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Reflexões Homiléticas para Fevereiro de
2012
Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail:
thughes@netpar.com.br
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QUINTO DOMINGO COMUM - 05.02.2012
Mc 1, 29-39
“Foi para isso que eu vim”
O nosso texto de hoje pode ser dividido
em três partes: vv 29-31 - a cura da
sogra de Pedro; vv 32-34: curas em
Cafarnaum; vv 35-39: Jesus reforça a sua
vocação e missão pela oração. O conjunto
forma uma unidade que pode nos ensinar
coisas importantes para a nossa vida de
cristãos.
A cura da sogra de Pedro faz contraste
com a cura no texto no trecho anterior
(1, 23-28). Aquela cura se dava em um
lugar considerado “sagrado” - a sinagoga
- enquanto a de hoje se realiza em um
lugar considerado “profano” - a casa;
aquela era de um homem, a de hoje de uma
mulher; a primeira em um lugar público,
a da sogra em um lugar privado. Assim,
Marcos enfatiza que a missão libertadora
de Jesus abrange tudo e todos, sem
distinção de gênero, condição social, ou
local. Jesus mostra que na verdade não
existem locais “sagrados” ou “profanos”,
pois Deus está, e age, em todo lugar
onde há os seus filhos e filhas. A
sogra, quando curada, levanta-se e
começa a servir os discípulos - ou seja,
quem é libertado por Jesus não se
satisfaz com isso, mas em resposta
coloca-se a serviço da comunidade. O
encontro com Jesus nunca é algo somente
intimista, como querem tantos grupos e
movimentos hoje, mas sempre leva à
comunidade e à missão.
A cura das multidões de doentes nos
mostra a situação do povo do interior da
Galiléia no tempo de Jesus - muitos
doentes de todos os tipos, por falta de
recursos. Muito semelhante ao Brasil de
hoje. Jesus expulsa os demônios - que
significavam, na linguagem daquela
época, tudo que oprimisse a pessoa
humana, todas as manifestações do mal.
Como o texto anterior, o atual também
nos convida a descobrir quais as
manifestações do mal que devem ser
afugentadas da nossa sociedade de hoje -
as que deixam tantas pessoas sem saúde,
sem recursos, sem uma vida digna dos
filhos/as de Deus. Nos convida a lutar,
não através de “exorcismos”, muitas
vezes teatrais e chocantes, mas através
de uma luta permanente e firme em favor
dos Direitos Humanos do nosso povo
sofrido.
A terceira parte do texto nos traz o
segredo da força da missão de Jesus.
Mesmo esgotado com o trabalho em favor
do povo, ele se levanta de madrugada
para ficar na intimidade com o Pai. Na
solidão do sertão, em oração, ele reza a
sua missão e se abastece com a força do
Pai. Na solidão do mato, Jesus achou a
força para poder levar a sua missão até
o fim na fidelidade - até o ponto de
fracassar, humanamente falando! A
atitude de Pedro e dos companheiros é
outra - “Todos estão te procurando!”
Isso significa, “Você está fazendo
sucesso em Cafarnaum - volte para lá,
faça mais sucesso ainda!” A tentação
permanente do poder e da fama - onde no
fundo se busca mais a auto-realização e
o prestígio do que a vontade de Deus.
Tentação muito atual para nós, nos dias
de hoje, com tanta manipulação da
religião pelos meios de comunicação. Mas
Jesus não cai - a resposta d’Ele é
contundente: “Vamos para outros lugares,
pois foi para isso que eu vim”. Jesus
não deixa que a fama e o prestígio o
tirem do caminho do Servo de Javé - ele
anda pelas aldeias da Galiléia, no “fim
da picada”, para levar a compaixão de
Deus aos mais abandonados e sofridos,
nos becos-sem-saída de Israel.
Esse trecho demonstra a dinâmica interna
da vida de Jesus, que deve ser a da cada
vida cristã. Quanto mais ele trabalha na
missão, mais ele sente a necessidade de
rezar. Mas, mais que reza, mais tem
força para voltar à missão. Jesus não
está a serviço d’Ele mesmo, nem de uma
estrutura - mas do Pai e do povo, dois
aspectos da mesma missão. O texto nos
adverte contra duas tentações tão comuns
na Igreja de hoje - a de só trabalhar,
sem aprofundar a vida íntima com Deus e
a de só “rezar” de uma maneira
individualista e intimista, sem a
dedicação à missão. Jesus mostra que a
missão leva à oração e a oração leva à
missão - e não a qualquer missão, mas à
missão da libertação do povo sofrido e
oprimido, sinal da presença do Reino de
Deus entre nós..
SEXTO DOMINGO COMUM - 12.02.2012
Mc 1, 40-45
“E de toda parte, as pessoas iam
procurá-lo”
O primeiro capítulo de Marcos termina
com um trecho que pode esclarecer o quê
significava para Jesus “ir adiante e
pregar a Boa-Nova” (Mc 1, 38s). Marcos,
diferente dos outros evangelistas,
raramente nos conta o conteúdo da
pregação de Jesus. Mas, ele ilustra esse
ensinamento, relatando ações de Jesus
que demonstravam o sentido da chegada do
Reino e da sua Boa Notícia.
O texto de hoje conta a cura de um
leproso. Os leprosos eram entre os mais
marginalizados da época (mesmo que agora
a medicina saiba que a doença de Hansen
como tal não existia na Palestina do
tempo de Jesus, e que essas pessoas
sofreram de diversas doenças da pele e
não da Hanseníase, propriamente dita!).
Eram obrigados a viver fora da cidade ou
aldeia, longe do convívio social, por
motivos higiênicos e religiosos (Lv 13,
45-46). A única esperança do leproso de
ser reintegrado na comunidade estava
através de uma cura por parte de Jesus.
Ele diz algo significativo “se queres,
tu tens o poder de me curar”. Pois, em
Marcos, Jesus nunca faz milagre para
despertar a fé - pelo contrário só faz
milagre onde a fé já existe. O milagre
em Marcos nunca causa a fé, mas é a fé
que causa o milagre. Isso se torna
importante: recordar no nosso mundo tão
entusiasto em correr atrás de supostos
milagres e milagreiros, e pouco adepto a
aprofundar a fé em Jesus no seguimento
d’Ele até a cruz. O Evangelho de Marcos
tem pouco lugar para a religião “light”,
tão em voga hoje em diversos segmentos
das Igrejas cristãs.
A reação de Jesus é interessante: “Jesus
ficou cheio de ira” - certamente não com
o leproso, mas com o sistema social e
religioso que marginalizava uma pessoa
humana em nome de Deus. As leis de
pureza, inventadas pelos homens e
atribuídas a Deus, tinham o efeito de
excluir muitas pessoas da convivência
humana e religiosa. O Evangelho nos
desafia para que tenhamos a coragem de
examinar as nossas leis e práticas para
verificar se nós também não criamos
classes de excluídos e cristãos da
segunda categoria, em nome de Deus!
Depois da cura do leproso, encontramos
um elemento característico do Evangelho
de Marcos - o chamado “segredo
messiânico”. Jesus proíbe que ele conte
para os outros a história da cura! Que
esperança! O homem sentiu necessidade de
espalhar a boa-notícia da sua cura -
naturalmente. Essa proibição vai
aparecer muitas vezes em Marcos - e no
relato da confissão de Pedro na estrada
de Cesaréia de Filipe vamos ver o motivo
atrás dele. Pois Jesus não quer que o
povo siga-O, buscando prodígios e
milagres, mas quer que todos se tornem
os seus discípulos como o Servo de Javé,
pegando a sua cruz na luta por um mundo
melhor, a concretização do Reino de
Deus. Por isso, é de desconfiar de
pregações e celebrações religiosas que
se limitam a experiências intimistas de
Deus sem um engajamento na transformação
do mundo e das suas estruturas.
Finalmente, o homem deve apresentar-se
aos sacerdotes para que a sua cura seja
autenticada, segundo as leis levíticas.
Pois para Jesus, não basta a cura
individual - Ele quer que todas as
pessoas sejam integradas em uma vivência
comunitária sem marginalização por causa
de gênero, classe social, raça, cor ou
saúde! A fé em Jesus leva a um mundo
totalmente diferente do mundo de
exclusão que é a nossa atual sociedade
neo-liberal e consumista! E diante dessa
boa-nova de inclusão, o povo excluído
corre atrás de Jesus, pois Ele manifesta
a verdadeira face de Deus a eles, o Deus
de bondade e perdão, cujo rosto tinha
sido escondido pelas leis de puro e
impuro do Templo e do sistema sacerdotal
e farisaica da época - “e de toda parte
as pessoas iam procurá-lo”.
SÉTIMO DOMINGO COMUM - 19.02.2012
Mc 2, 1-12
“Nunca vimos uma coisa assim”
O texto de hoje inicia uma série de
cinco controvérsias entre Jesus e
diferentes grupos dentro do judaísmo da
sua época (fariseus, escribas, batistas,
saduceus, herodianos), mostrando como o
sistema religioso e político vigente era
incapaz de reconhecer a novidade da
chegada do Reino de Deus e se opunha a
Jesus. Essa série vai de 2, 1 até 3, 6 e
vai terminar com a frase “faziam um
plano para matar Jesus”. É como se
Marcos quisesse mostrar-nos para onde
levaria a fidelidade de Jesus no
seguimento da vontade do Pai. Já a Cruz,
começa a mostrar a sua sombra desde o
início.
A primeira das controvérsias é gerada
pela cura de um paralítico. Para
imaginar a cena, devemos lembrar que se
trata de uma casa da Palestina antiga -
uma casa de um só andar, cujo teto em
forma de terraço era feito de taipa -
por isso a facilidade em descer a maca
pelo teto. Mas, aqui também se esconde
uma verdade sobre a vivência que Jesus
quer - o paralítico dependia da
solidariedade dos outros para que
chegasse ao local da cura. Não é
possível o verdadeiro seguimento de
Jesus sem a solidariedade efetiva,
especialmente com os mais sofridos e
frágeis da sociedade. Mais uma vez,
Marcos enfatiza que a fé precede o
milagre, pois Jesus logo faz a cura
“vendo a fé que eles tinham”. É bom
notar que a fé que Jesus notou era
“deles”, isso é, não somente do
paralítico, mas dos companheiros que o
levavam até Jesus.
Mas, também Jesus não se contenta com um
milagre que somente sana o sintoma do
mal. Ele diz “os seus pecados são
curados” - pois atrás de todos os males
do mundo há o pecado como raiz - seja
pecado individual ou, muitas vezes,
social e comunitário. Como diz Paulo “a
criação inteira geme como em dores do
parto”. Quantos sofrimentos hoje são
causados pela ganância e corrupção
enraizadas na estrutura da nossa
sociedade? Jesus ensina que não podemos
nos contentar somente com ações isoladas
que dirimem alguns casos individuais -
por tão importantes que possam ser esses
gestos de solidariedade. Também temos
que extirpar do nosso meio as raízes dos
males - não com ritos esdrúxulos, mas
com ações organizadas, motivadas pela
fé, para que construamos o mundo que
Deus quer, onde “todos tenham a vida e a
tenha em abundância” (Jo 10, 10).
Mais uma vez, é interessante comparar no
texto as reações das pessoas diante da
ação libertadora de Jesus. Os donos do
poder, aqui representados pelos doutores
da Lei, ficam escandalizados e
enraivecidos com Jesus, pois a pregação
e a ação d’Ele ameaçam o seu poder
hegemônico sobre o povo. Mas, do outro
lado, o povo simples, sofrendo a
opressão da classe dominante
político-religiosa, fica cheio de
admiração e de alegria e louvam a Deus,
pois “nunca vimos coisa assim”. Sempre
há quem se escandalize com a pregação ou
ação libertadora, pois querem a
continuidade de um sistema opressor,
seja ele político, econômico, ou
religioso, - ou muitas vezes uma
combinação dos três, pois frequentemente
a religião é usada para justificar, em
nome de Deus, a exploração
sócio-econômica da maioria.
A ação de Jesus é integral. Ele cura por
fora e por dentro. Não podemos nos
contentar com uma ação que não tem essa
integração - não há cura “interior” a
não ser que leve a um mundo material
onde todos têm vida digna; mas, uma ação
que ataca os sintomas dos males também
não surtirá efeito duradouro se não
atingir a raiz dos males - o pecado, a
opção pelo mal, nos seus aspectos
individuais, sociais e comunitários.
PRIMEIRO DOMINGO DA QUARESMA (26.02.12)
Mc 1, 12-15
“Durante quarenta dias, no deserto, ele
foi tentado por satanás”
Os três evangelhos sinóticos contam a
história das tentações de Jesus no
deserto - Marcos de uma forma resumida,
Mateus e Lucas mais detalhadamente. Mas,
devemos lembrar que esses relatos
procuram expressar uma experiência
mística de Jesus, e então não devem ser
interpretados ao pé da letra ou de uma
maneira fundamentalista!
Uma coisa logo chama a atenção – nos
três Evangelhos as tentações vêm logo
após o batismo de Jesus! O batismo
significava o assumir público da sua
identidade e missão, como Servo de Javé.
Logo após esse compromisso, Ele tem que
enfrentar as tentações. Aqui a
experiência de Jesus é como a nossa
própria - nós temos compromisso com o
projeto de Deus, mas, entre o nosso
compromisso e a nossa prática do
seguimento de Jesus, existem muitas
tentações!!
Marcos sublinha que “o Espírito impeliu
Jesus para o deserto”. O Espírito não
conduz Jesus à tentação, mas é a força
sustentadora d’Ele, durante as suas
tentações. Como o Espírito dava força a
Jesus, Marcos quer ensinar às suas
comunidades que elas também poderão
contar com este apoio do Espírito Santo
nos momentos difíceis da vivência da sua
fé!
O relato mais desenvolvido de Lucas (Lc
4, 1-14) pode nos ajudar a aprofundar o
sentido das tentações de Jesus. Nelas
podemos reconhecer as mesmas tentações
que nós, individualmente e
comunitariamente, enfrentamos na nossa
caminhada da fé hoje! Primeiro, Jesus é
tentado a mandar que uma pedra se torne
pão. Podemos ver aqui a tentação do
“prazer” - logo que enfrenta um
sacrifício por causa da sua opção, Jesus
é tentado a escapar dele! Uma tentação
das mais comuns hoje, em um mundo que
prega a satisfação imediata dos nossos
desejos, criando necessidades falsas
através de sofisticadas campanhas de
propaganda. Pois, vivemos em uma
sociedade que prega o individualismo,
onde a regra é “se quer, faça!”, e onde
sacrifício, doação e solidariedade são
considerados como ladainha dos
perdedores! É só olhar o número de
casamentos que fracassam diante da
primeira crise, ou a quantia de
seminaristas, religiosos/as e padres que
desistem, às vezes pouquíssimo tempo
depois de professar os seus votos ou de
se ordenar, diante de uma sentida falta
de “auto-realização imediata”. A
resposta de Jesus é contundente: “Não só
de pão vive o homem”. O homem vive de
pão certamente, mas não só! Jesus não é
sádico, contra o necessário para viver
dignamente. Mas salienta muito bem que
não é somente a posse de bens que traz a
felicidade, mas a busca de valores mais
profundos, como a justiça, a partilha, a
doação, a solidariedade com os
sofredores. Não faz nenhum contraste
falso entre bens materiais e espirituais
– ambos são necessários para que se
tenha a vida plena! Nessa frase, Jesus
desautoriza tanto os que buscam a sua
felicidade na simples posse de bens,
como os que dispensam a luta pelo pão de
cada dia para todos!
A segunda tentação pode ser vista como a
do “ter”. De novo algo muito atual! Nós
vivemos na sociedade pós-moderna da
globalização do mercado, do
neoliberalismo, do consumismo, do
“evangelho” do mercado livre.
Diariamente, a televisão traz para
dentro das nossas casas a mensagem de
que é necessário “ter mais”, e que não
importa “ser mais”! Como sempre, a
tentação vem em forma atraente - até a
Igreja pode cair na tentação de achar
que a simples posse de bens, que podem
ser usados em favor da missão, garantirá
uma pregação mais evangélica. Isso sem
falar das pregações midiáticas que
glorificam um Deus que supostamente faz
da posse de bens materiais sinal da sua
bênção! Somos tentados a não acreditar
na força dos pobres, de não seguir o
caminho do carpinteiro de Nazaré. Jesus
também teve que enfrentar esta tentação
- Ele que veio para ser pobre com os
pobres, para mostrar o Deus que opta
preferencialmente pelos sofredores, é
tentado a confiar nas riquezas! Para o
diabo - e para o nosso mundo que
idolatra o bem-estar material e o lucro,
mesmo sacrificando a justiça social -
Jesus afirma: “Você adorará o Senhor seu
Deus, e somente a ele servirá” (v. 8).
A terceira tentação pode ser entendida
como a do “poder”. Uma tentação
permanente na história da Igreja e dos
cristãos. Quantas vezes a Igreja
confiava mais no poder secular do que na
fragilidade da cruz, para “evangelizar”.
Quanta aliança entre a cruz e a espada -
a América Latina que diga! Ainda hoje
todos nós enfrentamos esta tentação -
não de ter poder para servir, mas de
confiar no poder aparente deste mundo,
mais do que na fraqueza aparente de
Deus. Jesus, que veio para servir e não
para ser servido, que veio como o Servo
de Javé e não como dominador, teve que
clarificar a sua vocação e despachar o
diabo com a frase: “Não tentarás o
Senhor seu Deus” (v. 12).
Realmente, podemos nos encontrar nas
tentações de Jesus! São as tentações do
mundo moderno - o ter, o poder e o
prazer! Coisas boas em si, quando bem
utilizadas conforme a vontade de Deus,
mas altamente destrutivas quando tomam o
lugar de Deus em nossas vidas! Jesus
teve que enfrentar o que nós enfrentamos
- o “diabo” que está dentro de nós, o
tentador que procura nos desviar da
nossa vocação de discípulos. O relato de
Lucas nos coloca diante da orientação
básica para quem quer vencer: “Você
adorará o Senhor seu Deus, e somente a
ele servirá” (Lc 4, 8).
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Pe. Tomaz Hughes, SVD
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