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TANCREDO - A
TRAVESSIA
A
desgastada fórmula do
documentário brasileiro
não comporta, com raras
exceções, o
contraditório que, no
caso de Tancredo - A
Travessia, de Silvio
Tendler, seria de
extrema importância para
aclarar, pelo menos, a
causa mortis
repentina do grande
político mineiro. E
também – por que não? -
a sucessão de José
Sarney, contrariando o
rito constitucional, que
exigia, ante a vacância
do cargo de presidente
da República, a
devolução do poder, pelo
general João Figueiredo,
ao Congresso Nacional,
presidido por Ulisses
Guimarães.
De quase
nada disso a película de
Tendler, premiado
realizador de mais de 40
filmes, que retratara
melhor João Goulart, em
Jango (1980), ou
Juscelino Kubitschek, em
Anos JK (1984),
cogita
satisfatoriamente. Ou,
então, não projeta luz
sobre esses importantes
fatos. No primeiro caso,
o cineasta não se
preocupou – o que seria
elementar - em
entrevistar os médicos,
que operaram Tancredo
Neves, nem em levantar
seus boletins,
restringindo-se a
mostrar alguém a
afirmar, na parte dos
fracos depoimentos, que
“eles montaram uma farsa
fotográfica após a
cirurgia”, sem oferecer,
porém, a respeito,
qualquer explicação
adicional.
No
segundo caso, há uma
imagem de Tancredo,
esclarecedora, na qual
ele, antes de se
submeter, em caráter de
urgência, à cirurgia
recomendada pela junta
médica, se mostra
preocupado ante a
possibilidade de
Figueiredo não dar posse
ao seu vice. Isso seria,
por sinal, o correto,
admitido pelo próprio
Sarney, que, em
depoimento, declara sua
estranheza ao receber,
de madrugada, telefonema
do General Leônidas
Gonçalves, indicado para
ser ministro do
Exército, intimando-o a
tomar posse no dia
seguinte.
A
superficial narrativa,
feita em off
pelas vozes de alguns
atores televisivos,
trata apenas das imagens
de arquivo,
conectando-as, umas com
as outras, algumas
realmente impactantes,
como as da
extraordinária
mobilização popular na
campanha pelas Diretas
Já, em frente à
Candelária, no Rio de
Janeiro. E outras ainda,
que focalizam Tancredo
expondo, de forma
serena, em sua
residência de São João
Del Rey, no tom real de
suas conversas, ideias
sobre variados temas,
como aquela em que,
definindo sua maneira de
ser, afirma: -
Mineiro nunca é
radical!...Se for
radical, não é mineiro.
Por outro
lado, a película, embora
laudatória ao excesso –
talvez para dar destaque
ao inegável ideal
civilista de Tancredo
Neves diante da
deprimente realidade
atual em que os
políticos, detentores do
poder, só pensam em
fatiar o país para
satisfazer seus próprios
interesses –, deixa
escapar, sem
desmerecimento para o
biografado, é claro, de
uma maneira “didática”,
o modo sobre como se
escolhiam (ou como se
escolhem porque nada
mudou), pelos vínculos
familiares (agora também
sindicais), os homens
que comandam os destinos
da nação brasileira.
São, como se poderia
dizer, os donatários da
República.
Assim, é
curioso observar que
Tancredo, parente de
Getúlio Vargas, pelo
lado dos Dorneles, foi o
seu derradeiro ministro
da Justiça, quando então
– é preciso reconhecer -
já era parlamentar de
prestígio, representante
de Minas Gerais na
Câmara dos Deputados,
depois de iniciar sua
vida profissional como
promotor. De Getúlio,
ele recebeu, de
presente, a caneta, com
a qual, sem que o
soubesse, redigira sua
dramática
carta-testamento.
A
propósito, a inserção,
no documentário, da
reconstituição cênica da
última reunião de
Getúlio com os seus
ministros é tecnicamente
deficiente, tanto do
ponto de vista do
movimento de câmera,
como das representações,
que, além de empostadas
não convencem de modo
algum. Há de se
considerar, nesse
sentido, que os nossos
atores, não acostumados
a montar peças teatrais
de motivação histórica
ou política, tropeçam,
no geral, quando têm de
enfrentar a temática no
cinema ou na televisão,
como ocorre no caso.
Após a
renúncia de Jânio
Quadros, para que o
vice-presidente João
Goulart tomasse posse no
cargo de presidente da
República, os militares
exigiram a instauração
do regime
parlamentarista. E
Tancredo, é verdade, não
tinha parente entre
eles. Mas fora, a pedido
de uma pessoa de sua
família, quem
intercedera, junto a
Juscelino, conforme ele
lembra, pela promoção de
Castello Branco a
general, o que teria
pesado certamente - isso
o roteiro não menciona –
na sua escolha para
exercer cargo de
primeiro-ministro. Para
secretariá-lo, no
gabinete do Conselho
Ministerial, ele levou o
sobrinho Francisco
Dorneles, que resiste
até hoje às intempéries
políticas, ditatoriais
ou ditas democráticas.
Apesar
disso, Tancredo, segundo
confessa, depois do
golpe militar, não votou
em Castello Branco para
ser, por meio de eleição
indireta, o presidente
da República - o
primeiro do regime
militar -, mas, teve por
ele assegurado o seu
mandato parlamentar, o
que não aconteceu com
Juscelino Kubitschek,
que sofreria a punição,
segundo se sabe, por
exigência do general
Costa e Silva. E quando
Jango morreu, no exílio,
Tancredo, que explorava
bem as oportunidades que
se lhe apareciam, mesmo
sob a mira dos
militares, não se
omitiu. Foi a São Borja,
para as exéquias, a fim
de pronunciar brilhante
discurso, lembrado por
Pedro Simon, numa
emocionante cena do
filme de Tendler, que,
de qualquer forma, vale
a pena ser visto para
relembrar e reflexionar
sobre esses fatos
recentes da nossa
história.
REYNALDO DOMINGOS
FERREIRA
ROTEIRO, Brasília,
Revista
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FICHA
TÉCNICA
TANCREDO
– A TRAVESSIA
Brasil /
2010
Duração –
103 minutos
Direção –
Silvio Tendler
Roteiro –
Silvio Tendler
Produção
– Caliban Produções
Cinematográficas
Fotografia – André
Cavalheira
Trilha
Sonora – Fernando Brandt
e Lucas Marcier
Edição –
Silvio Tendler
Elenco –
Christiane Torloni, Beth
Goulart e José Wilker
(Narradores)
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