|
|
|
|
CALÇADAS DESGRAÇADAS: TEM JEITO
Tereza Halliday – Artesã de Textos
Palavra de caminhante: é um equívoco
tecer loas saudosas às pedras
portuguesas que foram substituídas por
tijolos intertratavados em muitas de
nossas calçadas. Piso de pedra
portuguesa, tal como usado no Brasil, é
péssimo de andar. E totalmente hostil a
carrinho de bebê e cadeira de rodas.
Piso de intertravados é bom de caminhar.
Mas, quando fraco de qualidade e mal
rejuntado, racha, quebra ou se solta
facilmente, sofrendo da mesma falta de
manutenção que devastava as antigas
pedras portuguesas. Inspeção rigorosa de
obras e manutenção adequada do que foi
construído não estão entre as virtudes
dos governos.
Palavra de caminhante: as calçadas desta
cidade são antipedestre. Descalçadas,
entulhadas, rasgadas, esburacadas, mal
calçadas, desgraçadas. Em qualquer
bairro - dos que tem fama indevida de
chiques, aos que amargam o desleixo
exacerbado por serem bairros de
periferia. Numa escala de qualidade,
essas calçadas se distribuem nas
seguintes categorias: monstruosas,
péssimas, ruins, sofríveis e regulares.
Raríssimas exceções entrariam na
categoria “boas”, isto é, planas,
desobstruídas, transitáveis, sem riscos.
A esmagadora maioria das nossas calçadas
indica falta de zelo pelo espaço público
enquanto lugar de todos. E atentam
contra a segurança dos cidadãos que
teimam em caminhar, ou são forçados a
fazê-lo. Para economizar na passagem ou
não perder horas de vida no tráfego de
veículos, muitos se arriscam a
atropelamentos, quedas, entorses,
fraturas, hematomas, arranhões advindos
dos obstáculos no seu caminho de
pedestres sofridos. Em toda cidade que
se preze – e a nossa nem se preza nem é
prezada - as calçadas são para os
habitantes se deslocarem a pé, com
facilidade e segurança. “Elementar, meu
caro Watson”, diria Sherlock Holmes.
Mesmo quando as “culpadas” são as raízes
das árvores, há como gradeá-las e criar
trilha desobstruída, como vi dois
pequenos exemplos nos bairros do
Espinheiro e Derby, no Recife.
Palavra de caminhante: é auspicioso que
as autoridades responsáveis pela
mobilidade (ou imobilidade) urbana
“descobriram a pólvora” em pleno século
21, ao considerar calçadas próprias para
pedestres como parte da equação do
trânsito de veículos. Já se fala na
“importância política de focar no
pedestre”. Antes tarde do que nunca. É
possível acionar os poderes - executivo,
econômico, judiciário, educativo - para
transformar qualquer aspecto da
sociedade. Um novo PAC (Programa de
Arrumação das Calçadas), uma Bolsa
Pedestre, seriam eficazes agentes de
mudança social. Não é piada. É questão
de vontade política. Quando um
governante quer porque quer, as coisas
acontecem no município, estado, país e,
até mesmo, nas calçadas.
(Diário de Pernambuco, 16/01/2012,
p.A-11)
Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos |
|
|
|