O DISCURSO DO REI
Ressalvadas algumas
impropriedades históricas, que
acontecem em qualquer dramaturgia
dessa natureza, O Discurso do Rei,
de Tom Hooper, é um brilhante estudo
sobre o domínio do som, da voz e da
palavra. Eis por que, além do
destaque que se deve dar, num
comentário crítico, às
interpretações – principalmente a
extraordinária personificação do rei
George VI, da Inglaterra, feita por
Colin Firth -, tem-se de observar
ainda como a estupenda trilha sonora
de Alexandre Desplat, com peças de
sua autoria, de Mozart e de
Beethoven, compõe o espetáculo.
O roteiro, escrito
por David Seidler, com base numa
peça teatral de sua autoria, ainda
inédita, reconstitui a época (final
da década de 20), que se
caracterizou pelo surgimento do
rádio e, logo depois, pela
sonorização cinematográfica. Nesse
sentido, uma das cenas mais
importantes da película de Hooper é
a de uma sessão de cinema a que
assiste, no Palácio de Buckingham,
com a família, o rei George VI,
quando a princesa Elizabeth (Freya
Wilson), sua filha mais velha, lhe
indaga o que está falando Hitler em
uma de suas pregações em praça
pública, em Berlim. Ele lhe responde
que não entende o sentido das
palavras, mas reconhece que Hitler
sabe dizê-las.
Por gaguejar, ao
fazer um pronunciamento, em 1925, no
estádio de Wembley, o príncipe
Albert, duque de York, segundo filho
do rei George V (Michael Gambon),
tendo ao seu lado a esposa Elizabeth
(Helena Bonham Carter), causara
grande constrangimento aos milhares
de pessoas presentes ao evento.
Desde então, ele vem sendo assistido
por diversos médicos para ver se
supera a dificuldade de se
expressar. Todo o sacrifício, porém,
tem sido inútil. Cada vez mais ele
emite as palavras sem a devida
clareza dos sons. Por isso está
desesperado, e não quer mais
continuar o tratamento. A duquesa,
entretanto, consegue convencê-lo a
procurar Lionel Logue (Geoffrey
Rush), um especialista australiano,
que vive em Londres.
O excêntrico Logue,
na primeira sessão, tenta atenuar um
pouco a rigidez do protocolo real, o
que acaba por irritar o príncipe.
Mesmo assim, depois de ouvir
explicações de Logue sobre o uso da
respiração pelo diafragma e as
práticas de relaxamento, ele aceita
a sugestão de ler o monólogo do
Hamlet To be, or not to be,
escutando pelo fone de ouvido a
abertura da ópera Bodas de
Fígaro, de Mozart. Logue grava a
leitura de Albert, que leva o disco
para casa, mas, aborrecido, não
cuida de ouvi-lo. No Natal de 1934,
o rei George V explica ao filho a
importância do rádio para a
monarquia moderna: - Agora –
ele diz – nós somos atores. A
nossa voz precisa chegar aos lares
de nossos súditos!...Mais tarde,
o príncipe ouve a gravação do
monólogo e, mais uma vez,
incentivado pela princesa, decide
procurar Logue para dar
prosseguimento aos exercícios.
Após a morte de
George V, desencadeia-se o processo
sucessório. O príncipe Edward VIII,
duque de Windsor (Guy Pearce),
sucessor natural, pode ser recusado
pelo Parlamento por pretender se
casar com a americana Wallis Simpson
(Eve Best), divorciada duas vezes.
Ante a eventualidade de ter de
assumir o trono, o príncipe Albert,
alertado sobre isso por Logue,
durante uma caminhada por um dos
parques londrinos, numa manhã de
neblina, novamente se indispõe com
ele, deixando-o a falar sozinho.
Nessa cena, o tema desenvolvido por
Desplat, em solo de piano,
acompanha de forma serena a
narrativa de Hooper, que, antes,
havia feito apenas uma série para
HBO sobre o ex-presidente dos EUA,
John Adams. Como no trabalho
precedente, Hooper não só explora
efeitos da ambientação, como cria
condições no espaço cênico para dar
realce aos atores, todos eles em
desempenhos notáveis, como o de
Claire Bloom, no papel da rainha
Mary, o de Michael Gambom (George
V), o de Helena Bonham Carter
(rainha Elizabeth) e o de Guy Pearce
(duque de Windsor). É evidente que
as atuações de Colin Firth, como o
rei George VI, e de Geoffrey Rush –
também produtor do filme -, como
Lionel Logue, se sobressaem. E como
se sobressaem!... São interpretações
realmente memoráveis, que dignificam
a arte de representar. Assim, é
deles o instante mais dramático do
filme: o primeiro discurso de guerra
do rei George VI, que fala, em 1939,
pelo rádio, com voz límpida, sob a
batuta de Logue, tendo como
pontuação para suas palavras aos
súditos o segundo movimento da 7ª
Sinfonia de Beethoven.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
O DISCURSO DO REI
THE KING´S SPEECH
Duração – 118 minutos
Direção – Tom Hooper
Roteiro – David
Seidler
Produção – Ian Canning, Emile
Sherman, Gareth Unwin e Geoffrey
Rush
Fotografia – Danny
Cohen
Trilha Sonora –
Alexandre Desplat
Edição – Tariq Anwar
Elenco – Colin Firth
(rei George VI), Geoffrey Rush
(Lionel Logue), Helena Bonham Carter
(rainha Elizabeth), Michael Gambon
(rei George V), Claire Bloom (rainha
Mary), Guy Pearce (príncipe Edward
VIII), Eve Best (Wallis Simpson),
Freya Wilson (princesa Elizabeth)