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DESCOMPASSO DAS MARCHAS
Tereza Halliday – Artesã de Textos
Sou a favor de todas as marchas do Bem: para
Jesus, a Virgem Maria e Iemanjá; pelo respeito
às diferenças, pela preservação da flora, fauna
e cursos d´água; em prol dos direitos humanos e
pelos deveres humanos, mesmo que ninguém tenha
se lembrado de fazer uma marcha em defesa dos
importantíssimos deveres humanos.
O que eu votaria contra, se me dessem a
oportunidade de um plebiscito ou referendum, é a
realização de qualquer marcha na Av. Boa Viagem,
pelos motivos que a APBS (Associação dos
Moradores do Pina, Boa Viagem e Setúbal) tem
apontado incansavelmente: sofrimentos para
cidadãos – moradores ou não, devido ao trânsito
travado; ambulâncias e carros de bombeiros sem
acesso aos chamados, com a avenida e cercanias
abarrotadas de gente e veículos; médicos sem
poder chegar a hospitais a tempo de realizar
cirurgias urgentes, familiares impedidos de
prestar assistência a parentes idosos; excesso
de ruído e lixo, apesar da organização cuidadosa
do policiamento e da limpeza urbana pós-evento.
Marcha com veículos gigantescos de enormes
pneus, enormes palcos ambulantes, enormes
vibrações sonoras capazes de rachar vidros e
danificar tímpanos, perde a legitimidade.
Entre as sugestões de outros locais para
realizar essas marchas, está o bairro do Recife
Antigo, com avenidas não residenciais (salvo
raros moradores), amplo pátio - o Marco Zero - e
vias de entrar e sair do bairro enquanto o
evento ocorre. O assunto é “quente” e delicado.
Quase fui acusada de ser contra Cristo, por
lamentar dois transtornos na orla de Boa Viagem
num mesmo fim de semana: a marcha para Jesus,
organizada por membros de igrejas evangélicas e
a marcha da diversidade, promovida pelos que
combatem o preconceito e a violência contra
gays, lésbicas e transexuais. Jesus e o combate
a quaisquer preconceitos e violências merecem
louvores. Mas não há distinção nem louvor para
militantes, mesmo das mais nobres causas, se a
marcha motivada por elas tem consequências
danosas, como as citadas acima.
Desconfio que os participantes desses
macroeventos insistem na Av. Boa Viagem porque
têm a missão de convencer o mar, conseguir a
adesão de Netuno. Tentam chamar a atenção das
águas, senão a marcha não chega à apoteose.
Precisam garantir que as mensagens de apoio ou
protesto cheguem aos céus e ao mar. E, como não
têm certeza de onde ficam os ouvidos do oceano
(quem sabe, estão nas praias da Austrália?),
tome trio elétrico! Péssimo para mim, que também
voto pela eliminação de trios elétricos em
qualquer evento, inclusive o carnaval! Pois é,
uma carnavalesca a dispensar trios elétricos e
bendizer orquestras e orquestrinhas de frevo,
derramando som natural e inebriante. Mas isto é
assunto para outra conversa. (Diário de
Pernambuco, 24/09/2012). |
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