|
|
|
|
APELOS DE INTERNET
Tereza Halliday – Artesã de Textos
São muitos os anjos da guarda de
minha saúde, prazer estético e
conscientização política. Agem
através de e-mails com anexos. Certa
remetente implora: “Por favor, não
delete, é lindo demais!” Um outro
adverte: “É um pouco longo, mas vale
a pena”. Murcho ante esses apelos.
Se preciso penar para baixa o
arquivo, deixa de valer a dita pena.
A propósito: ainda não me convenci
de que vale a pena investir horas
preciosas em redes sociais. Mas
posso mudar de ideia.
Circula na Internet uma mensagem
lembrando que e-mails, com ou sem
anexos, são atos de amor ou
cordialidade. Significam “lembrei-me
de você, gosto de você, quero que
você tenha acesso a isto que acho
importante”: beleza em texto,
música, imagem; informação vital,
alerta, denúncia, piada. Eu mesma
sou repassadora de e-mails, porque
feita do mesmo barro onde se
entranham o desejo e o prazer de
compartilhar algo que nos comove,
faz rir ou ensina alguma coisa. Mas
nunca repasso mensagens cheias de
raiva contra políticos de qualquer
partido ou posição. Poupo meus
amigos de serem plateia da terapia
do saco de pancadas virtual contra
as vergonhas da política nacional.
Os raivosos de plantão desconhecem o
jeito mineiro de discordar e chegar
aonde querem.
Não consigo sensibilizar-me com
vários outros tipos de apelos de
Internet: mensagens insinuando que,
se eu não repassar, não tenho
coração, ou não dou importância a
Deus, ou não amo meu país. Também
resisto às ondas de solidariedade
interneteira. Já tenho sofrimentos
demais na minha esquina, bairro,
cidade - ao vivo e em cores
sombrias. Sei que somos todos parte
da mesma teia de vida, irmãos
residentes do mesmo planeta. Mas o
sofrimento no Haiti, Irã, Somália,
Síria não é mais degradante nem mais
pungente do que o encontrado aqui
onde moro: fome, violência, frio,
doença, degradação debaixo da ponte,
à beira do mangue, na penitenciária,
hospitais, transportes coletivos.
Entre os necessitados que encontram
padrinhos na Internet e os que me
estão mais próximos, dou prioridade
a estes: gente conhecida a carecer
de ajuda para comprar medicamentos,
pagar uma taxa de inscrição,
soerguer uma parede caída ou a
auto-estima.
Outra coisa: jamais assino qualquer
abaixo-assinado por Internet, não
importa quão justa e nobre a causa.
Tampouco repasso mensagens que
prometem alguma coisa surpreendente
na tela, ao fim do repasse, ou na
minha vida, dentro de três dias.
Apesar do besteirol a demandar
triagem e da labuta incessante
administrando e-mails de
queridíssimos amigos, amados
parentes, estimados conhecidos e
gente que nunca vi mais gorda,
algumas dessas mensagens reduzem
minha ignorância ou aumentam minha
taxa de serotonina. Benditos
mensageiros de e-mail, que alargam
meu mundo, fazem-me rir ou me trazem
enlevo. (Diário de Pernambuco,
13/2/2012, P.C-5)
Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos |
|
|
|