Theresa Catharina de Góes Campos

 

INVERNO DA ALMA

 

            Ao traçar o perfil de uma moça de 17 anos, de caráter  firme e determinado, que,  ante o desaparecimento do pai, se vê forçada não só a procurá-lo, mas a assumir  também a responsabilidade pela sobrevivência da mãe ensandecida e de dois irmãos menores, Debra Granik pinta, ao mesmo tempo, em Inverno da Alma, um quadro estarrecedor da miséria no meio rural americano sob o domínio de traficantes de droga.

 

            O roteiro, escrito por  Granik em colaboração com Anne Rosellini, é baseado no romance Winter´s Bone, de Daniel Woodrell, que, ao que consta, não tem a atmosfera  opressiva da película, só atenuada, de quando em vez, pela inserção de música country, que compõe a trilha sonora de Dickon Hinchliffe.  De fato, desde os primeiros instantes da narrativa, o cenário que se descortina das montanhas Ozarks, no Missouri – região central dos EUA –, é de total desolação. Em primeiro plano, avistam-se  taperas imundas, que abrigam uma gente estranha, faminta e desorientada,  vivendo em péssimas condições. Em volta, há um cemitério de automóveis e de trailers abandonados.

 

            À porta de uma das taperas, surge o rosto jovem, mas sofrido, de Ree Dolly ( Jennifer Lawrence),  para atender ao chamado do policial Satterfield (Tate Taylor), assistente do xerife da localidade. Ele lhe comunica o desaparecimento de seu pai, Jessup Dolly, que saiu da cadeia sob fiança. O dinheiro foi obtido com a penhora da casa, que, segundo explica, terá de ser entregue pela família dentro de uma semana, caso ele não apareça para cobrir o débito. Disposta a encontrar o pai, vivo ou morto, ela sai no seu encalço pelos lugares mais ermos e sórdidos no meio das  montanhas congeladas, sendo sempre aconselhada a desistir do seu intento.

 

Até mesmo o tio Teardrop Dolly (John Hawkes), um drogado, magro e barbudo, que a trata mal, de início, mas se desculpa depois, lhe diz que muito provavelmente Jessup tenha sido assassinado. Mostra-lhe então o barraco incendiado, que lhe servia de laboratório para o processamento da metanfetamina (droga estimulante do sistema nervoso central), em cujos destroços, segundo afirma, pode estar o corpo dele. Ree não aceita, porém, a versão do tio. Ao saber, mais tarde, pelo xerife Baskin (Garret Dillahunt), que precisa provar a morte do pai para não perder a casa, ela decide enfrentar o desafio de ir falar ao poderoso chefão do tráfico Thump Milton (Ronnie Hall), com quem  os Dolly têm algum parentesco.

 

Não se sabe qual é a ideologia de Debra Granik – realizadora do filme aclamadíssimo pela crítica internacional, desde que conquistou, em 2010, o Grande Prêmio do Júri do Festival Sundance  e dois prêmios do Festival de Berlim - , nem por qual credo ela reza. Ou não reza. O certo, porém, é que, pela sua linguagem – principalmente pela significativa cena final -  a protagonista, Ree Dolly, encontra sua força no poder da esperança, mais perigoso do que o desespero, como observaria um poeta inglês, tal como ensinam as grandes mulheres do Antigo Testamento: Esther, Judite e Raquel. Em outras palavras, Ree só não é trágica porque não se deixa ser aniquilada pelo que ela tem de melhor em sua formação: esperança, fé e amor.

 

Para interpretar essa personagem, Granik teve a sorte de encontrar Jennifer Lawrence, jovem, bonita, de muito talento, que se criou no ambiente em que transcorre a ação, isto é, nas montanhas do Missouri. Talvez a beleza da atriz  não tenha contribuído para a caracterização da personagem, o que ela procurou compensar por uma articulação dos músculos faciais que lhe dá uma expressividade magnífica dentro da linha imposta pela direção. Observem-se, por exemplo, o rosto duro e a expressão sofrida de Lawrence, quando Ree ouve dos irmãos a preocupação de que ela se aliste no exército para obter o dinheiro necessário ao resgate da casa e, assim, se afaste deles. Ela lhes responde:  - Eu não sei se conseguiria continuar vivendo sem ter o peso de vocês nas minhas costas!... Outra grande atuação é a de John Hawkes, que, no papel do tio Teardrop, trata a figura com muito desvelo e cuidado nas suas inesperadas mutações de humor, causadas ora por consumir droga, ora por saber que, como o irmão, está  também ameaçado de morte.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista

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FICHA TÉCNICA

INVERNO DA ALMA

WINTER´S BONE

EUA / 2010

Duração – 100 minutos

Direção – Debra Granik

Roteiro – Debra Granik e Anne Rosellini, com base na novela Winter´s Bone, de Daniel Woodrell

Produção – Anne Rosellini e Alix Madigan

Fotografia – Michael McDonough

Trilha Sonora – Dickon Hinchliffe                   

Edição – Jennifer Lawrence (Ree Dolly), John Hawkes (Teadrop Dolly), Tate Taylor (Satterfield), Garret Dillahunt (xerife Baskin), Ronnie Hall ( Thump Milton).

 

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