BIUTIFUL
Em algumas
cenas de Biutiful, indicado ao
Oscar deste ano de Melhor Filme de
Língua Estrangeira, o mexicano Alejandro
González Iñárritu quis evidentemente
incomodar. Em outras - por exemplo, a
que dá início e termina a sua narrativa
de formalismo barroco –, pretendeu fazer
poesia sobre o sentido da paternidade.
Mas ainda há as que ele utiliza para
denunciar que, em tempos tão prósperos,
como os que vivemos, milhares de seres
humanos são subjugados às mais terríveis
condições de vida, mesmo em cidades
tidas como opulentas por suas atrações
turísticas, tal é o caso de Barcelona,
na Espanha.
O roteiro,
escrito por Iñárritu em colaboração com
Armando Bo e Nicolás Giacobone, conta a
história de Uxbal (Javier Bardem), que
não chega a ser um herói trágico, como
muitos admitem, porque lhe falta
estrutura moral. Ele tira proveito de
suas atividades sensitivas, e explora,
como atravessador, a sofrida população
de imigrantes ilegais - africanos e
chineses - de uma favela existente a
poucos quarteirões do centro histórico
da cidade e da praça, em que se ergue a
Igreja Sagrada Família, de Gaudí.
Desde que sua
mulher Marambra (Maricel Álvarez)
começou a apresentar os sintomas da
bipolaridade maníaco-depressiva, com
forte tendência para a prostituição, e,
claro, não quer se tratar, ele assumiu
a guarda dos filhos Ana (Hanaa Bouchaib)
e Mateo (Guillermo Estrella). A
paternidade então, para ele, passou a
ter prioridade sobre todas as suas
demais funções, que lhe dão pouco
dinheiro, não podendo, portanto,
satisfazer o gosto das crianças pelos
fast foods da moda.
Diante das
dificuldades financeiras, Tito (Eduard
Fernández), irmão de Uxbal, um
malandro, envolvido com a cunhada e com
a droga, negocia o nicho em que se
encontra enterrado o pai num cemitério a
ser destruído para que se construam, no
local, edifícios de apartamentos. Como
eles não o conheceram, Uxbal , na
exumação, quer ver o corpo do pai
conservado em formol, pois, antes de ser
transportado, foi embalsamado no
México, onde faleceu, ainda jovem, de
pneumonia. Já então Uxbal sabe ser
paciente terminal de câncer, não devendo
ter, segundo o diagnóstico médico, mais
de dois meses de vida. Ele se desespera,
pensando no que vai ser dos filhos.
Como em seus
filmes anteriores – o último foi
Babel –, Iñárritu abarca inúmeros
assuntos sem que consiga se aprofundar
em nenhum deles. O drama particular de
Uxbal é apenas o núcleo de outros
periféricos, muitos dos quais ficam
sem sentido, principalmente se
analisados do ponto de vista
autobiográfico, já que, ao final, o
realizador presta homenagem ao próprio
pai. Sua narrativa, em vista disso,
embora linear, é confusa e se tornaria
enfadonha, não fosse a pontuação do
inspirado comentário musical do
argentino Gustavo Santaolalla. O
registro fotográfico de Rodrigo Prieto
também é de muito boa qualidade.
Mais que
tudo, porém, a película – produzida,
além de Iñárritu, por duas eminentes
figuras do cinema mexicano, Alfonso
Cuarón e Guillermo Del Toro - se
qualifica pela estupenda atuação de
Javier Bardem, que vem criando, ao
longo do tempo, uma invejável galeria de
distintas personagens, desde que estreou
no cinema internacional, no papel do
escritor Reinaldo Arenas, perseguido
pelo regime de Fidel Castro, em Antes
que Anoiteça, de Julian Schnabel
(2000). Bardem , indicado ao Oscar
deste ano de Melhor Ator, sabe
selecionar os sentimentos absolutamente
indispensáveis à perfeita caracterização
do delinquente Uxbal. Em outras
palavras, ele não compõe o papel nem com
excesso, nem com insuficiência de
emoções. O seu processo de encarnação
física da personagem é o que mais se
destaca à medida que a doença a consome
já perto do final, pois a máscara de
decomposição que ostenta é
impressionante. Os demais atores têm
interpretações discretas, mas, da mesma
forma, muito eficientes.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA
TÉCNICA
BIUTIFUL
México-Espanha/2010
Duração – 138 minutos
Direção – Alejandro
González Iñárritu
Roteiro – Alejandro
González Iñarritu, Armando Bo, Nicolás
Giacobone
Produção – Fernando
Bovaira, Alfonso Cuarón, Alejandro
Iñárritu, Guillermo Del Toro, Sandra
Hermida e Jon Kilik
Fotografia – Rodrigo
Prieto
Trilha Sonora – Gustavo
Santaolalla
Edição – Stephen Mirrione
Elenco – Javier Bardem
(Uxbal), Maricel Álvarez (Marambra),
Hanaa Buchaib (Ana), Guillermo Estrella
(Mateo), Eduard Fernández (Tito), Cheikh
Ndiaye (Ekweme), Diaryatou Daff (Ige),
Cheng Tai Shen (Hai), Luo Jin (Liwei),
George Chukwuma (Samuel).