INDIGNAÇÃO
PRODUTIVA
Tereza Halliday
– Artesã de
Textos
Em conversa de
beira de
calçada, um de
meus
interlocutores
lamentou: “O
brasileiro
perdeu a
capacidade de se
indignar”. Com
esta
generalização,
esqueceu dos
protestadores
que bagunçam o
tráfego em ruas
e rodovias para
expressar sua
indignação por
justas causas,
ao preço de
fazer médicos
atrasarem
cirurgias,
viajantes
perderem avião,
ou pobres
trabalhadores
exaustos
chegarem muito
mais tarde em
casa. Não faltam
motivos para
indignação nesta
cidade
destrambelhada e
neste planeta
mal governado. O
x da questão é:
como indignar-se
produtivamente?
No rolar do
papo, o analista
do nível de
indignação
nacional
contou-me como
arma um barraco
no supermercado,
voz possante
atraindo a
atenção dos
demais
frequentadores
para sua
reclamação pelo
excesso de filas
e escassez de
caixas, ou por
algum alimento
estragado.
Indignação é
sentimento
forte, possível
gerador de
mudanças. Mas
carece de
gerenciamento
competente para
dar bons
resultados.
Rodar a baiana,
fazer escarcéu,
só resulta em
catarse do
indignado(a):
bota pra fora o
que lhe é
indefensável,
usa os
circunstantes
como plateia de
sua autoterapia
e adquire
reputação de
encrenqueiro. O
“não admito”, o
“Isto é uma
vergonha!”
apenas revelam o
estado dos
hormônios do
indignado(a).
Daí para frente,
a animosidade só
faz atrapalhar.
Indignar-se
positivamente,
ensinaria o
prof. Gomes de
Matos, Linguista
da Paz.
Peritos em
protestos
eficazes usam de
mineirice:
em voz baixa,
sem ataques nem
ironias,
avançam, com
jeito, até
conseguir seu
intento. Também
artífices da
indignação
produtiva são:
os seguidores da
estratégia
ghandiana – a
resistência
pacífica; os
reclamantes que
insistem sem
perder a calma,
até vencer pelo
cansaço e pela
argumentação
equilibrada; e
certos
dirigentes
tarimbados de
entidades como a
Associação dos
Moradores do
Pina, Boa Viagem
e Setúbal, que
apontam erros e
propõem
soluções.
Indignar-se é
sinônimo de
revoltar-se,
encolerizar-se.
E a cólera é má
companheira na
solução de
problemas. É uma
arte apresentar,
serenamente,
reclamações e
boas propostas
para consertar o
que precisa ser
consertado, sem
inimizar os
responsáveis
pelo malfeito ou
omissão. Num dos
mais antigos e
respeitáveis
livros de
autoajuda - a
Bíblia -
encontra-se esta
dica: “Recolhe-te
por alguns
instantes
até que a
indignação
passe” (Isaías
26,20).
Desse
recolhimento
virá a luz para
agir na medida
certa. Só então
poderemos lutar,
com sabedoria,
contra a
injustiça,
vilania ou
desmantelo que
nos indignou. (Diário
de
Pernambuco,13/02/2011,
p.A9)
Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos
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