiram
na capital, Jerusalém, Jesus se retira para a
periferia, Galileia, cercada pelos gentios. A
esperança da salvação inicia-se exatamente em
uma região da qual nada se espera. No tempo de
Mateus, uma grande parte da população da
Galileia era gentia, ou seja, pagã. Por isso,
escolhendo este lugar como palco da sua missão,
o ministério de Jesus vai entrar em contato com
“todas as nações” (Mt 28, 19).
V. 17 inaugura solenemente a missão de Jesus, a
de anunciar a presença do Reino de Deus entre
nós. Esta é a mensagem central de Jesus, e junto
com a Ressurreição, formava a base e o objetivo
da esperança cristã. Usando a visão noturna de
Daniel (Dn 7, 13-14), o Reino representa a
salvação futura e definitiva de toda a
humanidade, socialmente, politicamente e
espiritualmente, através do exercício da
soberania de Deus, estabelecendo o "Shalom”, a
paz que vem pela justiça, na terra como no céu.
Como Mateus escreve para uma comunidade
basicamente de judeu-cristãos, ele obedece o
costume de não pronunciar o nome de Deus, e por
isso, usa a frase “Reino dos Céus” no sentido de
“Reino de Deus”. Infelizmente, esta convenção
nascida do respeito pela transcendência de Deus,
levou muitas pessoas a identificar,
erroneamente, o Reino como algo pertencente
somente ao céu, diluindo a sua força
transformadora.
O primeiro passo de Jesus é chamar um grupo de
discípulos, começando com os pescadores do Lago
de Genesaré. Jesus rompe com o costume rabínico,
pois ele mesmo chama os seus discípulos. Em
Mateus, Jesus muda a prática rabínica também em
outros pontos - os discípulos não serão meros
ouvintes do ensinamento do Mestre, mas
colaboradores na sua missão; as multidões também
seguirão Jesus, buscando n’Ele algo que não
encontravam nos mestres oficiais das sinagogas (Mt
4, 25; 8, 1; 12, 15; 14, 13 etc); em um segundo
momento, Jesus vai fazer uma crítica a este
seguimento, mostrando que segui-Lo vai muito
além do que os discípulos e as multidões tinham
imaginado - será tomar sobre si a sua cruz (16,
24).
É interessante observar os detalhes do
chamamento dos primeiros discípulos para serem
“pescadores de homens”, (“pescador” é uma das
duas principais imagens para o ministério no
Novo Testamento. A outra, a de pastor tem menor
conotação missionária) - dois estavam lançando
as redes e dois estavam consertando-as. Assim o
evangelho mostra a dinâmica da vida cristã - tem
hora para lançar redes (a ação missionária) e
hora para consertá-las (cuidar mais da vida
interna das pessoas e da comunidade). A rede
pode significar a comunidade dos discípulos. Com
o tempo, as redes dos pescadores se rompiam, por
causa dos detritos apanhados, e precisavam ser
consertadas, pois rede rompida não pega peixe. O
mesmo acontece com a vida cristã, tanto no nível
individual como comunitário - com o tempo
podemos romper as redes, enfraquecendo a nossa
missão. Consertar as redes simboliza o refazer
dos elos de união entre nós e Deus, e entre os
próprios irmãos e irmãs. Mas, como rede
consertada também não apanha peixe se não for
lançada, assim a comunidade cristã não pode
ficar voltada sobre si mesmo, em uma vida
somente interna; mas, esta vida forte de união
interna deve levar de volta à missão. As imagens
do chamamento nos advertem contra dois extremos
que distorcem o seguimento de Jesus - um
ativismo desenfreado, só voltado para fora, e
que descuida da vida interior das pessoas e das
comunidades, de um lado, e uma vida só voltada
para dentro, do outro, fazendo da experiência
espiritual algo intimista e individual, que não
leva à missão. Para o cristão, a missão brota da
intimidade com Jesus e leva a aprofundar esta
intimidade. A intimidade com Jesus leva de volta
à missão e é alimentada pela experiência da
missão. Todos os cristãos e cristãs são chamados
a serem “pescadores de homens”, colaboradores na
construção do Reino de Deus, que já está no meio
de nós.
QUARTO DOMINGO COMUM (30.01.11)
Mt 5, 1-12a
“Fiquem alegres e contentes, porque será grande
para vocês a recompensa nos céus”
Esses primeiros versículos doi Cap. 5 servem ao
mesmo tempo como introdução e resumo do Sermão
da Montanha. Nos apresentam um retrato das
qualidades do(a) verdadeiro(o) discípulo(a),
daquele e daquela que, no seguimento de Jesus,
procura viver os valores do Reino de Deus. Basta
uma leitura superficial para ver que a proposta
de Jesus está na contramão da proposta da
sociedade vigente - tanto a do tempo de Jesus,
como de hoje. Embora com uma linguagem menos
contundente do que Lucas (Lc 6, 20-26), o texto
de Mateus deixa claro que o seguimento de Jesus
exige uma mudança radical na nossa maneira de
pensar e viver.
Um primeiro elemento que chama a atenção é o
fato de que a primeira e a última
bem-aventurança estão com o verbo no presente -
o Reino já é dos pobres em espírito e dos
perseguidos por causa da justiça - na verdade,
as mesmas pessoas, pois os que buscam a justiça
são “pobres em espírito”. Eles já vivem a
dependência total de Deus, pois só com Ele esses
valores podem vigorar. Mas quem luta pela
justiça será perseguido - e quem não se empenha
nessa luta jamais poderá ser “pobre em
espírito”.
As outras bem-aventuranças traçam as
características de quem é pobre em espírito. É
aflito, por causa das injustiças e do sofrimento
dos outros, causados por uma sociedade
materialista e consumista. É manso, não no
sentido de passivo, mas porque não é movido pelo
ódio e violência que marcam a ganância e a
truculência dos que dominam, “amansando” os
pobres e fracos.
Tem fome da Justiça do Reino, não a dos homens,
que tantas vezes não passa de uma legitimação
oficial da exploração e privilégio. Tem coração
compassivo, como o próprio Pai do Céu, e é “puro
de coração”, sem ídolos e falsos valores.
Promove a paz, não “a paz que o mundo dá” (Jo
14, 27), mas o “shalom”, a paz que nasce do
projeto de Deus, quando existe a justiça do
Reino.
Mas, Jesus deixa clara a consequência de assumir
esse projeto de vida - a perseguição! Pois um
sistema baseado em valores antievangélicos não
pode aguentar quem o contesta e questiona, algo
que a história dos mártires do nosso Continente
testemunha muita bem. Qualquer Igreja cristã que
é bem aceita e elogiada pelo sistema hegemônico
precisa se questionar sobre a sua fidelidade à
vivência das bem-aventuranças do Sermão da
Montanha. O martírio (= testemunho) é
pedra-de-toque dessa fidelidade.
Continua válido para todos nós, como indivíduos
e como comunidades, o desafio de estar “na
contramão, com Jesus”, como diz Frei Carlos
Mesters. Não somente na contramão da sociedade,
mas com uma proposta de construção de uma
sociedade fundamentada nos princípios do Sermão
da Montanha, os de solidariedade, justiça,
fraternidade e paz. No mundo onde estas metas e
princípios são chamados da “ladainha dos
perdedores”, cabe aos cristãos descobrir meios
práticos de concretização desta utopia, a utopia
de Deus, que impelia Jesus a doar a sua vida. É
o grande desfio de sermos “no mundo, mas não do
mundo” como dizia Jesus (Jo 14) e por isso temos
que ser “vigilantes” (outro tema do evangelho de
Mateus), para que não assumamos os princípios
anti-evangélicos do neoliberalismo selvagem,
quase por osmose! O mundo é o palco da nossa
missão (Jo 16, 18), mas uma missão
transformadora, norteada pelas Bem-Aventuranças.
- - -
Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
Textos anteriores em www.maikol.com.br , clique
em Hughes (lado direito do site). |
|
|
|