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O primeiro impacto que,
em nosso meio, provoca O Que Eu
Mais Desejo (Kiseki), de
Hirokazu Kore-Eda, ao espectador é a
inevitável comparação que faz das
crianças japonesas, vistas no filme
– mais sensatas e ponderadas do que
os adultos, que as cercam – com as
nossas. Essas, lamentavelmente,
acabam por se lhe afigurar como
verdadeiros vândalos ou animais,
prontos a atacar, uma vez que, como
se deduz, não têm senso algum da
inocência perdida, característica da
idade.
De fato, o que Kore-Eda
pretendeu ao escrever o roteiro -
premiado pelo júri do Festival de
San Sebastián (Espanha) – foi fazer
uma homenagem à inocência infantil.
Diante da realidade brasileira – ou
da de quase todo o Mundo Ocidental,
onde crianças vão armadas à escola
-, essa homenagem parece de selo
vencido no seu romantismo
extemporâneo. Perdeu o sentido ante
a realidade dos fatos. Por sinal, o
filme The Hunt, que deu o
prêmio de Melhor Ator do ano, em
Cannes, a Mads Mikkelsen, trata
também de tema semelhante, porém
mais de acordo com o que se constata
por aqui, ou seja, a crueldade de
uma criança contra um idoso, amigo
de seus pais.
Feito esse amargo
preâmbulo, obrigatoriamente
suscitado pelo roteiro de Kore-Eda ,
e depois de saber que duas
adolescentes mataram e extraíram o
coração de uma terceira, de 12 anos,
em Minas Gerais – que, com certeza,
incomoda os dedicados a praticar o
eufemismo ou a tampar o sol com a
peneira –, deve-se analisar agora o
drama (na acepção tomada de “ação”),
o qual narra a singela história de
dois irmãos, Koichi (Koikis Maeda),
e Ryunuseke (Oshirô Maeda) – os dois
atores também o são -, separados
após o divórcio dos pais, Kenji (Joe
Odagiri) e Nozomi (Nene Ohtsuda).
A ação, um tanto vazia
de acontecimentos, tem, contudo,
alguns lances sugestivos e, talvez,
consentâneos com a ideia original,
por demais óbvios. Se não, vejamos.
A ingenuidade de Koichi, o mais
velho, é tal que, para reencontrar o
irmão, tudo lhe é válido: até
desejar que o vulcão Sakuraiima, que
existe no Sul da ilha de Kyushu,
onde mora com a mãe, na casa dos
avós, Shukichi( Isao Hashizume) e
Hideko (Kirin Kiki), entre em
erupção (ou exploda) para que as
lavras cubram a cidade, já afetada
por suas cinzas, diariamente
emitidas, a fim de que ele e a mãe
possam voltar a viver, em outro
lugar, com o pai, músico e boêmio
inveterado, e com o irmão.
De qualquer forma, porém, a
distância não é capaz de abalar a
amizade de ambos, que se comunicam
sempre pelo telefone celular. É no
decorrer dessas conversas, que eles
têm a ideia de se encontrar num
lugarejo, perto de um túnel, de
onde, nas alturas, poderão ver o
cruzamento de dois trens de alta
velocidade (trem-bala). Como
acreditam, segundo a lenda, se, na
ocasião, fizerem algum pedido, esse
se realizará. Para conseguirem o
dinheiro das passagens, eles,
reunidos a amigos, que também têm
sonhos – há uma garota, amiga de
Koichi, que deseja se mudar para
Tóquio a fim de se tornar atriz –
fazem de tudo, vendem objetos
antigos, etc
Assim, o roteiro cria situações que
mereceriam ser exploradas, a meu
ver, em termos de linguagem, com
mais criatividade e sem negligenciar
as minúcias. Seria o caso, por
exemplo, das sequências relativas ao
empenho do avô, que faz o manju
(bolo branco), passando sua
técnica de elaborar a tradicional
iguaria ao atento neto Koichi,
postado ao seu lado. E, depois,
para seu desgosto, ouve de amigos
críticas de que ele não respeitara a
receita e que o bolo deveria ter cor
rosa. Os desentendimentos, entre os
adultos, são, portanto, constantes.
O contraste deles com a
solidariedade e a compreensão,
observadas, entre as crianças,
justificaria, por isso,
enquadramentos mais funcionais e de
bom gosto por meio da fotografia de
Yutaka Yamasaki.
Os planejados por Kore-Eda, de
estética duvidosa, que negam mesmo a
tradição do cinema japonês, nem de
longe fazem lembrar, como pretendem
alguns críticos, os clássicos de
Yasujiro Ozu e Youjiro Shimazu,
criadores do shomin-geki (dramas
familiares). A par disso, a
edição da película, do próprio
Kore-Eda, prejudica o ritmo, que
torna a narrativa arrastada, em suas
duas horas de projeção. O
comentário musical é bombástico e
inadequado, e as interpretações
heterogêneas, isto é, algumas boas
e outras, nem tanto. Entre as
primeiras, vale destacar, além da
dos dois irmãos Maeda, que
representam Koichi e Ryunuseke, as
de Isao Hashizume e Kirin Kiki, nos
papéis dos avós, e a de Jô Odagini,
como Kenji, esse de algum carisma
teatral.
REYNALDO DOMINGOS
FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
O QUE EU MAIS DESEJO
KISEKI
Japão /2011
Duração – 128 minutos
Direção – Hirokazu Kore-Eda
Roteiro – Hirokazu Kore-Eda
Produção – Hirokazu Kore-Eda
Fotografia – Yutaka Yamasaki
Edição – Hirokazu Kore-Eda
Elenco – Koki Maeda (Koichi),Oshirô
Maeda (Ryunusek), Jô Odagini
(Kenzi), Riôga Hayashi (Tasuku),
Isao Hashizume (Shukishi), Kirin
Kiki (Hideko), Masami Nagasawa (
Professora), Nenê Othsuda (Nozomi). |
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