Theresa Catharina de Góes Campos

  Date: 2011/12/8
Subject: Comentário: Il Villaggio di Cartone
To: theresa.files

 
Repassando comentário sobre o filme Il Villaggio di Cartone (***), de Ermanno Olmi, exibido na Mostra Internaziole di Venezia, realizada em várias capitais do País.
 

IL VILLAGGIO DI CARTONE

 

É, no mínimo, polêmica a mensagem emitida por Il Villaggio di Cartone, de Ermanno Olmi, exibido na Mostra Internazionale di Venezia, de que a caridade é mais forte do que a fé. A maneira, porém, pela qual a ideia é exposta pelo famoso cineasta, ganhador da Palma de Ouro, em Cannes, por A Árvore dos Tamancos (1978), merece, sem dúvida, ser analisada, pois, em termos dramáticos, ganha dimensão reflexiva, de fundo moral, sobre a intolerância nos tempos atuais.

 

O tema, recorrente no cinema europeu – como Terraferma, de Emanuele Crialese, que abriu regiamente a Mostra -, é o da imigração africana clandestina, focalizado, na película, sob a forma de apólogo. Olmi, de oitenta anos, autor do roteiro em colaboração com Claudio Magri e Gianfranco Ravasi, acredita que a religião se tornou, nos dias de hoje, dispensável. Uma igreja está para ser demolida a fim de dar lugar a um lucrativo empreendimento imobiliário. O pároco (Michael Londsdale), inconformado, já bastante idoso, resiste a deixar o local em que celebrou missa durante toda sua vida. Para ele, aquele é um lugar sagrado.

 

É nesse sentido que o protagonista, admitindo sua impotência para reagir, dialoga com Cristo no momento em que o grande crucifixo, que pairava sobre o altar, é removido por uma grua conduzida por operários. Estes, em seguida, começam a encaixotar as imagens, que ocupavam nichos e altares. Aos poucos, a igreja perde a sua aparência característica sob o olhar atônito do sacerdote, que, magoado, humilhado, sem obter qualquer resposta de Cristo, como esperava, procura se isolar na sacristia.

 

Quando a noite vem, alguns grupos de imigrantes clandestinos, acuados pela polícia migratória, ocupam o local, onde armam barracas de papelão para nelas se abrigarem, constituindo assim a estampa de um vilarejo de presépio. Enquanto o pároco acolhe os desabrigados, oferecendo-lhes o pouco de comida que ainda lhe resta, o sacristão (Rutger Hauer), de face dura, empedernida, não vê de bom grado a ocupação do recinto. É dessa atitude díspare de ambos e da argumentação apresentada, posteriormente, pelo chefe da brigada policial (Alessandro Haber) sobre o cumprimento da lei, que emerge a pregação de dúbio sentido de Olmi, tido como cineasta “religioso”, que, nesse caso, antepõe a solidariedade à fé.

 

Não há dúvida, entretanto, quanto à religiosidade de Olmi, confirmada, em termos estéticos, pela referência evidente às linguagens de Dreyer e de Bresson e, em termos formais, à tragédia Morte na Catedral, de T.S. Eliot. Além disso, observe-se o sugestivo efeito cênico que ele consegue extrair do figurino, usado pelos imigrantes clandestinos, envolvidos, muitos deles, em túnicas semelhantes às das imagens retiradas da igreja pelos operários. Assim, como a composição das cenas é eminentemente teatral – marcada até mesmo pela música e pela iluminação – Olmi reconstitui, com os imigrantes (entre eles, existe um intelectual, o engenheiro), as figurações da Pietà, da Sagrada Família, de São Francisco e de muitas outras imagens.

 

Esse artifício cênico reforça muito, portanto, a expressão do trabalho de Olmi como parábola essencialmente cristã, que vai dar na afirmativa de que ou mudamos o curso da história, ou será a história que nos mudará, conforme está dito ao final do filme. Uma das sequências mais tocantes, por sinal, é a que identifica como sendo as vésperas do Natal, quando o espírito da solidariedade, ao que parece, mais une os cristãos. Nessa época, transcorre a ação, pois o pároco – interpretado por Michael Londsdale -, no auge do desespero, ajoelhado, diante do altar, em lágrimas, canta Adestra Fidelis!... Londsdale, também de oitenta anos, repete sua brilhante atuação em Homens e Deuses, de Xavier Beauvois. Os demais atores – principalmente o alemão Rutger Hauer, como o sacristão – estão todos igualmente muito bem.

 

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista

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FICHA TÉCNICA

IL VILLAGGIO DI CARTONE

Itália / 2011

Duração – 87 minutos

Direção – Ermanno Olmi

Roteiro – Ermanno Olmi, Claudio Magri e Gianfranco Ravasi

Produção – Luigi Musini, Edison Spa

Fotografia – Fabio Olmi

Trilha Sonora – Sofia Gubaidolina

Edição – Paolo Cottignola

Elenco – Michael Londsdale (pároco), Rutger Hauer (sacristão), Massimo De Francovich (médico), Alessando Haber (chefe de polícia).

 

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