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MOSCA HOSPITALAR
Tereza
Halliday – Artesã de Textos
Pensei que fosse uma mosca
volante, daquelas minúsculas que o paciente de
oftalmologia vê passar em seu campo visual e é
indicador da síndrome do mesmo nome. Que nada!
Ela era robusta e longe de ser ilusão de ótica.
Pousava e voava bem à vontade no seu habitat
improvável: um espaço hospitalar. Mosca
asséptica, desinfetada, concebida sem o pecado
original da imundície. Ou não?
Para ter salvo-conduto naquele
ambiente, devia ser uma mosca esterilizada. Ora
cruzava o recinto em voo moscal, ora cruzava as
perninhas sobre as batas alvíssimas dos
enfermeiros, ora beijava os nomes bordados dos
médicos no bolso esquerdo das batas, ora
desfilava sobre os metais dos leitos dos
pacientes e seus lençóis. Segundo os
funcionários, todos os esforços foram envidados
para expulsar a intrusa, que já se considerava
residente permanente. Falaram até em
ressurreição dos mortos, pois garantiram que
fora assassinada várias vezes pela equipe de
dedetização. Mas voltava, resplandecente, no dia
seguinte, portando passaporte emitido pela
Vigilância Sanitária. Um vexame para a
administração da grande empresa hospitalar.
A perigosa mosca parecia
inofensiva. Chegou a segredar-me que o que a
mantinha viva, contente da vida, era respirar
incessantemente o poder medical do recinto,
mesmo que não lhe fosse dado compartilhá-lo.
Hão de dizer: “Tereza endoidou. Falando com
moscas!”. Olhe, leitor, todo artesão de textos
(escritor, redator, poeta...) escuta os
materiais de seu artesanato e interage com eles.
Dizem que a mosca entrou
clandestinamente a bordo de um jaleco, desses
que muitos profissionais da saúde insistem em
usar fora do ambiente hospitalar, levando e
trazendo germes e bactérias invisíveis e até
mosca visível. Nada contei a minha mãe, que põe
para lavar imediatamente roupa usada em visita
a hospital, tem extremo zelo pela higiene das
mãos e jamais conceberia uma mosca hospitalar,
nem mesmo em romances do mais deslavado realismo
fantástico, quanto mais na realidade crua.
Aos leitores que me sugeriram
começar o ano bufando contra os desmantelos
urbanos, lembro que a coluna “Diário Urbano” (luce.pereira@diariodepernambuco.com.br)
já se ocupa, por ofício e competência, dessas
dores e clamores. Com sua vigilância e verve,
Luce Pereira é a porta-voz perfeita de todos
nós, quando algo não cheira bem ou vai muito mal
nas cidades. Lida com fedores, feiúras, perigos,
ilegalidades, falta de noção. Também divulga
raras notícias boas, que nos impedem de
desesperar, como citadinos sofrentes.
(Diário de Pernambuco,
14/1/2013). |
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