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UM COTIDIANO PERDIDO NO TEMPO - Theresa
Catharina de Góes Campos
A evolução artística, em seu caminhar
histórico, tem demonstrado, desde as
pinturas rupestres da Pré-História, que
a permanência das manifestações
culturais entre os homens não se explica
pela sofisticação ou por modismos, nem
por sensacionalismo, e sim, por suas
características essencialmente
universais, ainda que sob a aparência de
realidade local.
Os versos de “Antígona” em que Sófocles
expressou a fidelidade à consciência, ao
invés da submissão a leis injustas,
continuam a ressoar no coração dos
espectadores contemporâneos, a despeito
da distância em que nos encontramos da
Antigüidade Clássica Ocidental.
A mitologia greco-romana falava da morte
através das Três Parcas – as deusas
Cloto, Láquesis e Átropos, que fiavam,
dobravam e cortavam o fio da vida. As
lendas e fábulas populares, de épocas
distantes, sobreviveram porque traduzem
anseios, medos e crenças comuns.
Daí acreditarmos na simplicidade, na
singeleza de “UM COTIDIANO PERDIDO NO
TEMPO” , de Nirton Venancio ( Brasil,
1988 - 35mm - cor - 13 min. ficção),
porque estamos diante de um filme
realizado com autenticidade, fruto de
uma empatia que produz o milagre tão
necessário da comunicação entre as
gerações.
Recomendamos com louvor especial esse
curta-metragem,Tatu de Ouro da XVII
Jornada Internacional de Cinema da Bahia
e Menção Honrosa da Organização Católica
Internacional de Cinema (OCIC) – além de
ter levado o Tatu de Bronze na categoria
de melhor fotografia (Ronaldo Nunes). Na
11ª. Jornada de Cinema e Vídeo do
Maranhão, em novembro do mesmo ano
(1988), também obteve o Troféu Guarnicê
como melhor curta-metragem e, de novo,
mereceu a Menção Honrosa da OCIC.
Consideramos que se trata de uma obra
para ser vista mais de uma vez,
analisada e debatida por todas as faixas
etárias, enfim, de interesse para o
público em geral, pois aborda uma
temática que se torna cada dia mais
atual: o isolamento a que ficam
relegadas as pessoas idosas, nesta
sociedade tecnológica e da comunicação
de massa, cada vez mais empobrecida nas
áreas afetivo-sentimentais. Um filme
humano, caridoso e carinhoso, solidário;
é constatação, denúncia e arte cumprindo
o seu papel como expressão e comentário
da vida, nos seus fundamentos e aspectos
mais pungentes, com as dificuldades
implícitas às circunstâncias, a
impedirem uma qualidade desejável -
possível - da existência, mesmo em idade
avançada.
É preciso que façamos, humildemente, o
mesmo percurso que NIRTON VENANCIO
empreendeu, corajosamente e com uma
ternura imensa, ao se debruçar sobre a
rotina de três senhoras que viveram os
seus ciclos biológicos e cumpriram
tarefas úteis para os que lhes eram
próximos; na última fase de sua vida se
encontram, afinal, diante de uma
realidade que não conheciam e para a
qual ninguém pode estar suficientemente
preparado: a solidão da velhice, ainda
quando saudável e dispondo de certo
conforto.... Embora o cenário, as roupas
e as falas tragam a identificação
temporal, não devemos ignorar que, na
fidelidade à história de três mulheres
(com 91, 88 e 86 anos), habitantes de
Cratéus, Ceará, compreendemos um drama
que vai além do Nordeste e até do
Brasil, pois sabemos que a longevidade
conquistada nos países chamados
desenvolvidos vem enfrentando a angústia
silenciosa provocada pela separação da
família, dos amigos e colegas de
trabalho. Alcançada essa última etapa, o
que seria a alegria de um possível
descanso parece ter se transformado em
tristeza nem sempre disfarçada,
considerando-se que as paredes
resistentes de uma casa não oferecem
aquela proteção tranqüila proporcionada
pela presença e pelo carinho dos entes
queridos cada vez mais distantes e
ausentes. Como substitutos pobres de
conteúdo humano real – no sentido de que
não podem preencher o vazio causado pela
ausência das relações interpessoais face
a face, lado a lado – há os meios de
comunicação tecnológicos, como o rádio e
a TV; entretanto, as três espectadoras
idosas, apesar de recorrerem a essas
tecnologias como distração (sim,
entretenimento, mas não, intercâmbio de
idéias, ou troca de confidências,
opiniões ou experiências...), não
parecem entusiasmadas ou envolvidas, com
prazer idêntico ao que lhes davam as
tarefas do seu cotidiano do passado. Daí
a importância das recordações e cartas,
que funcionam como elementos essenciais
de ligação entre o ontem – com tantas
lembranças, tantos afazeres! - e o
presente, a se arrastar silencioso (um
silêncio que grita para dentro, mais
forte que os ruídos e as palavras
repetidas no rádio e na televisão...) e
sem rumo. Os familiares e amigos, ainda
que mais visíveis no passado,
representam uma promessa de esperança
sem a qual o dia que amanhece e termina
seria um acontecimento absurdo, indigno
de ser vivido porque já iniciado com as
marcas solitárias da velhice.
Ah, louvemos e agradeçamos ao cineasta,
por nos ter colocado diante de suas
imagens sonoras e coloridas, produto de
tanta sensibilidade, em meio à violência
intelectual e espiritual em que vivemos,
muitas vezes soterrados a ponto de só
nos importarmos com as nossas
necessidades individuais agora, neste
instante, sem ao menos procurarmos
visualizar o momento seguinte, a próxima
etapa, o despontar do amanhã.
Educador de gerações, o cineasta cumpre
a sua missão civilizadora através da
mensagem cinematográfica – e foi isto
que NIRTON VENANCIO fez: com os olhos
perscrutadores da câmera, olhou a imagem
disponível (que muitos outros não
viram!) com profundidade, disposto a
revelá-la.. cobrou um espaço em nossa
vida para essa imagem da velhice
despojada de fascínio comercial,
desglamourizada, e expôs, de forma
despojada mas nem por isso menos
convincente, a tragédia universal de uma
solidão desnecessária...
A obra de NIRTON VENANCIO tem o
potencial de iniciar um processo de
conscientização... cabe a nós aceitarmos
o desafio e darmos a nossa contribuição
individual, em nosso cotidiano
egoisticamente infantil, para uma
comunicação melhor com a Terceira Idade.
Inspiremo-nos o quanto antes nas
civilizações orientais, que respeitam e
veneram a sabedoria dos idosos,
tradicionalmente procurando aprender com
a sua experiência, ouvindo suas
palavras, integrando-os à comunidade e
ao seu processo evolutivo. Aliás, “UM
COTIDIANO PERDIDO NO TEMPO” tem, como um
de seus méritos, esse potencial de
provocar debates que se fazem urgentes,
aqui no Brasil, sobre a situação
desesperadora da velhice desamparada,
vivendo um drama diário muito mais
doloroso que o isolamento das três
senhoras protagonistas do filme.
A proximidade com a Idade de Ouro trará
benefícios mútuos; contudo, para sermos
sinceros, devemos admitir que, para nós,
significará muito mais: o que
aprendermos com os idosos ainda poderá
transformar o nosso dia-a-dia, pois o
tempo parece estar a nosso favor... Não
deixemos passar a oportunidade!
Que o curta-metragem de NIRTON VENANCIO
toque de modo especial (e permanente) a
nossa mente e o nosso coração. Que “UM
COTIDIANO PERDIDO NO TEMPO” abra um
espaço necessário em nossa vida tão
atribulada e apressada, até insensível,
de modo que possamos enriquecê-la,
SENSIBILIZÁ-LA, com a presença dos que
nos antecederam no tempo.
Brasília, 22/5/1989
Theresa Catharina de Góes Campos
Ver também:
AS MÃOS VESTIDAS DE RUGAS
http://www.theresacatharinacampos.com/comp2562.htm
-Re: UM
COTIDIANO PERDIDO NO TEMPO
-Data:05 de fevereiro/2012
De:Leman Pechliye
Querida Theresa, que texto belíssimo!!!
Você sempre escreve com gentileza,
delicadeza e com clareza impressionante.
Amei!!!
Leman
De: bere
bahia
Data: 5 de fevereiro de 2012 12:39
Assunto: Re: UM COTIDIANO PERDIDO NO
TEMPO
Para: Theresa Catharina de Goes Campos
Gosto muito deste texto ,amiga. Nos meus
acervos, está junto com o material de
divulgação do referido filme.
Abração, Berê
De:
artemis coelho
Data: 6 de fevereiro de 2012 13:30
Assunto: RE: UM COTIDIANO PERDIDO NO
TEMPO
Para: theresa.files
Belo texto, Theresa. Gostei muito da
forma como você 'teceu' um quadro
evolutivo das manifestações artisticas,
e, mais particularmente, da relação das
3 Parcas com as 3 senhoras que
desenrolam o fio da vida... Fiquei com
vontade de ver o filme, ainda que (...)
mas, pensando bem, em casos assim se
deve aplicar a máxima (para mim) que diz
: o importante é a canção, e não o
cantor. Quanto a você, o texto só vem
reforçar a sua competência; competência
que vem sendo exercitada desde muito
cedo em sua vida e nos trabalhos que vc
realiza.
Um abraço carinhoso,
Artemis |
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