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FALSAS INTERPRETAÇÕES: CUIDADO!
Tereza Halliday - Artesã de Textos
Inferências são essenciais ao viver: é
preciso tirar conclusões sobre
sinais de perigo, expressões faciais,
odores e fenômenos da Natureza,
notícias, características pessoais,
resultados de exames médicos.
Mas, quando as interpretações são
equivocadas, podem levar a gafes,
injustiças, violência, morte.
Há inferências que causam espanto,
risada ou constrangimento. Lembro
do olhar decepcionado de uma pessoa que
me conhecia de nome e, ao
encontrar-me, exclamou: “ Pensei que
você fosse loura!”. O sobrenome
do meu trisavô escocês estimulou a
dedução errada. Lya Luft, escritora
gaúcha, loura de olhos azuis, reportou
este comentário de europeus que
a conheceram: “Mas você não parece
brasileira!”. De que jeito um
brasileiro deve “parecer”? Meu sobrenome
também levou pessoas a
perguntarem se eu havia “descolado um
americano”. Não sabiam que uso
como nome profissional o sobrenome de
solteira. Eu mesma fiz uma
inferência equivocada que até hoje me
envergonha: numa rua de Paris,
saí da “boulangerie” levando o famoso e
cheiroso pão “baguette”, com a
ponta de fora, num saco de papel. Ao
cruzar com um menino maltrapilho
(na França também tem disso), ele olhou
para mim. Apressei o passo e
segurei o pão com firmeza, temerosa de
que ele m´o arrancasse da mão,
como poderia acontecer numa rua de
cidade brasileira.
Há inferências que implicam preconceitos
e generalizações injustas: se
é negro, é pobre; se é judeu “gosta de
dinheiro”, se é religioso “é
bitolado”; se é ateu “não pode ser uma
pessoa boa”; se é solteirão,
“deve ser gay”. Uma inferência trágica
foi pungentemente expressa em
poema de Zé da Luz sobre um marido
analfabeto que encontra bilhete
escrito pela esposa. Ele conclui que ela
é adúltera e a mata. Preso,
ouve a leitura do bilhete na delegacia
de polícia: a signatária
rechaçava veementemente as propostas de
um conquistador e concluía:
“Se o senhor é enxerido/ encontrou uma
mulher forte / o nome de meu
marido/ eu honro inté minha morte”.
Também há inferências “por tabela”,
quando judeus, evangélicos,
espíritas confiam mais no médico,
advogado ou dentista que for da
mesma religião que eles. O antiquíssimo
ditado “Quem vê cara não vê
coração” alerta sobre o perigo das
aparências. Às vezes, alguém paga
um mico ao ver um idoso acompanhado de
mulher bem jovem e bela e
perguntar: “É sua filha?”. Só para ouvir
a resposta: “É minha
namorada”. E lá vamos nós, de equívoco
em equívoco, quebrando a cara
ou cometendo injustiças por conclusões
apressadas sobre o que parece,
mas não é.
(Diário de Pernambuco, 02/07/2012) |
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