|
|
|
|
NÃO DEU TEMPO DE AGRADECER
Tereza Halliday – Artesã de Textos
Correspondência “Registrado-Urgente”, postada a
31 de agosto 2011, entregue em meu endereço na
noite de 2 de setembro: um exemplar do livro
“Rostos e Rastos do Século XX” (Ed.Lumme Editor,
2010), do escritor mexicano Victor Sosa. “Rasto”
é a outra grafia de “rastro”, escolhida para
fazer jogo de palavras com “rosto”. O presente
veio com dedicatória da tradutora, Maria da Paz
Ribeiro Dantas: “Aproveite este para ler no
trânsito maluco daqui; ao menos, não perderá
tanto tempo. Abraço de Maria da Paz”. Uma pitada
de humor e ironia. Ela não sabia que sou
motorista de mim mesma e não poderia realizar
tal façanha no trânsito, ainda mais sendo ele
“maluco”. Mas sabia do meu interesse por livros
sobre vidas marcantes, que nos deixem alguma
lição.
Na manhã seguinte, abro o computador para
enviar-lhe e-mail de agradecimento. Na tela,
mensagem de amiga em comum, anunciando a morte
súbita de Maria da Paz, aos 71 anos, por
enfarte, na quinta-feira 01 de setembro, dia
seguinte à postagem do presente enviado por ela.
Não deu tempo de agradecer. A última visitante
de todos nós levou-a sem aviso prévio de alguma
longa doença dolorosa. Embora sua vida não tenha
sido de saúde. A princípio, locomovendo-se de
muletas, passou a usar cadeira de rodas pelo
resto da vida. Mas sua locomoção intelectual era
ágil e vigorosa como ensaísta - especialista na
poesia de Joaquim Cardozo; poeta - autora de
vários livros, tradutora de outros tantos e
laboriosa na editoração de textos alheios aos
quais aplicava seu olho clínico e tarimbado.
Seu elogio foi feito por escritores e artistas
na matéria “Adeus à poeta tímida e crítica”,
sendo definida como “uma militante da
Literatura” (DP, 3/9/2011, Caderno Viver).
Ressaltaram-lhe também a mistura ímpar de
profunda religiosidade com profundo espírito
crítico. Sim, não são incompatíveis. Foi
homenageada no blog de Maria de Lourdes Hortas,
segundo a qual, Maria da Paz conseguiu realizar
“aquilo que é uma das finalidades da poesia:
harmonizar os vários elementos que compõem a
sinfonia cósmica”.
Além de homenagem a uma trabalhadora intelectual
de respeito, este meu texto propõe reflexão
sobre as coisas que a morte não deixa completar
– uma palavra gentil, um elogio, um gesto de
ajuda, um e-mail de agradecimento. Fiquei a
cismar: só existe o agora – bolha de sabão para
ser curtida enquanto se desmancha no espaço. E,
no agora seguinte, a impossibilidade do não
dito, não feito e não vivido. Muita atenção! A
vida porta o carimbo “Registrado Urgente”.
(Diário de Pernambuco, 12/09/2011, p.A-11). |
|
|
|