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A HEROÍNA
ARACY CARVALHO GUIMARÃES ROSA
A coragem de uma mulher que salvou vidas
04/11/08
Renata Mielli
Poucos conhecem ou ouviram falar de dona Aracy,
a não ser pelo sobrenome, Guimarães Rosa. Esposa
de um dos maiores escritores brasileiros, passou
sua vida ocultada pela grandiosidade do autor de
Grande Sertão Veredas. Mas Dona Aracy tem luz
própria. Como o Sol, seus raios demoraram alguns
anos para brilhar. Mas enfim brilharam e já
conquistaram seu lugar próprio na história.
Por quê? Aracy Carvalho Guimarães Rosa enfrentou
o nazismo e ajudou a salvar dezenas de judeus
como funcionária do consulado brasileiro,
conseguindo vistos para que eles pudessem
ingressar no Brasil. Por sua coragem e
solidariedade ela é a única mulher citada no
Museu do Holocausto, de Jerusalém, como um dos
escassos 18 funcionários diplomáticos que ao
longo da perseguição nazista se empenharam em
ajudar judeus fugitivos (é a única funcionária
consular, não cônsul ou embaixador, nessa
relação). Seu nome também está relacionado no
Museu do Holocausto, em Washington.
Aracy ainda dá nome a um bosque do Keren
Kayemet, nas redondezas da cidade, trata-se de
uma homenagem e um reconhecimento que o Estado
de Israel presta aos góim (não-judeus) que
ajudaram judeus a escapar do genocídio. Entre os
mais famosos estão o empresário alemão Oskar
Schindler - que inspirou o filme A lista de
Schindler, de Steven Spielberg . Apenas outro
brasileiro, o embaixador Luiz de Souza Dantas
(1876-1954), recebeu a mesma honraria, em 2003.
"Discreta, sem jamais ter caído na tentação de
se promover por ter sido quem foi, Aracy paga
hoje o preço do esquecimento", diz o historiador
e escritor René Daniel Decol, empenhado no
resgate dessa personagem. "Até sua influência
sobre o escritor tem sido negligenciada pela
crítica, pelos historiadores da literatura e
pela mídia".
Paranaense, nascida em 1908, Aracy sempre foi
uma mulher destemida. Na década de 30,
transgrediu costumes ao separar-se do primeiro
marido, numa época em que tal atitude era
condenada por toda a sociedade. Mudou-se com o
filho para a Alemanha em 1934, onde conseguiu
trabalho no consulado brasileiro na cidade de
Hamburgo, como chefe do setor de vistos.
Conhece, em 1938, o diplomata João Guimarães
Rosa, nomeado cônsul-adjunto em Hamburgo.
Apaixonam-se e vivem uma história de amor para
toda a vida.
É ai que começa a trajetória de bravura de dona
Aracy, que enfrentou o nazismo alemão e o Estado
Novo de Getúlio Vargas. Foi quando Hitler
endureceu sua perseguição aos judeus e
aprofundou a política de eugenia e branqueamento
da Alemanha e Getúlio Vargas aderiu abertamente
às políticas de "branqueamento" no Brasil,
restringindo, em 1937 o ingresso de todos os
judeus no país, proibindo as embaixadas
brasileiras na Europa de concederem vistos. O
chefe de Aracy, o cônsul-geral do Brasil em
Hamburgo, Joaquim de Souza Ribeiro, era um
diplomata disciplinado e acatou as
determinações. Dificultava ao máximo a concessão
de vistos a judeus para não desagradar ao
embaixador e ao governo.
Aracy ignorou as determinações do Itamaraty e
criou mecanismos para conceder vistos aos
fugitivos do nazismo. Em entrevista à revista
Isto É, em 2007, o filho de Aracy, o advogado
Eduardo de Carvalho Tess contou que sua mãe
achava aquilo tudo muito injusto "com a maior
discrição, (ela) continuou a preparar os
processos de vistos para judeus, à revelia de
seus superiores", e conta como: "ela enfiava os
vistos no meio da papelada que despachava com o
cônsul-geral, que os assinava sem ver".
Eduardo Tess contou, também que a mãe
transportou, muitas vezes, judeus no porta-malas
do carro do consulado. "Eu me lembro que era um
Opel Olympia alemão. Chegou a levar uma pessoa
até a Dinamarca", disse.
João Guimarães Rosa sabia da ousadia da mulher e
a apoiava, chegando a fazer declarações contra o
regime nazista e, por isso, foi denunciado às
autoridades do Reich.
Com a Guerra, em 1942, Aracy e o marido voltaram
para o Brasil. Foi o período rico da criação
literária de Guimarães Rosa, que contou com
total apoio de Aracy nessa tarefa.
De frente com um novo período de exceção, dessa
vez a ditadura militar instalada no Brasil em
1964, Aracy mostrou novamente sua determinação
em combater as injustiças. Ajudou o jornalista e
crítico literário Franklin de Oliveira a se
exilar e, em 1968, já viúva de Guimarães Rosa,
falecido em 1967, e sob o AI-5, Aracy escondeu
em sua casa no Rio de Janeiro o cantor e
compositor Geraldo Vandré, perseguido pela
repressão política.
Nas vésperas de completar seu centenário, Aracy
começa a ser descoberta pelo povo brasileiro.
Render-lhe esta homenagem é uma reparação e uma
deferência a ela e a tantas outras mulheres que
em sua discrição e anonimato são as verdadeiras
combatentes da liberdade e da democracia.
João Guimarães Rosa, já havia o feito por nós,
em 1956, ao publicar sua obra-prima, dedicando à
Aracy o livro Grande Sertão Veredas. "A Aracy,
minha mulher, Ara, pertence esse livro".
www.fenafar.org.br |
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