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REFLEXÕES EVANGÉLICAS: HOMILIAS - FEVEREIRO 2011
Reflexões Homiléticas para Fevereiro de 2011
Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
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QUINTO DOMINGO COMUM (06.02.11)
Mt 5, 13-16
“Vós sois o sal da terra”
O nosso texto faz parte do Sermão da Montanha,
cujos princípios são resumidos nas
Bem-aventuranças (Mt 5, 1-12). Os versículos de
hoje se dirigiam às comunidades dos “pobres em
espírito”, cuja proposta de vida era a vivência
do espírito das bem-aventuranças. Mateus usa as
metáforas de sal e luz para aplicá-las aos
ouvintes do Sermão da Montanha.
O sal era de suma importância no Oriente Médio.
Era usado como tempero para dar sabor à comida e
também para conservá-la. Também a imagem do sal
era usada para simbolizar a Sabedoria e a Lei.
Mateus afirma que os discípulos devem tornar
saboroso o mundo em sua aliança com Deus,
através da vivência que nasce da sabedoria de
Jesus e a nova Lei, o Sermão da Montanha. Se não
assumirem essa missão, servirão para nada e
merecem ser jogados fora como sal insosso. Essa
missão se realiza através da vivência da plena
justiça, muito mais do que uma prática externa
de leis: “Se a vossa justiça não for maior do
que a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês
não entrarão no Reino do Céu” (Mt 5, 20)
As outras imagens também são tiradas da
experiência da Palestina do tempo de Jesus. Se a
imagem da “cidade situada sobre um monte” foi
tirada da Galiléia, talvez se refira à cidade de
Hippos, se não, poderia ser Jerusalém. A imagem
da lâmpada que ilumina todos na casa vem do fato
de que a casa normal de um pobre na Palestina
consistia de uma sala só. Através da prática dos
discípulos, a luz de Deus deve iluminar a
sociedade, desmascarando as injustiças e
apontando para a justiça do Reino do Céu.
O versículo 16 mantém um equilíbrio entre a
prática das boas-obras e o evitar do orgulho ou
vaidade por causa delas. A vida do discipulado
descrita no Sermão não deve levar à arrogância,
tão típica de alguns “piedosos” ou “justos”;
mas, à conversão de muitos ao Pai. Mateus se
refere a Is 42, 6 e 49, 6 que mostram que o
Servo de Deus traz luz e salvação para todos os
povos.
Mais uma vez o Evangelho de Mateus enfatiza a missão da comunidade
cristã. Somos chamados a dilatar o Reino de Deus
no mundo. Não é possível sermos discípulos se
mantermos uma vida individualista, fechada em
nós mesmos. A nossa maior pregação deve ser a
nossa luta em prol do mundo que Deus quer, para
que “todos tenham a vida e a vida em abundância”
(Jo 10, 10). Uma vida cristã que não se engaja
nisso, se torna como sal insosso, luz apagada,
que não serve para nada. Mas a motivação é clara
- nada em benefício próprio, mas tudo para que
as pessoas cheguem a conhecer o nosso Pai
amoroso e vivenciem os valores do seu Reino.
SEXTO DOMINGO COMUM (13.02.11)
Mt 5, 17-37
“Se a justiça de vocês não superar a dos
doutores da Lei e dos fariseus, não entrarão no
Reino do Céu”
Quando lemos o Evangelho de Mateus, é muito
importante ter em mente o contexto histórico em
que foi escrito, pelos anos 85-90 do primeiro
século da Era Comum. Depois do desastre da
Primeira Guerra Judaica, culminando com a
destruição de Jerusalém e do Templo (que nunca
mais seria erguido, diferente da sua destruição
pelos babilônios em 587 aC), o povo judeu e a
sua religião enfrentavam a possibilidade de
desaparecer para sempre. Um grupo de rabinos
reorganizou o judaísmo a partir de um tipo de
“Sínodo” em Jâmnia, perto da atual Tel Aviv, no
ano 85. Sem Templo, sem sacerdócio, sem
sacrifício, esses mestres de Lei, quase todos os
fariseus reestruturaram o judaísmo, ao redor da
uma identidade proveniente de uma adesão estrita
à Lei, a Torá. Diante da fraqueza do judaísmo,
não admitiam nenhuma divergência da sua
interpretação da Lei, nenhuma dissonância diante
das comunidades judaicas. Mas, no seio do
judaísmo existia um grupo de discípulos/as de
Jesus de Nazaré, que aceitava a Lei como
autoridade, mas com a interpretação vinda dos
ensinamentos do seu mestre, Jesus. Como
consequência, começou um processo de expulsão
desses judeu-cristãos da comunidade da sinagoga
e se tornou muito importante para eles entender
a sua relação com a Lei, e o que tinha mudado
com o ensinamento e exemplo de Jesus, o Mestre.
O nosso trecho do Sermão da Montanha de hoje
começa exatamente situando Jesus diante da Lei.
A primeira parte enfatiza que Jesus não rejeitou
a Lei; mas, veio dar a ela o seu pleno
cumprimento, o seu verdadeiro sentido. Portanto,
as comunidades mateanas não precisavam sentir-se
como traidoras da Antiga Aliança, pois a Lei
encontrou a sua verdadeira expressão na vida,
ensinamento e opções de Jesus de Nazaré.
Devemos superar uma visão errada dos fariseus
que frequentemente existe entre nós, entendendo
esse grupo como hipócritas (essa ideia vem da
linguagem polêmica de Mt 23, que reflete mais os
conflitos do tempo do escrito do que a visão de
Jesus). Mas, o texto de hoje mesmo assim é
contundente quando Jesus declara aos seus
discípulos (e a nós hoje!): “se a justiça de
vocês não superar a dos doutores da lei e
fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu”
(lembremo-nos que em Mateus “Reino do Céu” é
sinônimo com “Reino de Deus”, só que tendo
comunidade judaica, ele substitui o termo “Céu”
por “Deus” por motivos de reverência diante do
nome de Deus). Como foi a justiça dos fariseus?
Era uma adesão estrita à letra da Lei. Como
superar isso - ir além da letra, ao espírito da
Lei, que existe para que a vida abunde. Muitas
vezes a letra mata, mas o verdadeiro espírito da
Lei defende e promove a vida.
O texto de hoje vai ao âmago da questão. Insiste
que não é o suficiente simplesmente obedecer à
letra a lei, não matando, não cometendo
adultério etc. O discípulo de Jesus tem que
tirar a raiz dessas ações más. Pois às vezes não
se pratica uma ação má por falta de oportunidade
ou medo, mas a raiz do mal está no pensamento,
no coração. Por isso devemos cortar a “mão” que
nos leva ao erro (mão = maneira de agir) e
arrancar o “olho” errado (olho = a nossa maneira
de enxergar as coisas, o nosso pensamento).
Devemos cuidar com essas expressões tipicamente
semíticas e, obviamente, não levar ao pé da
letra.
O trecho do sermão termina com um apelo à
criação de uma sociedade de transparência e
honestidade, pois só se pode dispensar a
garantia do juramento, quando não há dúvida que
todos falem a verdade. O grande político
Bismarck falou que não se podia dirigir um
Estado baseado no Sermão na Montanha - mas somos
desafiados a construirmos famílias e comunidades
com esses princípios, para que já comecemos a
vivenciar os valores do Reino, ultrapassando a
letra e vivendo o espírito da Lei, à luz de
Jesus.
SÉTIMO DOMINGO COMUM (20.02.11)
Mt 5, 38-48
“Sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês,
que está no céu”
Na verdade, o texto de hoje, continuando as
leituras do Sermão da Montanha (Mt 5-7),
continua o tema da leitura do domingo passado.
Mais uma vez enfatiza que atrás de todas as
nossas ações existem sentimentos, ou
disposições, internos. Por isso Jesus dá o
verdadeiro sentido à Lei, dizendo que o
discípulo não pode se contentar em não agir mal,
mas tem que mudar a sua maneira de entender o
mundo, as pessoas e as relações. Com autoridade,
“Eu digo”, ele exige que os seus seguidores não
somente não ajam como o mundo age, mas que deem
uma viravolta nos valores d’Ele. Enquanto “olho
por olho, dente por dente” era, nos tempos idos,
um grande avanço sobre a lei da vingança
exagerada, Jesus exige que os seus discípulos
vão adiante, tirando até o desejo de vingança e
retribuição, assim desarmando o mal e criando
uma sociedade de novas relações. Sem dúvida, uma
visão utópica; mas, utopia não é ilusão, é o
ideal que nos norteia e encoraja até que
finalmente, passo por passo, ela se concretize.
Esses versículos insistem que o modelo para a
vida cristã e as suas atitudes não é a sociedade
vigente, onde os cristãos muitas vezes se
contentam em agir exatamente como os outros,
dentro do que é aceitável em uma sociedade que
não segue o Evangelho. Ele insiste nesses
versículos que ser cristão não é simplesmente
ser como qualquer um (“os pagãos”), mas é ter
outros valores e uma outra visão. E qual é o
fundamento desses valores, desse modo de agir?
Não é o exemplo da sociedade e do mundo, mas o
exemplo do nosso Pai. Jesus não deixa por menos:
“sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês
que está no céu”. Obviamente nunca poderemos ser
“perfeitos” como o Pai do céu. Essa frase
relembra Dt 18,13 onde a Lei recomenda ao povo
de Israel que seja perfeito na sua adesão ao
Senhor. O Evangelho de Lucas explicita melhor
ainda o sentido dessa frase quando ensina:
“sejam misericordiosos, como também o Pai de
vocês é misericordioso” (Lc 6, 36).
Sem rodeios, esses versículos nos levam a
examinar as nossas atitudes e ações,
especialmente em relação à vingança, ao ódio, à
dureza de coração, à compaixão e à misericórdia.
A nossa medida nesses aspectos é a nossa
sociedade, ou o nosso Pai? Se nós agimos e
pensamos como qualquer outro, o que fazemos de
extraordinário?
OITAVO DOMINGO COMUM (27.02.11)
Mt 6, 24-34
“Ninguém pode servir a dois senhores”
O texto de hoje nos mergulha de novo no espírito
do Sermão da Montanha (Mt 5, 1 - 7, 27). Coloca
os ouvintes diante da sua escolha fundamental na
vida - a quem ou a que querem servir? - a Deus,
vivendo os valores delineados no Sermão da
Montanha, ou o Dinheiro, (que a Bíblia TEB
escreve com “D” maiúsculo), ou seja, o Dinheiro
como potência que escraviza o mundo a si? Embora
essa escolha seja exigência de todos os tempos e
lugares, torna-se mais urgente ainda em nossa
sociedade de consumo, de exclusão e de
acumulação, que exclui a maioria absoluta da
humanidade, condenando-a a uma vida de miséria e
sofrimento. Jesus deixa bem claro que os seus
discípulos/as não podem assumir esses valores
consumistas e materialistas, se querem ser fiéis
a Ele e ao seu projeto do Reino de Deus.
Como consequência desse princípio, Jesus
continua: “por isso é que lhes digo: não fiquem
preocupados com a vida, com o que comer; nem com
o corpo, com o que vestir”. Com certeza uma
declaração que soa como estranha a quase todos
nós, obrigados a lutar com insegurança para que
as nossas famílias tenham o que comer e vestir.
Como não se preocupar com essas coisas em um
mundo de insegurança, de desemprego, de
exclusão? Realmente seria no mínimo uma falta de
sensibilidade proclamar aos famintos ou
esfarrapados que não era para se preocuparem com
a comida e a roupa. É só olhar a situação
terrível de tantas famílias na região serrana de
Rio de Janeiro, entre outras. Então o que quer
dizer esse trecho?
Essas palavras não são convite a descuidar
dessas necessidades básicas, que seria um
atentado contra a vida, e, portanto, contra a
proposta de Jesus. A frase deve ser entendida no
contexto da situação da comunidade mateana pelo
ano 85 dC, que parece ter sido uma comunidade
que tinha bastante gente próspera (p. ex.,
Mateus diz que são os “pobres em espírito” que
são bem-aventurados, enquanto Lucas diz
simplesmente “vocês, os pobres”!). O sentido do
texto gira ao redor do sentido do verbo grego
“meirmnao” que as nossas Bíblias traduzem como
“preocupeis” (Pastoral, TEB, Jerusalém, Ave
Maria). Isso, obviamente, não quer dizer não
cuidar, zelar, ocupar-nos, mas não deixar que
essas coisas nos absorvam de tal maneira que se
tornem o absoluto da nossa vida. Assim, em lugar
de usar essas frases para acalmar os que sofrem
falta dessas necessidades da vida, esse texto
implica uma denúncia de uma sociedade excludente
como a nossa, que obriga a maioria das pessoas a
dedicar-se totalmente à sobrevivência, esgotando
as suas forças físicas, espirituais e
psicológicas na luta diária para simplesmente
sobreviver nesse mundo cruel.
Seria beirando a blasfêmia usar essas frases
para apaziguar os sofridos, falando chavões
sobre a providência de Deus, enquanto apoiamos e
nos mergulhamos nos valores materialistas da
sociedade neoliberal, sem notar que essa mesma
sociedade é a negação de tudo que o Sermão da
Montanha ensina sobre simplicidade,
solidariedade, justiça e o seguimento de Jesus.
A chave da interpretação do ensinamento de hoje
está em v. 33: “Procurai primeiro o Reino e a
justiça de Deus, e tudo isso vos será dado por
acréscimo” (trad. TEB). Pois, se criarmos um
mundo ou uma comunidade que vive os valores do
Reino e a justiça de Deus (não o que os homens
consideram “justiça” a partir de uma ideologia
positivista que favorece os interesses da
minoria dominante), então teremos solidariedade,
que garantirá que todos tenham pelo menos o
mínimo para ter uma vida digna dos filhos e
filhas de Deus.
Então, longe de ser “pano quente”, para que
possamos ignorar com tranquilidade o sofrimento
e carência de tantos, o texto nos desafia para
que descubramos sinceramente quais são os nossos
valores, os do Evangelho ou os do consumismo. É
uma questão vital para todos e todas que querem
ser seguidores/as de Jesus, pois “onde está o
seu tesouro, aí estará também o seu coração” (Mt
6, 21).
Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
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