Theresa Catharina de Góes Campos

 

POLISSIA

                Em Polissia (Polisse), a cineasta Maïwenn – prêmio do Júri do Festival de Cannes – pinta um quadro estarrecedor da sordidez humana, ao focalizar o dia a dia de um órgão policial francês, que cuida de crimes contra menores, com penas previstas, nos termos do Código Penal, de até vinte anos de cadeia. Os casos são, às vezes, tão escabrosos, muitos deles ocorridos no âmbito da “sagrada família”, que contagiam o estado de ânimo dos próprios policiais e causam perturbadores reflexos em suas vidas amorosas e na atividade profissional.

            Tão atordoante quanto Entre Os Muros da Escola (2008), de Laurent Cantet , o filme é, da mesma forma, baseado em fatos reais, de feição , portanto, documental, mas com o assumido caráter de ficção. Foi rodado com a câmara manual de Pierre Aïm, bastante intimista e quase constantemente  trêmula.  O roteiro, escrito por Maïwenn, em colaboração com Emmanuelle Bercot, fundamenta seu entrecho na chegada  à Brigada de Proteção a Menores (BPM) da fotógrafa Melissa (Maïwenn) para documentar  a missão dos estressados  policiais, integrantes da corporação, vinculada ao Ministério do Interior.

            O que Melissa vai verificar, mas sem tomar posição, sequer  de narradora – uma das falhas do roteiro -, é que o sistema de proteção ao menor está contaminado por uma série de fatores, que vão desde o exagero da legislação específica até à maneira torpe, arbitrária, pela qual os policiais desejam fazê-la cumprir, a ferro e fogo. Não têm eles noção do que é impor autoridade. Talvez por isso  a grafia do título seja errada, tomada de empréstimo , por sinal, de um escrito do filho da diretora,  em fase de alfabetização. Sem conhecer o princípio universal, de que, a priori (ou até que surja prova em contrário), todos são inocentes, atuam os inquiridores aos berros, ofendem os inquiridos  com palavrões e, às vezes, até os esbofeteiam. O clima é de muita tensão e de irregularidades.

            São duas crianças que questionam, inicialmente, o sistema: a primeira é filha de um dos policiais, que, à noite, antes de se deitar,  indaga  do pai o significado de “pedofilia”, palavra por ela frequentemente ouvida nas conversações em casa. Ao obter  a resposta de que se trata de uma doença que leva um adulto a abusar de um  menor, ela pergunta: - se for assim, não seria mais apropriado  encaminhar o doente a um hospital?...  Não para a cadeia, acrescenta. Outra criança, molestada por um professor de educação física, ao saber da punição que ele poderia  sofrer, pede à autoridade que isso não aconteça sob o argumento de que é um mestre muito bom  e a trata com afeição. Ao final, essa mesma criança, mais crescida, demonstra estar apta a se tornar uma grande ginasta.

            Uma das sequências mais tocantes é a da chegada à BPM de uma africana, que deseja dar o filho de oito anos aos policiais, pois não quer que ele continue dormindo com ela ao relento. Agitados, os agentes procuram em vão conseguir abrigo para ambos.  A solução que aventam é a mesma sugerida pela pedinte, ou seja, ela continuará dormindo nas sarjetas, enfrentando as noites geladas, enquanto a criança será recolhida a um asilo. Só não preveem eles a reação discordante do garoto, que, no desespero, aos gritos, insiste em não  se separar da mãe. É nessa sequência que a direção de Maïwenn fraqueja para ceder espaço a certo pieguismo  por meio da reação de um dos policiais, dos mais neuróticos do grupo.

 A grande força do filme não está no roteiro, nem na direção de Maïwenn, que também não se destaca como intérprete de Melissa, mas  na trilha sonora de Stephen Warbeck  e nas interpretações das demais personagens. O conjunto é harmonioso e afinadíssimo. No desejo de Maïwenn de conferir o máximo de autenticidade ao filme, ela consegue extrair dos atores um trabalho eficientíssimo, que, apoiado em sábias improvisações, quase chega à perfeição.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
                                                                      
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FICHA TECNICA

POLISSIA

POLISSE

França -2011

Duração – 127 minutos

Direção – Maïwenn

Roteiro – Maïwenn e Emanuelle Bercot

Produção – Alain Attal, Arnaud Bertrand e Dominique Boutonat

Fotografia  - Pierre Aïm

Trilha Sonora – Stephen Warbeck

Elenco – Karin Viard (Nadine), Joey Stard (Fred), Marina Foïs (Iris), Nicolas Duvauchelle (Mathieu), Maïwenn (Melissa), Karole Rocher (Chris), Emmanuelle Bercot  (Sue Ellen), Riccardo Scarmacio (Francesco).

 

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