Theresa Catharina de Góes Campos

  A Paixão de Cristo

Theresa Catharina de Góes Campos é jornalista, escritora e professora universitária

Por ser falado em aramaico e latim, o filme A Paixão de Cristo, de Mel Gibson, não foi considerado para muitas premiações. Entretanto, nas categorias para o Oscar 2005 de Melhor Fotografia (e Cinema é, em síntese, Fotografia!), Melhor Maquiagem e Melhor Trilha Sonora, o filme esteve entre os cinco melhores.

“Ele foi ferido por nossas transgressões.
Por seus suplícios, nossos pecados foram perdoados.
Por suas feridas, fomos curados “. (Isaías, 53)

Apenas esses versos do Profeta, na tela, começam o filme, num prólogo comovente. Logo em seguida, nos defrontamos com a noite no Jardim das Oliveiras.

“Não fostes capazes nem de vigiar uma hora comigo? “

Para os cristãos, a Paixão de Cristo é um acontecimento extraordinário, uma experiência real a nos acompanhar diariamente.

“Pai, Tu podes tudo. Se for possível, afasta de mim este Cálice. Mas se for da Tua vontade, seja feita a Tua vontade, e não a minha.”

Assistir a um filme que nos guia com fé e sensibilidade para acompanharmos, numa sala de cinema, durante duas horas e seis minutos, as últimas 12 horas de Jesus de Nazaré (Jim Caviezel), nos mínimos detalhes, desde o momento doloroso da traição de Judas Iscariotes (Luca Lionello) até a sua crucificação no Gólgota, representa vivenciarmos, com o nosso Salvador, seu percurso de sofrimento voluntário, em todas as estações dessa Via Crucis.

“Judas, entregas o Filho do Homem com um beijo? “

Tenho orgulho por divulgar a obra de Mel Gibson muito antes do término do filme, isto é, quando a obra ainda estava sendo realizada, por acreditar em sua proposta inédita e nos sentimentos de respeito e convicção do diretor e produtor. Admirável a sua coragem, transpondo com audácia uma história narrada tantas vezes.

Acreditei na força mística do projeto, na certeza íntima de que a perturbação de muitos também levaria à conversão. E somente isso bastaria para justificar a exposição da violência de que Cristo foi vítima – logo Ele, com a sua mensagem de amor e perdão.

Os maus-tratos, a agonia de Jesus lembram como fomos resgatados para a vida eterna. Levam à reflexão sobre a Cruz, onde a morte se transformou em vida.Para sempre.

Padre Jonas declarou: “ Entrei num cinema para assistir ao filme. Saí de uma igreja.”

O Pastor Clodomir testemunhou na TV Record, em 20/3/04: “ Aquele sangue é vida!”

Padre Quevedo, também numa emissora de TV, afirmou que, apesar do realismo da obra cinematográfica de Mel Gibson, “ na realidade, Jesus Cristo sofreu muito mais do que vemos na tela.”

Herodes pergunta ao Nazareno:

“É verdade que devolves a visão aos cegos? Que ressuscitas os mortos? “

Dirigido e co-produzido por Mel Gibson (também co-autor do roteiro), o filme " A Paixão de Cristo" (The Passion of the Christ -EUA – 2004 – cor, scope, 126 min. – dolby digital) é uma obra de arte, realizada com sensibilidade, eficiência e sentimentos de fé.

“Se não queres ouvir a verdade, ninguém pode te dizer a verdade” (diz Cláudia, ao marido Pilatos, após interceder por Jesus)

Marido e mulher conversam. Ele explica a Cláudia a situação política e o seu problema, como procurador romano.

Mais tarde, pergunta Pilatos aos judeus:

“- E o que vocês querem que eu faça com Jesus, o Nazareno?“

A multidão devolveu a liberdade ao criminoso Barrabás, mas exigiu a crucifixão de Cristo. E Satanás aparece na multidão, se movimentando maleficamente.

Em cena rápida, assistimos à entrada festiva de Jesus em Jerusalém (como relembramos no Domingo de Ramos).

O caminho da Cruz revela-se também o calvário de sua Mãe (a atriz judia, romena, Maria Morgenstern), de Maria Madalena ( Monica Bellucci ) e de seu discípulo João. Que interpretação admirável!

“Meu coração está pronto, Pai“ – e começa a flagelação.

Com excelência demonstrada na produção, direção, interpretação, fotografia, trilha sonora original e belíssima ( coro, orquestração) _ de John Debney _, (premiada com Disco de Ouro, nos EUA ), edição, direção de arte, maquiagem e cenografia; no roteiro, nas locações externas; nos figurinos,efeitos especiais, penteados, adereços e objetos de cena. Merece destaque, ainda, o trabalho dos 20 (vinte) dublês – e dos figurantes também.

E tudo de acordo com os Evangelhos e a tradição oral cristã.

“Porque um dia fomos escravos e agora não somos mais.” (na cena em que aparecem, pela primeira vez no filme, expressivas e belíssimas, a Mãe de Jesus e Maria Madalena)

“Este é o meu Corpo, entregue por vós. Este é o meu Sangue, símbolo da Nova Aliança e derramado por vós para remissão dos pecados. Fazei isso em memória de mim.”

Filmado na Itália (em Matera e Roma), inicia-se no Horto das Oliveiras, com cenas admiravelmente realizadas, quando o Mestre aceita os padecimentos do Calvário, numa antevisão das traições. A iluminação de sombras, luzes e cores acentua a figura de Jesus, ao mesmo tempo abandonado e firme na entrega de Sua vida.

“Confio em Ti. Em Ti busco refúgio.”

Satanás é representado de forma andrógina e sua presença maligna demonstra a origem dos males praticados pelos homens que rejeitam o bem.

À multidão, diz Pilatos:

“Sou inocente do sangue deste homem.”

Na cena do Horto das Oliveiras, Pedro corta a orelha de um dos soldados. Cristo a recoloca e admoesta o seu discípulo (que mais tarde iria nega-Lo três vezes):

“Pedro, guarda a espada. Quem vive pela espada, pela espada morrerá.”

Católico praticante, Mel Gibson há doze anos tentava realizar o filme, falado em aramaico e latim, mas não conseguia apoio. Até que decidiu produzir a obra com os seus próprios recursos (trinta milhões de dólares). Terminada a filmagem, procurou sacerdotes, pastores evangélicos e rabinos, buscando divulgar “A Paixão de Cristo“ e vender ingressos com antecipação. Com a aprovação de padres católicos e dos evangélicos, obteve a distribuição da Fox. Para a estréia nos EUA, havia cinco mil cópias disponíveis.

“Mãe, eu renovo todas as coisas.”

Em dezembro de 2003, uma cópia do filme foi levada ao Papa João Paulo II, por membros do Opus Dei, organização católica de leigos, que promove a evangelização nas respectivas áreas de atuação profissional. O Sumo Pontífice afirmou, ao término da sessão: “Assim foi.” Para o Chefe da Igreja Católica, a obra de Mel Gibson reproduziu fielmente o que as Escrituras Sagradas já nos ensinavam. Entre os agradecimentos, nos créditos finais, está citada a colaboração dos Jesuítas e dos Legionários de Cristo.

“Tumulto no templo. Caifás mandou prender um profeta. Os fariseus o odeiam.”

As qualidades do filme são inegáveis, para os que se dispuserem a fazer um julgamento imparcial quanto à forma e ao conteúdo. Movimentação de câmera, com emocionantes travellings e belas panorâmicas verticais/horizontais; ótima reconstituição de época; som, efeitos sonoros e visuais, efeitos de maquiagem; edição de som, iluminação, ressaltam a mensagem por sua moldura estética, sua plasticidade revelada a cada cena.

“– Ele se proclama rei dos Judeus!

- Não, ele diz que é o Filho de Deus.”

E até as crianças se mostram cruéis, na perseguição a Judas.

“O que fez este homem para merecer esta pena? (...) Alguém pode me explicar esta loucura?”

“Ele seduziu o povo.(...) Ele afirma que é o Messias !”

O olhar de Jesus não deixa dúvidas sobre a interpretação magnífica de Jim Caviezel, que teve um “personal trainer“. Está perfeito no papel!

“O ator que interpreta o papel de Jesus Cristo, Jim Caviezel, é aquele mesmo dirigido por Terrence Malick, como protagonista do seu extraordinário "Além da Linha Vermelha", um dos mais belos filmes dos últimos anos.” (...) “A paixão de Cristo “é realmente um filme emocionante.”

Reynaldo D. Ferreira

Ao Bom Ladrão, arrependido, Jesus crucificado promete:

“Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso.”

Durante a narrativa da Paixão, há alguns flashbacks ( Jesus menino, Jesus carpinteiro,várias cenas da Última Ceia ) que eu destaco por sua beleza e sensibilidade. No Sermão da Montanha, Cristo ensina que devemos amar aos inimigos ( em oposição aos ensinamentos do Antigo Testamento – olho por olho, dente por dente).

“Tenho sede.” ( e lhe dão vinagre para beber!)

A ele que fez milagres, curou os doentes, ensinou amor e perdão.

“Eu sou o Bom Pastor. Eu dou a vida por minhas ovelhas.” (...)

“Ninguém toma a minha vida. Eu tenho o poder de entregá-la livremente.”

(...) (e na Última Ceia: )

“Vós sois meus amigos. Não há maior amor do que dar a vida por seus amigos.” (...)

“O meu mandamento é este: amai-vos uns aos outros, como eu vos amei.”

A crucificação de Jesus é mostrada com essas cenas da Última Ceia intercaladas.

“Eu sou o Caminho, a Verdade, a Vida.” (...)

“Pai, perdoai-lhes! Eles não sabem o que fazem. “

Ao pé da Cruz, a Mãe de coração dilacerado:

“Carne de minha carne, coração de meu coração, deixa-me morrer contigo.”

Mas Jesus responde:

“Mulher, eis aí teu filho. João, eis aí tua mãe.”

Pouco antes de morrer, as palavras que parecem encerrar todo o mistério da Paixão de Cristo:

“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Tudo está consumado. Pai, em Tuas mãos entrego o meu espírito.”

A ventania, a tempestade no Gólgota, envolvendo a terra em trevas.

O corpo de Jesus é retirado da Cruz .

Na última cena , depois que se vê o túmulo vazio, aparece, de perfil, o rosto sereno do Nazareno. “ Eu renovo todas as coisas.”

Durante os créditos finais, a música maravilhosa nos envolve de forma quase mística.

Em algumas entrevistas, o diretor revelou algo muito significativo, sobretudo para encerrar toda essa polêmica sobre quem crucificou Jesus Cristo (os judeus? os romanos?): a mão que coloca os cravos nas mãos e pernas do Salvador é a dele, Mel Gibson. Decidiu com muita convicção que seria ele, Mel Gibson – e nenhuma outra pessoa do elenco ou da equipe do filme – a fazer esse papel. Porque se confessou pecador...e por quem Cristo morreu. Sim, fomos todos nós, pecadores, que O crucificamos.

Que filme extraordinário! Uma obra-prima. Parabéns, Mel Gibson!
 

Jornalismo com ética e solidariedade.