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De: vivaldol65
Data: 21 de fevereiro de
2012 12:35
Assunto: Vida e cinema
se entrelaçam
Para: Theresa Catharina
de Goes Campos
Theresa, realmente, a
vida é como um filme.
Muitos personagens e uma
infinidade de trilhas
sonoras. Trama complexa,
sem uma definição para
concluir o final, que
nunca é o que
esperávamos.
Protagonista e o
espectador se confundem.
Tudo é incerto e
duvidoso, não passando
de projetos e intenções.
Guardo na mente algumas
lembranças sobre esse
interminável assunto, em
que o Bolero de Ravel se
encaixaria perfeitamente
na sua trilha sonora.
Aqui vão algumas que eu
escrevi há algum tempo e
as repasso para você
tomar conhecimento e
opinar.
Abs.
Vivaldo
LEMBRANÇAS DE UM
CINÉFILO ADOLESCENTE
Tive o prazer de passar
os anos dourados de
minha infância e
juventude em contato com
alunos, professores e
funcionários da Escola
de Belas Artes da Bahia,
onde meu pai trabalhava.
O filho de seu João,
como eu era conhecido
por todos, não perdia a
oportunidade de
percorrer os três
pavimentos do prédio,
admirando as obras de
arte expostas nas
galerias, com trabalhos
de Presciliano Silva,
Alberto Valença,
Mendonça Filho, Pasquale
De Chirico e tantos
outros. Tive a
felicidade de conhecer
Paschoal pessoalmente. A
obra do professor
Pachoal que mais me
chamou a atenção foi
"Remorso” – representado
por um busto de um homem
musculoso, feições
carregadas e retorcidas
- de uma plasticidade
impressionante, que na
penumbra ganhava vida e
movimento. Eu me
"pelava" de medo quando,
ao cair da tarde, meu
pai me levava para
ajudá-lo a fechar as
janelas, após o
encerramento do
expediente. A escultura,
que ficava no meio do
corredor, era apavorante
e bela. Eu não me
cansava de apreciá-la.
No hall de entrada da
Escola, onde professores
e alunos se reuniam nas
horas vagas para
bate-papos, fazer
comentários sobre os
últimos acontecimentos
políticos, culturais,
sociais e esportivos,
fugindo da rotina, eu
estava sempre presente,
como penetra, ou
"papagaio de pirata", se
preferirem....
Invariavelmente, quando
os assuntos ventilados
eram sobre esporte e
cinema, já adolescente,
eu costumava dar os meus
pitacos. Filmes a
exemplo de “E o Vento
Levou”, “O Mágico de Oz”,
“Hamlet”, “Gunga Din”,
“O Fio da Navalha”,
“Sangue e Areia”,
“Gilda”, filmes
dirigidos por Orson
Welles e Alfred
Hitchcock (dois de meus
diretores preferidos),
filmes franceses e
italianos e outros, eram
exaustivamente
comentados por alunos,
professores e
funcionários da EBA,
enquanto eu os ouvia
atentamente. Quando os
comentários eram muito
profundos eu apenas me
prontificava a ouvir,
por falta de senso
crítico para opinar
sobre um tema que não
estava à minha altura.
Eu ia ao cinema a semana
inteira. Não perdia uma
estréia, não apenas pelo
prazer de ir ao cinema,
mas pelos ingressos de
cortesia que eu recebia
de uma senhora amiga da
família, que trabalhava
numa empresa de
exibidores
cinematográficos. Houve
um filme musical da
Paramount (“aguinha com
açúcar”), que ficou em
cartaz nos cinemas de
Salvador por um longo
período. Este filme me
impressionou muito, não
sei por que razão.
Talvez pelas músicas,
sei lá, cantadas e
tocadas em ritmo
tropical, me causaram
maior emoção do que o
próprio enredo e/ou o
desempenho dos atores na
película. Aliás, a
verdade é que a maioria
das crianças e
adolescentes quando vão
ao cinema é para se
divertirem... Título do
filme: “Mascarada
Tropical” (Carnival in
Costa Rica) dirigido por
Gregory Ratoff,
estrelado por Dick
Heymes, César Romero,
Vera Ellen, Pedro de
Córdoba e outros, a que
eu assisti no Cinema
Santo Antonio, nos idos
de 1947 / 1948. Filme
norte-americano do
pós-guerra, que fazia
parte da política de boa
vizinhança.
O filme “Carnival in
Costa Rica” não se
encontra disponível, até
o presente, nas
locadoras do Brasil. É
um filme que nada tem de
especial, mas é (foi)
muito importante para
mim. Gostaria de
apreciá-lo agora, mas
tenho receio de me
decepcionar, destruindo
uma imagem que construí
e permanece há mais de
50 anos nos arquivos de
minha memória. Em certas
circunstâncias a ilusão
é benéfica. Lembro-me,
guardadas as devidas
proporções, do filme
“Édipo Rei”, de
Sófocles, dirigido por
Pier Paolo Pasolini, de
1967, numa cena em que
Édipo, atormentado pelas
previsões do Oráculo de
Delfos, procura o cego
Tirésias, adivinho de
Tebas, seu conselheiro,
para que este lhe
revelasse o segredo de
uma tragédia que estava
prestes a acontecer, com
envolvimento de seus
pais – Laio e Jocasta –
e ele próprio , obtendo
do profeta a seguinte
resposta: “Que adianta
saber, se o saber não
ajuda a quem sabe!”
Neste mesmo ano, Paulo
Autran, no teatro, na
peça Édipo Rei, no papel
do personagem principal,
dava um show de
interpretação. Eu
assisti ao filme e à
peça.
Outro filme que
considero muito
importante, a que
assisti na minha
infância, foi “Este
Mundo é um Pandeiro”,
filme nacional dirigido
por Watson Macedo.
Segundo alguns críticos,
é com este filme que
Macedo define alguns
parâmetros que servirão
para criar uma estética
cinematográfica
nacional, conhecida como
“chanchada”. Eu assisti
a este filme muitas
vezes. Oscarito e Grande
Otelo comandam o
espetáculo, com a
participação de vários
cantores do rádio, que
faziam sucesso na época,
destacando os
Quitandinha Serenaders,
Luiz Gonzaga, Bob
Nelson, Emilinha Borba,
Alvarenga e Ranchinho,
entre outros. Este filme
é considerado um
clássico do cinema
brasileiro, produzido
pela Atlântida
Cinematográfica, em 1947
e, para mim, teve um
destaque especial quando
Oscarito se transforma
em Rita Hayworth, de
“Gilda” .
Destaco, ainda, o filme
“Canção da Índia” (Song
of Índia), de 1949, com
Sabu, Gail Russell e
Turhan Bey nos papéis
principais, dirigido por
Albert Rogell, que conta
a história de um rapaz
que liberta elefantes
cativos, cuja trilha
sonora reproduz a obra
de Rimsky Korsakow, que
dá título ao filme. A
música de Korsakow me
causou maior emoção do
que a atuação dos atores
e o próprio enredo.
Também não posso deixar
de citar o filme “Você
já foi à Bahia?” (The
three caballeros”),
produção dos Estúdios
Walt Disney, de 1945,
dirigido por Norman
Fergson, no qual
contracenam personagens
de desenho animado e
atores, estrelado pelo
Pato Donald
(norte-americano), o
papagaio Zé Carioca
(brasileiro) e o galo
mexicano Panchito.
Aurora Miranda tem uma
participação especial,
cantando e contracenando
com Donald. A música de
Ary Barroso, que dá o
título da versão
brasileira do filme, é
muito emocionante,
principalmente quando Zé
Carioca, servindo de
cicerone, pergunta: Você
já foi à Bahia, Donald –
“minha linda Bahia?!”
VIVALDO |
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