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"VISITAR VOVÔ? É COMPLICADO.”
Tereza Halliday – Artesã de Textos
O avô não usa redes sociais, prefere a rede na
varanda, onde o
beija-flor vem visitá-lo de olho na água
oferecida junto às flores.
Houve tempo em que a avó atraía os netos
pequenos com sorvete e
biscoitos feitos em casa. Exigia apenas que
lavassem as mãos antes de
comer. Foi-se a avó, foram-se os biscoitos. Mas
o avô ficou e
costumava convidar para uma partida de dominó.
O avô dava carona de moto no tempo em que era um
idoso sarado.
Cumplicidade, sem o conhecimento da mãe, que
desmaiaria só de pensar
no perigo do passeio. O avô ensinou a pescar,
levou ao estádio de
futebol, mostrou como se corta laranja para
chupá-la sem precisar
descascar, deu dicas para os deveres de casa.
Nunca esquecia de pôr
“um agrado” sub-repticiamente no bolso dos
netos, grande incremento à
mesada apertada. Hoje, esquece quase tudo. Nas
reuniões de família,
pergunta: “Quem é você?” “Ah, Marquinhos...”
repete, sorrindo, o nome
do neto. E pede esclarecimentos: “Você é
filho(a) de quem?”. Pergunta
as mesmas coisas: “Quantos anos você tem? Está
em qual série? Tem
namorada (o)?”.
O avô se refere a um lugar estranho e distante
chamado Passado. Lá
moram as mesmas pessoas de sempre, cujos nomes
os netos estão
saturados de ouvir. Conversar com ele, agora,
não leva a lugar algum.
E é constrangedor vê-lo assim, meio leso, ele
que era tão atento ao
noticiário político e dava conselhos
inteligentes. Visitá-lo? “É
complicado”...
Quando a relação começou, o status de avô trouxe
grandes alegrias ao
velho, não tão velho, que curtiu intensamente
cada fase dos seus
descendentes. Para estes, o status de neto não
traz alegria, com a
nova fase do avô. É duro ter de aguentar alguns
minutos de visita sem
ter mais o que conversar. Um beijo na careca, um
afago naquela mão tão
engelhada parecem agradar ao velho. Mas
visitá-lo não é mais do agrado
dos netos.
Os netos estão no vuco-vuco da faculdade,
estágios, networking para
arrumar emprego. Precisam balançar nas redes
sociais, namorar, ir à
balada, assistir ao concerto da banda favorita,
perder horas no
trânsito para ir e vir. A vida os chama a outras
visitas, exige,
cobra. É o Facebook, o Orkut, a ficada, o
estágio, o mundo que faz
sentido. Visitar Vovô não faz mais sentido.
Ficou chato, triste. O
velhinho já não é o mesmo. E os tempos são
outros. Não há tempo para
visitar Vovô. Mas, de uma coisa podem estar
certos: nenhum neto
faltará ao velório.
(Diário de Pernambuco, 15/08/2011, p.A-11)
Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos
www.terezahalliday.com |
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