|
|
|
|
CYL GALLINDO E SEUS AMORES
Tereza Halliday – Artesã de Textos
Quando nos encontrávamos no calçadão de Boa Viagem, interrompíamos nossas caminhadas para dois dedos de prosa. Invariavelmente, eu lhe perguntava: Como vão o Rei David e a Princesa Sofia? Sorria, deliciado com os títulos de nobreza que eu dava a seus netos e, como todo avô babão, atualizava-me sobre a última gracinha ou genialidade desses seus dois amores, residentes na Holanda.
Conhecemo-nos na Coojornape – Cooperativa dos Jornalistas de Pernambuco, inspirada na bem-sucedida congênere gaúcha, que publicava o nacionalmente famoso Coojornal. Apesar da imensa dedicação de seus criadores, a Coojornape teve vida curta. Mas longo sempre foi o empenho do jornalista e escritor Cyl Gallindo por botar pessoas para frente, nunca para trás. Cresceu numa casa sem livros e, já rapazinho, conseguiu adquirir o primeiro. Nunca mais deixou de estar cercado deles. Essa experiência de escassez e fartura de livros levou-o a lutar pelo crescimento da biblioteca de sua cidade natal – Buíque, Pe. “Para dar poder de leitura a quem não pode comprar. Um só livro pode fazer toda a diferença numa vida”.
Livros, a Coojornape, bibliotecas, netos, filhos e Buíque foram alguns de seus amores. “Apesar de feio, tive filhos muito bonitos”, dizia, com um sorriso maroto. Seu território de vivências abrangia quatro cidades: na juventude, o Rio de Janeiro, onde teve militância política e profícuos contatos literários. Lá, o poeta Manuel Bandeira mandava chamá-lo para conversar, alegando estar com saudade “desse sotaque nordestino safado”. Na maturidade, o Recife, onde foi jornalista e membro da Academia Pernambucana de Letras. Brasília, onde foi assessor de comunicação do Senado e “inaugurou a velhice”. Mas a amada Buíque foi a “pátria umbigo... marca mais funda de minha digital, onde se identificam minha própria alma, meu caráter, minha dignidade”.
O maior de seus amores, contudo, parece ter sido o escrever. “Se eu circular muito por lançamentos de livros e coquetéis não me sobra tempo para o meu ofício: pesquisar, escrever”. Não era um recluso, mas defendia sua solidão criativa. Textos estavam sempre brotando de seus dedos, no teclado do computador. Tive o privilégio de ler os originais de seu último conto - primorosa narrativa, transportando a trama de “Sonho de uma noite de Verão” para o Vale do Catimbau, onde a mitologia saxã transmutou-se em folclore nordestino. Deverá constar de antologia onde cada autor baseia-se em uma peça de Shakespeare a fim de criar uma história.
Nunca mais avistarei Cyl Gallindo nas minhas caminhadas. Mas, um dia, no “calçadão sem fim lá do espaço”, eu o encontrarei de novo, pronto para assuntar sobre seus amores. (Diário de Pernambuco, 25/2/2013).
|
|
|
|