Theresa Catharina de Góes Campos

 
"A RODEAR MARES E JARDINS", de Reynaldo Domingos Ferreira

O escritor, jornalista e advogado Reynaldo Domingos Ferreira, autor de obras publicadas - em gêneros literários desde peças de teatro, poesia e memórias, ao "Dicionário da Dívida Externa Brasileira", tem novo livro editado:

"A Rodear Mares e Jardins".

O título, conforme explica Reynaldo Domingos Ferreira, " surgiu de uma expressão - a rodear jardins - regularmente usada pelo padre Antônio Vieira para significar divagação ou andar sem rumo."

A RODEAR MARES E JARDINS reúne três narrativas de viagens: a primeira, a Nova York, com o Coro Sinfônico da UnB - para cantar no Carnegie Hall; a segunda, ao Vale do Loire, com um grupo de vinte pessoas de Brasília; e a terceira, a bordo do veleiro Beethoven, atracado na marina de Puerto La Cruz, na Venezuela, a convite de um amigo para velejar no Mar do Caribe.

Os relatos minuciosos dessas três viagens nos demonstram a cultura enciclopédica de Reynaldo Domingos Ferreira, já bastante conhecida pelos admiradores de outros textos de sua autoria.

Aos leitores desavisados, a evocação lírica do título talvez engane, de início, porque antecipariam uma leitura de roteiros poéticos. Embora se possa, a qualquer momento, enxergar poesia em tudo que encontramos, o que se comprova nas páginas de A Rodear Mares e Jardins, onde a poesia se faz presente, noite e dia, na tristeza e no entusiasmo, na solidão e no convívio humano.

Na obra repleta de informações, vê-se que o escritor, em seus relatos de viagens, faz observações sobre: urbanismo e arquitetura, fatos e personalidades, administração federal e municipal; literatura universal, história e música; enologia, gastronomia e hábitos alimentares; botânica, geografia física; biografias e crítica literária; artes plásticas e cênicas (teatro, dança e cinema ); biografias, costumes, comportamento e política; mobiliário e decoração; características e tendências econômicas, oscilações do mercado!

Longe de casa, o viajante Reynaldo Domingos Ferreira não se manteve afastado intelectualmente do Brasil. Em várias oportunidades, fez comparações no tempo e no espaço.

Ao longo de seus itinerários, o escritor mantém o hábito de comprar jornais, acompanha editoriais e notícias publicadas na imprensa dos países visitados. A ênfase maior, contudo, ele coloca além das modernidades e dos avanços tecnológicos - está nas pessoas, nos encontros e relacionamentos. Comparece a um casamento, vai ao cinema, canta ao lado de novas amizades, conversa sobre livros e a cultura dos povos, posiciona-se na questão separatista dos bascos, visita museus e assiste a uma ópera, na companhia de amiga.

Em A Rodear Mares e Jardins, somos convidados a empreender, prazerosamente, a leitura do que seria identificada, se o objetivo fosse a publicação na imprensa, como uma série de reportagens especiais, escritas com erudição - jornalismo cultural, realizado com olhar atento, em atitude ativa, com a reflexão crítica que abrange os detalhes inseridos no conjunto interpretado, sem faltar uma análise que considera as observações na perspectiva necessária. Aqui não está ausente a coragem das opiniões pertinentes, fundamentadas com objetividade.

A realidade surge como tela viva, emoldurada por contexto específico.

As numerosas citações, eficientes e apropriadas, mostram-se absolutamente adequadas, acrescentando beleza e sensibilidade às narrativas.

Em Nova York, a música é o fio condutor a reger a programação, portanto, exerce com elegância a função de protagonista.

Ressalta-se ainda, nessas páginas, um poema de Reynaldo Domingos Ferreira; com o registro de textos reproduzidos no latim original; e a descrição dos acontecimentos que precederam a viagem, dos antecedentes das decisões, das providências para que a apresentação do Coro Universitário da UnB se concretizasse, apesar das inúmeras dificuldades em conseguir patrocinadores. Os interesses políticos, em sua maioria camuflados, por isso desconhecidos pelo grande público, compõem os bastidores, aos quais se acrescentava a influência do grupo religioso frequentado por alguns personagens.

Na segunda viagem (Ao Longo do Vale do Loire), a narrativa mostra, em destaque, a enologia e a gastronomia.

Reynaldo Domingos Ferreira descreve as características dos famosos vinhos franceses, o cultivo, os diferentes processos usados na fabricação dos vinhos, as adegas e a rotina dos viticultores; assim como os saborosos cardápios, servidos aos turistas durante o itinerário.

Castelos, igrejas, capelas e catedrais também estão no roteiro, que se curva à beleza dos templos franceses. O autor afirma sua preferência pela Catedral de Saint-Étienne: "uma das mais belas da França".

Visitando com o narrador os locais em que se reverencia a corajosa e piedosa guerreira Joana d'Arc (1412-1431), recordamos as batalhas que a jovem heroína liderou, as ciladas de que "A Donzela de Orléans" foi vítima e tantos sofrimentos lhe causaram, na sua breve existência.

Reynaldo Domingos Ferreira também registra o reconhecimento de Jules Michelet como o melhor biógrafo de Joana d´Arc.

Na terceira viagem, o tema não é apenas a experiência de velejar no Mar do Caribe. Sobressai a inquietação do escritor ante o cenário desolador da situação política na Venezuela, presidida pelo ditador Hugo Chávez, seguidor de Fidel Castro. Dramas e tragédias, nesta última parte do livro, inclusive as condições de pobreza e ausência de serviços básicos para a população, estão paralelamente descritos às muitas oportunidades de convivência tranquila, conversas e refeições partilhadas com velejadores e seus familiares.

A Rodear Mares e Jardins, de Reynaldo Domingos Ferreira, me levou a evocar, em uma extraordinária peregrinação no tempo: os artistas rupestres, que transmitiram movimento a seus desenhos nas cavernas pré-históricas; as viagens do fabulista Esopo, na Antiguidade; os jograis, menestréis e trovadores medievais, que visitavam castelos e vilas, acompanhados de sua música e poesia, observando e trocando informações preciosas.

E a evocação de outro viajante, o jesuíta missionário e dramaturgo Padre José de Anchieta, que escreveu cartas, sermões, poesias e uma gramática da língua tupi.

Encerro esta primeira leitura de A Rodear Mares e Jardins (o livro merece mais, por ser tão agradável e pleno de informações) com a nítida impressão de que Reynaldo Domingos Ferreira, nos relatos de suas três viagens, demonstrou, em todos os momentos, vivenciar essas experiências como um capitão de barco que, com mar tranquilo ou agitado, entre calmarias e tempestades, com maturidade e destemor registrou "quase tudo", em seu "diário de bordo".

Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília, 9 de janeiro de 2012
 

Jornalismo com ética e solidariedade.