Theresa Catharina de Góes Campos

  E O SILÊNCIO... INFORMA?

Não são apenas os países e os povos que dependem, para progredir tecnologicamente, do acesso e intercâmbio das informações. Cada indivíduo, todo cidadão, resida onde residir, sem ou com moradia, faminto ou não, analfabeto ou letrado, desesperado ou tranquilo, precisa diariamente se alimentar de informações.

Caso não venha participar desse fluxo hodierno, democrático, terá dificuldades imensas em sua trajetória para se tornar, de fato, pessoa e cidadão, com direito a buscar, em sua existência, independentemente de seu nível sócio-econômico, realizar-se num processo contínuo e permanente de aperfeiçoamento de sua condição humana. Negar-lhe informações equivale a negar-lhe a vida, significa matá-lo lenta ou rapidamente – isso não importa -, numa atitude de poder ditatorial que ignora o respeito aos direitos inalienáveis do homem.

O DIREITO À CULTURA

A sobrevivência unicamente nos aspectos físicos e materiais não é o bastante, e pode ser classificada como injusta porque ignora o cidadão como pessoa humana, dotada de intelecto, sentimentos, emoções; negligencia os seus anseios espirituais, intelectuais; parece “esquecer” a sua condição de ser inquieto, sempre procurando melhorar, compartilhar das manifestações culturais disponíveis, constantemente desejando se expressar culturalmente, por meio da comunicação solidária entre seus companheiros de existência, ou até superando as barreiras de tempo e espaço presentes neste universo do qual fazemos parte, e assim crescendo, realizando o seu potencial.

O alimentar o corpo para vivificar a mente e o coração – eis a meta de uma sociedade modernizada porque humanizada. Conceder-lhe moradia digna – outro dever da comunidade que pratica a solidariedade urgente e por isso não aceita que seus irmãos não tenham abrigo. O que não conseguimos por ações individuais constitui tarefa a ser exigida daqueles que têm esse poder e precisam ser cobrados, numa exigência diária até que os objetivos se concretizem.

Mas... qual o papel dessa cultura que muitos consideram superficial, secundária ou tesouro particular de alguns? Como transformá-la em instrumento essencial para combater todas as formas – e todas terríveis, aterrorizantes – do analfabetismo (pessoal, social, político)? Como inseri-la nos contextos mais carentes, remotos, quase inconscientes? Como transfigurar essa cultura incompreendida, desvalorizada, em alimento quotidiano disponível a todos, sem exceção, porque não fazê-lo seria ignorar a dignidade de todo ser humano? Como impedir que tal crime contra o cidadão continue a ser praticado, diariamente, sem impedimento e punição? Como levar o povo a exigir, recusando a alienação que o torna cada vez mais marginalizado, ter acesso às manifestações literárias e artísticas ou participar ativamente das mesmas, ou até produzi-las, analisá-las, interpretá-las e divulgá-las? Como formar os cidadãos de modo que tenham sede e fome de cultura? E passem a desejar que seus irmãos e companheiros também façam parte desse banquete do qual ninguém deverá ser excluído?

A INFORMAÇÃO NO PROCESSO DE CIDADANIA

Seria ingenuidade acreditarmos que se alcança a cidadania simplesmente por decreto.... O processo pode ser lento, sendo tal lentidão resultante de uma desinformação voluntária ou forçada, fruto de pressões exteriores visíveis ou disfarçadas por instrumentos sutis de alienação, enfim, mascarada por supostos benefícios ou conhecimentos forjados para enganar e continuar enganando...

Desde a Grécia Antiga, o conceito de cidadão estava essencialmente fundamentado em seus deveres para com a cidade, sua comunidade mais próxima; por não serem considerados pessoas humanas, os escravos também não eram, por conseguinte, cidadãos... Ao recordarmos a origem etimológica da palavra POLÍTICA, vemos que, no contexto da cultura greco-romana da Antigüidade Clássica, significou, desde o início, arte ou ciência de promover o bem comum... todavia, os escravos não compartilhavam do círculo restrito desse bem comum. Ora, para as massas famintas, analfabetas, desabrigadas e carentes, ainda que não estejamos teórica e cronologicamente na Idade Antiga, a criminosa escravidão de milhões de seres humanos, desamparados em sua dor, continua a existir!
Como fica a nossa ética, diante de tal quadro de marginalização? Se não somos culpados sozinhos, ainda assim somos culpados ... Embora não compartilhemos os sofrimentos daqueles milhões de esquecidos e injustiçados, o bom seria que tivéssemos uma profunda dor de consciência...

Com certeza, a nossa condição de cidadãos não será plena enquanto não incluirmos aqueles milhões, que devemos chamar a partilhar desse inalienável processo de cidadania.

SERÁ INALIENÁVEL O PROCESSO DE CIDADANIA?
Ouso dizer que “sim”... ainda que me lembre dos criminosos cumprindo pena, pois estão na prisão para supostamente viverem um processo de reabilitação, e tal proposta da sociedade que os alijou justamente de seus convívio indica a promessa de cidadania.

Todo esforço realizado na prisão, em busca de uma transformação interior dos detentos, teria como objetivo principal, ao se procurar que aqueles indivíduos não representem mais um perigo à comunidade, que voltem a assumir (ou pela primeira vez em sua vida venham a assumir) seu papel de cidadão. Ora, sem informações que lhes possibilitem ser pessoas úteis aos outros e a si mesmos, como buscar a sua função social, como mudar, como crescer? Provavelmente necessitarão, com urgência, logo que saírem das paredes que lhes foram “familiares” durante algum tempo, de proteção especial. Se tal apoio não ocorrer, o vazio será preenchido, de novo, por idéias e planos criminosos, em grupo ou individuais.

As expressões culturais, iniciadas ou interrompidas naquela(s) prisão(ões), constituiriam oportunidades de redenção interior, de crescimento pessoal voltado para um público em potencial que representará a sociedade com rosto amigo, pois a arte tem perfil universal porque tolerante e multidimensional, eclético e pluralista. O princípio da liberdade norteia as manifestações artísticas, sem restrição de tempo e espaço, capacitando a uma comunicação mais ampla entre os seres humanos.

ASSESSORIA CULTURAL: ELO ENTRE ARTISTAS E PÚBLICOS

Formando, educando platéias, os assessores que divulgam eventos na área cultural, muitas vezes enfrentam um desafio que, escondido, parece não existir. Lutam contra vaidades pessoais, às vezes durante décadas, sem alcançar sucesso no seu empenho diário para derrubar/galgar esse Muro de Berlim invisível... As dificuldades são tantas que alguns desistem, voltando-se para outros setores de retorno imediato, nos quais se vêem livres de implorar por informações que, na verdade, se constituem um direito dos cidadãos. Os espaços lhes são negados, construindo uma espécie de Muralha da China que prejudica artistas, obras e público, impedindo estes espectadores desinformados de ver, ouvir, questionar, participar. Como se arte não existisse para alcançar uma platéia sem limitações, sem restrições de épocas e países; como se as manifestações artísticas e culturais fossem – apesar de sua proposta tacitamente social – propriedades egoisticamente eremitas, individualistas, ou político-partidárias.

Como o público que seria beneficiado com as informações ainda não se conscientizou sobre a importância de uma diversidade de canais e fontes, uma parcela de culpa também lhe cabe, por não se posicionar em prol de um fluxo contínuo de dados culturais, valorizando obras, eventos e artistas; permitindo acesso às propostas artísticas; destacando elementos pioneiros; analisando pontos em comum ou contraditórios; criando novos espaços; incentivando iniciativas; provocando experimentos; preservando manifestações tradicionais, sejam locais, regionais e/ou nacionais. Ao adotar uma postura de quem não tem o saudável hábito cultural, a platéia em potencial por si mesma se limita, diminuindo suas oportunidades de lazer e aperfeiçoamento, suas chances de encontrar uma oportunidade de intercâmbio de idéias e conhecimentos.

Na cumplicidade da omissão, o público se prejudica, acomodando-se em receber informações de fontes únicas ou daqueles mesmos grupos poderosos, porta-vozes da grande imprensa ou com interesses parciais porque divulgam somente os eventos que desejam promover.

AFINAL, COMO O SILÊNCIO PODE INFORMAR?

Quando leitores, espectadores e ouvintes têm formação democrática, conscientes das batalhas que se travam, diariamente, nos bastidores da informação, habituam-se a perceber os meandros dessa luta, identificando os vazios, os canais fechados, as opiniões deturpadas, as omissões tão frequentes... Esses cidadãos não aceitam um comentário único, uma visão de maioria ou de minoria rica e poderosa. Buscam outras fontes; enxergam possibilidades pluralistas; diversificam acessos; visualizam interesses financeiros, apesar de seus disfarces. São exigentes, ao invés de complacentes. Não se calam, reclamam, reivindicam com persistência. Essa atitude não-alienada também se mostra não-alienadora, ao chamar atenção, para outros, sobre os silêncios criminosos nos meios de comunicação de massa.

É fácil constatar, porém, que analfabetos, famintos e desabrigados, doentes e marginalizados, veriam essa conscientização, essa independência cultural sempre atenta, como utopia, diante de sua própria tragédia, que os coloca num desespero diário para tentar sobreviver nas condições mais adversas possíveis. Ao reconhecermos isso, também deveremos compreender a enorme responsabilidade da elite, inclusive a que não está no poder, pois sendo elite, detém uma outra forma de poder, utilizando a sua visão esclarecida, o seu background acadêmico-profissional, a sua capacidade hermenêutica, habilitada a interpretar acontecimentos e informações; e, sobretudo, a sua obsessão maiêutica em continuar formulando perguntas difíceis, perturbadoras, que tocam nas feridas da incultura, que revelam.. enquanto questionam. Abençoadas sejam as perguntas que iluminam nossos caminhos!

Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília-DF (1992)
Membro e Assessora de Imprensa da ADUDF – Associação dos Docentes da
Faculdade A.E.U.D. F.

De: artemis coelho
Data: 26 de abril de 2012 14:11
Assunto: RE: O SILÊNCIO ... INFORMA? - Theresa Catharina de Góes Campos
Para: theresa.files

Muito bom, Theresa.
Abraços,
Artemis

 

Jornalismo com ética e solidariedade.