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HOMILIAS PARA JUNHO DE 2011
De:
LMAIKOL
Data: 19 de maio de 2011 11:02
Assunto: Reflexões Homiléticas para
Junho de 2011
Reflexões Homiléticas para Junho de
2011
Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
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DOMINGO DA ASCENSÃO DO SENHOR
(05.06.11)
Mt 28, 16-20
“Eu estarei com vocês todos os dias
até o fim do mundo”
Chegamos ao último trecho do
Evangelho de Mateus. Podemos dizer
que o evangelho todo culmina na
postura dos discípulos, descrita no
versículo 17: “Ajoelharam-se diante
d’Ele” - uma postura de adoração, de
reconhecimento da sua natureza
divina. Porém, o trecho nos adverte
que muitas vezes a nossa fé em Jesus
também pode ser vacilante, quando
fala “ainda assim, alguns
duvidaram”.
Depois de um longo escrito de vinte
e oito capítulos, o Evangelho
termina de uma forma muito resumida,
neste texto de hoje. É um texto tão
denso em conteúdo que dificilmente a
gente pode imaginar como dizer mais
coisas em tão poucas palavras. Como
gênero literário, reúne elementos
das “entronizações” do Antigo
Testamento com a comissão
apostólica.
Em primeiro lugar, vale notar a
localização do acontecimento em
Mateus - na Galiléia. Seguindo o
mandamento dado pelo anjo do Senhor
na manhã da Ressurreição (Mt 28, 7),
os discípulos voltam para a Galiléia
para encontrar-se com o Senhor
Ressuscitado. Aqui “Galiléia”
significa mais do que um local
geográfico! A Galiléia era lugar da
missão de Jesus, onde ele serviu os
pobres e marginalizados da sociedade
e da religião oficial. Voltar para a
Galiléia significava voltar para a
prática de Jesus, um afastamento de
Jerusalém, símbolo da sede de poder
e dominação. Mateus nos ensina que
quem quiser encontrar-se na sua vida
com o Jesus Ressuscitado deve
assumir o seguimento de Jesus na
prática das suas opções, aplicadas
às condições e desafios da sociedade
de hoje. O que significa assumir as
opções práticas de Jesus no nosso
mundo de consumismo e exclusão?
Embora haja uma referência à visão
que os apóstolos tiveram de Jesus, a
ênfase cai sobre as suas palavras.
Não há nenhum relato da ascensão,
pois, para Mateus, já tinha
acontecido junto com a ressurreição.
As últimas palavras de Jesus poderão
ser divididas em três partes,
referentes ao passado, ao presente e
ao futuro. Jesus declara que toda a
autoridade foi dada a Ele no céu e
sobre a terra - o verbo está no
passado e ensina que Deus deu a
Jesus a autoridade como Filho do
Homem. Essa autoridade é a do Reino
de Deus (Dn 7, 14; 2Cr 36, 23; Mt 6,
10). O mandamento missionário se
refere ao presente dos discípulos -
a sua missão universal e permanente
de alastrar o Reino de Deus, para
que todas as culturas, raças, etnias
e religiões cheguem a ter o
conhecimento da verdadeira face de
Deus. Assim, Mateus mostra que a
Igreja é missionária pela sua
natureza, e uma Igreja que não a é,
está traindo a sua natureza e
identidade. Missão não é
proselitismo, não é angariar novos
adeptos para a Igreja - mas é
continuar a missão de Jesus, cuja
mensagem foi centrada na chegada do
Reino de Deus. Assim, somos chamados
a sairmos dos limites visíveis das
nossas comunidades, para que, em
diálogo profético com todas as
pessoas da boa vontade, colaboremos
para que o Reino de Deus - a
vivência da vontade do Pai - se
torne realidade no nosso mundo.
Mas, Mateus não ignorava as
dificuldades inerentes nessa missão.
Cinquenta anos depois da Ascensão, a
comunidade dele, perseguida e fraca,
experimentava a tentação do
desânimo. Por isso, Mateus insiste
no elemento do futuro, que Jesus
está e sempre estará com a
comunidade dos discípulos. Por isso,
não há porquê desanimar diante das
inevitáveis incompreensões e
dificuldades. Pois, como dizia
Paulo, a partir da sua experiência
prática de missionário, “quando Deus
está conosco, nada estará contra
nós” (Rm 8, 11).
A festa da Ascensão não celebra o
afastamento de Jesus da sua
comunidade; mas, ao contrário:
celebra a sua presença de uma forma
nova - na comunidade missionária dos
discípulos.
Domingo próximo, celebraremos essa
nova presença, na Festa de
Pentecostes.
DOMINGO DE PENTECOSTES (12.06.11)
At 2, 1-11
“Todos ficaram repletos do Espírito
Santo”
A liturgia de hoje nos descreve a
descida do Espírito Santo sobre a
comunidade dos discípulos, em duas
tradições - a de Lucas (Atos dos
Apóstolos) e da Comunidade do
Discípulo Amado (João 20). Salta aos
olhos que uma leitura
fundamentalista da bíblia -
infelizmente ainda muito comum entre
nós - leva a gente a um beco sem
saída, pois no Evangelho de João a
Ressurreição, a Ascensão e a descida
do Espírito se deram no mesmo dia
(Páscoa); enquanto Lucas separa os
três eventos, em um período de
cinquenta dias. Por isso, devemos
ler os textos dentro dos interesses
teológicos dos diversos autores - os
40 dias de Lucas, por exemplo, entre
a Ressurreição e a Ascensão,
correspondem aos 40 dias da
preparação de Jesus no deserto para
a sua missão. Pois, como Jesus ficou
“repleto do Espírito Santo” (Lc 4,
1) e se lançou na sua missão “com a
força do Espírito” (Lc 4, 14), a
comunidade cristã se preparou
durante o mesmo período, e na festa
judaica de Pentecostes também
experimentou que “todos ficaram
repletos do Espírito Santo” (At 2,
4).
Uma leitura superficial do texto de
Atos dá a impressão de um relato
uniforme e coeso - mas isso se deve
à habilidade literária do autor. Na
verdade, ele costurou um relato só,
tecendo elementos de duas tradições.
Uma leitura cuidadosa nos mostra
essas duas tradições: a primeira
está nos vv. 1-4, uma tradição mais
antiga e apocalíptica; a segunda
está nos vv. 5-11, mais profética e
missionária.
Nos primeiros versículos, estamos no
ambiente de uma casa, onde os
discípulos se reuniram. Atos nos faz
lembrar que estavam reunidos três
grupos distintos: os Onze; as
mulheres, entre as quais Maria, a
mãe de Jesus; e os irmãos do Senhor.
Embora talvez representem três
tradições cristológicas diferentes
no tempo de Lucas, ele faz questão
de enfatizar que todos estavam
reunidos com “os mesmos sentimentos,
e eram assíduos na oração” (At 1,
14). Quer dizer, a descida do
Espírito não é algo mágico, mas
consequência da unidade na fé e no
seguimento do projeto de Jesus.
O primeiro relato (vv. 1-4) usa
imagens apocalípticas, símbolos da
teofania, ou da manifestação da
presença de Deus - o som de um
vendaval e as línguas de fogo. A
expressão externa da descida do
Espírito é o “falar em outras
línguas” (não o “falar em línguas” -
glossolalia - tão valorizado por
muitos grupos de cunho
neo-pentecostal).
A segunda tradição muda o enfoque. O
ambiente muda da casa para um lugar
público - provavelmente o pátio do
Templo. O sinal visível da presença
do Espírito não é mais o falar em
outras línguas, mas o fato que todos
os presentes pudessem “ouvir, na sua
própria língua, os discípulos
falarem” (At 1, 6). O termo “ouvir”
aqui implica também “compreender”.
Três vezes o relato destaca o fato
dos presentes poderem “ouvir” na sua
própria língua (vv. 6, 8 e 11).
Assim, Lucas quer enfatizar que o
dom do Espírito Santo tem um
objetivo missionário e profético -
de fazer com que toda a humanidade
possa ouvir e compreender a nova
linguagem, que une todas as raças e
culturas - ou seja, a do amor, da
solidariedade, do projeto de Jesus,
do Reino de Deus.
A lista dos presentes tem um sentido
especial - estão mencionadas raças,
áreas geográficas, culturas e
religiões. Todos ouvem as maravilhas
do Senhor. Assim, Lucas ensina que a
aceitação do Evangelho não exige
deixar a identidade cultural.
Contesta a dominação cultural, ou
seja, a identificação do Evangelho
com uma cultura específica. Durante
séculos este fato foi esquecido nas
Igrejas, e identificava-se o
Evangelho com a sua expressão
cultural européia. Nos últimos anos,
a Igreja tem insistido muito na
necessidade da “inculturação”, de
anunciar e vivenciar a mensagem de
Jesus dentro das expressões
culturais das diversas raças e
etnias. O texto é uma releitura da
Torre de Babel, onde a língua única
era o instrumento de um projeto de
dominação (uma torre até o céu!) que
foi destruído por Deus pela
diversidade de línguas. Nenhuma
cultura ou etnia pode identificar o
evangelho com a sua expressão
cultural dele.
Hoje é uma grande festa missionária.
Marca a transformação da Igreja de
uma seita judaica a uma comunidade
universal, missionária, mas não
proselitista, comprometida com a
construção do Reino de Deus “até os
confins da terra”. Lucas insiste que
a experiência de Pentecostes não se
limita a um evento - é uma
experiência contínua - por isso
relata novas descidas do Espírito
Santo: em uma comunidade em oração
em casa (At 4, 31), sobre os
samaritanos (At 8, 17), e, para o
espanto dos judeu-cristãos
ortodoxos, sobre os pagãos na casa
do Cornélio (At 10, 4). Pois, o
Espírito Santo sopra onde quer,
sobre quem quer, em favor do Reino
de Deus.
Aprendamos do texto de Atos, e
celebremos a nossa vocação
missionária, não a de falar em
línguas, mas de falar a língua única
do amor e do compromisso com o
Reino, para que a mensagem do
Evangelho penetre todos os povos,
culturas, raças e etnias.
* Jo 20, 19-23: No texto anterior ao
de hoje, Maria Madalena trouxe a
notícia da Ressurreição aos
discípulos incrédulos. Agora é o
próprio Jesus que aparece a eles.
Não há reprovação nem queixa nas
suas palavras, apesar da
infidelidade de todos eles; mas,
somente a alegria e a paz que Jesus
tinha prometido no Último Discurso.
Duas vezes Jesus proclama o seu
desejo para a comunidade dos seus
discípulos: “A paz esteja com
vocês”. O nosso termo “paz” procura
traduzir - embora de uma maneira
inadequada - o termo hebraico “Shalom”,
que é muito mais do que “paz”
conforme o nosso mundo a compreende.
O “Shalom” é a paz que vem da
presença de Deus, da justiça do
Reino. Na proclamação do saudoso
Papa Paulo VI “A justiça é o novo
nome da paz!”. Jesus não promete a
paz do comodismo, mas pelo
contrário, envia os seus discípulos
na missão árdua em favor do Reino,
mas promete o shalom, pois Ele nunca
abandonará quem procura viver na
fidelidade ao projeto de Deus.
Jesus soprou sobre os discípulos,
como Deus fez (é o mesmo termo)
sobre Adão quando infundiu nele o
espírito de vida; Jesus os recria
com o Espírito Santo.
Normalmente imaginamos o Espírito
Santo descendo sobre os discípulos
em Pentecostes; mas, aquilo era a
descida oficial e pública do
Espírito para dirigir a missão da
Igreja no mundo. Para João, o dom do
Espírito, que da sua natureza é
invisível, flui da glorificação de
Jesus, da sua volta ao Pai. O dom do
Espírito neste texto tem a ver com o
perdão dos pecados.
Que a celebração nos anime para que
busquemos a criação de um mundo onde
realmente possa reinar o Shalom, não
a paz falsa das armas, da opressão e
da injustiça, mas do Reino de Deus,
fruto de justiça, solidariedade e
fraternidade. Jesus nos deu o
Espírito Santo - agora depende de
nós usar essa força que temos na
construção do mundo que Deus quer.
FESTA DA SANTÍSSIMA TRINDADE
(19.06.11)
Jo 3, 16-18
“Deus amou de tal forma o mundo, que
entregou o seu Filho único”
Hoje celebramos o mistério
insondável de Deus, a Santíssima
Trindade. Durante os primeiros
séculos da sua existência, a Igreja
lutou com dificuldade para expressar
em palavras o inexprimível - a
natureza do Deus em que acreditamos.
Chegou à expressão belíssima do
Credo Niceno-Constantinopolitano,
infelizmente tão pouco usado nas
celebrações de hoje, onde se
expressa o Pai “criador de todas as
coisas”, do Filho, “Deus de Deus,
Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus
verdadeiro, gerado, não criado”, e o
Espírito que “dá a vida, e procede
do Pai e do Filho”. Mas, mesmo essas
expressões tão profundas não
conseguem explicar a Trindade, pois
se Deus fosse compreensível à mente
humana, não seria Deus.
O Quarto Evangelho nos traz
formulações muito bonitas referentes
à Trindade, especialmente no Último
Discurso de Jesus. Dentro das
limitações da linguagem humana,
tentamos expressar o mistério da
Trindade como “três pessoas numa
única natureza”. Mas, mais
importante do que encontrar fórmulas
abstratas para expressar o que no
fundo é inexprimível, é descobrir o
que a doutrina da Trindade pode nos
ensinar para a nossa vida cristã.
Talvez o livro de Gênesis possa nos
ajudar. Lá se diz que Deus “criou o
homem à sua imagem; à imagem de Deus
Ele o criou; e os criou homem e
mulher” (Gn 1, 28). Ora, se somos
criados à imagem e semelhança de
Deus, é de um Deus que é Trindade,
que é comunidade perfeita na
diferença. Assim, só podemos ser
pessoas realizadas na medida em que
vivermos comunitariamente. Quem vive
só para si é destinado à frustração
e infelicidade, pois está negando a
sua própria natureza. O egoísmo é a
negação de quem somos, pois nos
fecha sobre nós mesmos, enquanto
fomos criados na imagem de um Deus
que é o contrário ao individualismo,
pois é Trinitário.
No mundo pós-moderno, onde o
individualismo social, econômico, e
religioso é tido como critério
fundamental da vida, a doutrina da
Trindade nos desafia para que
vivamos a nossa vocação comunitária,
criando uma sociedade de partilha,
solidariedade e justiça, no respeito
do diferente do outro, pois fomos
criados à imagem e semelhança deste
Deus que é amor e comunhão.
A festa de hoje não é de um mistério
matemático - como pode ter três em
um - mas do mistério do amor de
Deus, que nos criou para que
vivêssemos comunitariamente na sua
imagem e semelhança.
DÉCIMO TERCEIRO DOMINGO COMUM
(26.06.11)
Mt 10, 37-42
“Quem não toma a sua cruz e não me
segue, não é digno de mim”
O grande discurso missionário de
Mateus termina com as palavras do
texto de hoje. De novo, deve ser
colocado dentro do contexto
sócio-histórico da comunidade de
Mateus. Mais uma vez - como nos
domingos passados - o autor enfrenta
o problema de uma comunidade em
situação de conflito e perseguição.
E o pior, este conflito e a
perseguição aconteciam também dentro
do seio das famílias, onde alguns
membros aderiam à comunidade cristã
e outros não. De novo Mateus liga a
perseguição à mística do seguimento
de Jesus quando em v. 34: ele diz:
“Não pensem que vim trazer paz à
terra; eu não vim trazer a paz, e
sim a espada”. Aqui retoma a imagem
da Palavra de Deus como “espada de
dois gumes”, que exige opções
concretas, muitas vezes com
consequências dolorosas. O
seguimento de Jesus exige
frequentemente decisões duras e nada
pode ser mais importante do que o
Reino. Por isso, Mateus diz que nem
o amor ao pai ou à mãe pode ter mais
importância do que o amor a Jesus
(Mateus suaviza a frase de Lucas 12,
26, que diz que quem não “odeia seu
próprio pai, mãe, mulher, filhos,
irmãs e até a própria vida não pode
ser meu discípulo”. Na língua
aramaica, pobre em vocábulos, a
frase de Lucas quer dizer de uma
maneira coloquial o que Mateus
expressa como “amar mais”. Não é
“odiar” conforme se entende a
palavra em português).
A vivência dessas opções é, na
prática, o que significa “tomar a
sua cruz”. Tomar a cruz não é sofrer
por sofrer. É a consequência da
coerência com a opção por Jesus.
Mas, não é para nos assustarmos,
pois temos a garantia que a busca de
coerência com essas opções nos darão
como herança “encontrar a vida” - a
verdadeira vida em Deus.
O discipulado não é somente dureza.
Teremos muitas oportunidades de
experimentarmos as suas recompensas
- de sermos acolhidos exatamente por
causa d’Ele (o sentido da “copa de
água”). Quantas vezes a pregação da
“cruz” tem trazido conotações
negativas, como se seguir Jesus
fosse um sofrimento sem fim. Pelo
contrário, exige dedicação,
sacrifício e desprendimento - que
acarreta também sofrimento – mas, as
suas alegrias são muito maiores.
O seguimento de Jesus deve ser uma
alegria - não somente um obedecer de
leis, a prática de uma moral ou
ética, um acreditar em dogmas, que
muitas vezes parecem ter pouca coisa
a ver com as nossas vidas! É uma
experiência de seguir as pegadas do
mestre, de ser colaborador(a) na sua
missão, de sentirmo-nos realizados
como pessoas e cristãos por termos
procurado colaborar na construção do
Reino, com todas as nossas
limitações e erros. É um privilégio
e não um peso!
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Pe. Tomaz Hughes, SVD
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