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A Marquesa de O...
Theresa Catharina de
Góes Campos
Theresa Catharina de
Góes Campos é
jornalista, escritora e
professora universitária
Adaptação literária e
obra de época, o filme
"A Marquesa de O..."
("La Marquise d´O..." –
"Die Marquise Von O" –
Alemanha/França, 1976 –
102 min.- cor – 35mm),
de Eric Rohmer, recebeu
merecidamente o Grande
Prêmio do Júri, no
Festival de Cinema de
Cannes.
Principais nomes do
elenco: Edith Clever,
Bruno Ganz e Peter Lühr.
Classificação do filme:
14 anos (adequada).
"Eu a amo de forma
sublime, extraordinária.
Eu a amo. Não é uma
simples inclinação."
Drama de costumes
ambientado no cenário
histórico das guerras
franco-prussianas, tem
como destaques:
produção, direção,
interpretação, roteiro,
diálogos; direção de
arte, montagem,
fotografia, locações
externas; cenografia,
figurinos, penteados,
maquiagem, adereços,
objetos de cena. Uma
reconstituição de época
não apenas visual, como
de relacionamentos e
modos de pensar e agir.
Com uma recordação de
infância que se perpetua
como realidade e
metáfora: o cisne que
fora coberto de lama,
mas ressurgira, após se
lavar nas águas do lago,
puro como antes.
O que é a honra – na paz
e na guerra? Antes e
depois das batalhas? O
que é a honra, o
comportamento ético,
moral, entre vencedores
e vencidos, patrões e
empregados, nobres e
plebeus, ricos e pobres,
homens e mulheres? Essa
a reflexão crítica que o
filme desperta em nós.
"Mais habituado a
explorar dilemas e
neuroses dos
relacionamento na França
contemporânea, o diretor
Eric Rohmer tem poucos
filmes de época no
currículo. Quando
experimenta o gênero, no
entanto, o resultado é
no mínimo inventivo e
provocante, como em "A
Inglesa e o Duque"
(2001), seu penúltimo
longa, ambientado
durante a Revolução
Francesa, e "A Marquesa
d'O" (1976), baseado em
conto do alemão Henrich
von Kleist
(1777-1811)..." (Sérgio
Rizzo)
Nas palavras do crítico
de cinema Inácio Araújo,
o filme se define como
"ensaio sobre a
ambigüidade".
Para o colaborador do
jornal Folha de S.
Paulo, Sérgio Rizzo,
fala " sobre honra,
anjos e demônios."
Afirma Suzana Amaral,
cineasta: "o melhor de
Rohmer", elogio com o
qual eu concordo (apesar
de achá-lo o mais
perturbador dos seus
filmes ), sem desmerecer
os outros trabalhos do
diretor francês, sempre
realizando obras com
muito a dizer, ensinar,
de forma criativa.
"O amor e o respeito
nunca desapareceram de
meu coração", diz
Julieta à sua mãe.
A Marquesa D'O (Edith
Clever) é uma viúva com
dois filhos, em 1799,
quando seu pai comanda
uma praça de guerra na
Lombardia, tomada de
assalto pelos russos.
Os conflitos
napoleônicos atingem a
família do governador de
uma cidade italiana, que
o filme identifica
somente com a inicial M.
Invadida pelo exército
russo, os tiros dos
canhões forçam a fuga de
mulheres e crianças. Em
meio à confusão, a filha
do governador, Julieta,
sofre tentativa de
estupro, do qual escapa
pela intervenção de um
conde (Bruno Ganz),
tenente-coronel das
tropas inimigas. O
oficial enfrenta os
homens ( a quem chama de
" cães") corajosamente,
resgatando a viúva,
bastante traumatizada,
de seus atacantes.
O governador ( Peter
Lühr) retorna ao lar e
confirma o caráter do
oficial:
"Arriscou sua vida por
minha filha."
A violência da guerra,
as execuções sumárias,
bem demonstram os
horrores tão comuns nas
batalhas.Mais tarde, o
salvador da jovem viúva
e mãe de duas meninas
não denuncia os
"patifes" ao general
vencedor, ainda que
solicitado a fazê-lo
pelo seu superior
hierárquico, mas o grupo
é identificado a partir
da informação de outro
militar e todos aqueles
soldados são punidos com
a morte.
"...a adaptação de
Rohmer mantém as Guerras
Napoleônicas como pano
de fundo para um
confronto moral
protagonizado pela
aristocracia italiana e
por militares russos,
com a manutenção da
honra como objeto
central. " (comentário
de Sérgio Rizzo)
O enredo, descrito sem
aquelas costumeiras
apelações modernas
(visuais e verbais), que
não aconselhariam a
exibição para menores,
tem um enorme potencial
para a análise da
situação por parte do
público, cuja faixa
etária se recomenda a
partir de 14 anos. O
suspense está
centralizado nos
personagens, em suas
palavras, atitudes e
decisões, das primeiras
às últimas cenas, quando
o mistério se esclarece,
desencadeando reações
inesperadas.
"A Marquesa vale mais
que o universo a meus
olhos."
Os temas abordados
denunciam preconceitos
sociais e familiares,
principalmente com
relação às mulheres,
ainda que adultas e
mães. A sinceridade
passa a ser secundária.
Sobre o desejo carnal,
as tentações que
subjugam, não se fala,
cala-se. Em nome de um
pudor que, de fato, não
existe, pois é máscara!
A verdade precisaria,
então, de muitos
disfarces, provocando
uma inversão de valores
que seria aceitável para
a sociedade. Uma questão
atual: o sofrimento
profundo da mulher como
vítima permanente, antes
e depois da violência,
persiste através dos
tempos.
Os julgamentos das ações
humanas pressupõem
definições rígidas do
que seriam os conceitos
de pureza, honra,
heroísmo, amor e
respeito... nas relações
entre pais, filhos e
irmãos. O poder do pai
decide quase tudo, sem
discussões, não
importando as
conseqüências. Um clima
de machismo que insulta
até no silêncio; as
proibições do marido que
ignoram as razões, as
necessidades e os
direitos da esposa e da
filha.
"– Se eu o amo, também
amo você, nossa filha.
Se eu o respeito (como
esposo), também respeito
você. E se tivesse de
escolher, escolheria
você, minha filha, que
tem muito mais
qualidades que ele."
(risos, na platéia)
Direitos e deveres são
impostos de acordo com
as conveniências dos que
detêm uma posição
sócio-econômica de
elite. A suposta justiça
castiga injustamente os
que não pertencem à
nobreza. E os
sentimentos mais
profundos, ignorados,
criam situações
absurdas.
O elemento perturbador
da história está na
percepção que o filme
transmite quanto à
dualidade do ser humano,
na dicotomia que
contrapõe desejo e
respeito, nas
contradições do bem
enfrentando, em seu
íntimo, o mal que
insiste em surgir até na
pele, no corpo da
paixão, no clamor do
erro pelo perdão.
Julieta finalmente
confessa, verbalizando
pela primeira vez o que
aconteceu naquele
momento em que foi
resgatada do grupo de
soldados: para ela, o
conde era um anjo!
Cercados por regras
artificiais, algumas,
inclusive, desumanas, os
criados representam o
grupo de pessoas onde a
sinceridade repousa,
embora manifestar não se
possa. Devem fingir que
nada ouvem, que de nada
sabem. Ocupados com seus
afazeres, aprenderam a
calar sobre a verdade
(ao contrário dos servos
no teatro de Molière,
que buscam de forma
prática, maliciosa,
engraçada, atender com
artimanhas aos anseios
dos jovens patrões).
Essas circunstâncias de
manifesto preconceito
estão visíveis em "A
Marquesa de O...".
Contudo, um tal contexto
pode ser vencido pelo
amor. Com paciência e
ternura, mas com uma
insistência que não se
cala e se faz presente.
Capaz até de ouvir as
lágrimas escondidas. Um
amor que vai muito além
dos beijos apaixonados e
até dos filhos gerados
por essa união.
Uma determinação amorosa
que não desanima, ainda
que a esperança pareça
estar ausente. Ah, essa
virtude teologal cristã
tudo pode...porque tudo
espera...não das
supostas certezas
materiais, e sim, das
emoções sinceras que
nascem do amor.
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