Theresa Catharina de Góes Campos

 
Reflexões Homiléticas para Abril de 2013
Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail:
thughes@netpar.com.br

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                SEGUNDO DOMINGO DA PÁSCOA (07.04.13)

                Jo 20, 19-31

                “A paz esteja com vocês”

             No texto anterior ao de hoje, Maria Madalena trouxe a notícia da Ressurreição aos discípulos incrédulos. Agora é o próprio Jesus que aparece a eles. Não há reprovação nem queixa nas suas palavras, apesar da infidelidade demonstrada por todos eles nos dias anteriores, mas somente a alegria e a paz que Ele já tinha prometido no último discurso. Duas vezes Jesus proclama o seu desejo para a comunidade dos seus discípulos: “A paz esteja com vocês”. O nosso termo “paz” procura traduzir - embora de uma maneira inadequada - o termo hebraico “Shalom!”, que é muito mais do que “paz”, conforme o nosso mundo a compreende. “Shalom”, e palavras derivadas, ocorrem mais de 350 vezes no Antigo Testamento. O “Shalom” é a paz que vem da presença de Deus, da justiça do Reino. É tudo que Deus deseja para todos os seus filhos e filhas. O Shalom inclui tudo o que Deus quer para o seu povo! Jesus não promete a paz do comodismo; mas, pelo contrário, envia os seus discípulos na missão árdua em favor do Reino. Promete o Shalom, pois Ele nunca abandonará quem procura viver na fidelidade ao projeto de Deus. Podemos dizer que o Shalom tem dois aspectos inseparáveis - é dom e desafio para os cristãos. É dom, porque somente Deus pode dá-la; é desafio, pois tem que ser construído dia após dia na vida pessoal, familiar, comunitária e social de cada pessoa.

            Jesus soprou sobre os discípulos, como Deus fez (o mesmo termo é usado) sobre Adão quando infundiu nele o espírito de vida (Gn 2, 7); Jesus os recria com o Espírito Santo. Normalmente imaginamos o Espírito Santo descendo sobre os discípulos em Pentecostes; mas, aquilo (relatado por Lucas em Atos) era como a descida oficial e pública do Espírito para dirigir a missão da Igreja no mundo, no plano teológico do autor de Atos. Para João, o dom do Espírito, que por sua natureza é invisível, flui da glorificação de Jesus, da sua volta ao Pai. O dom do Espírito neste texto tem a ver com o perdão dos pecados.

Mais uma vez, no primeiro dia da semana, Jesus aparece aos discípulos (notemos a ênfase sobre o Domingo - duas vezes). Esta vez, Tomé está presente. Ele representa os discípulos da comunidade joanina do fim do século primeiro, que estavam vacilando na sua fé no Ressuscitado, diante dos sofrimentos e tribulações da vida. Assim nos representa, quando nós vacilamos e duvidamos. Jesus nos fortalece com as palavras: “Felizes os que acreditaram sem ter visto!” Essa, muitas vezes, será a realidade da nossa fé: acreditar contra todas as aparências que o bem é mais forte do que o mal e a vida do mais forte que a morte! Somente uma fé profunda e uma experiência da presença do Ressuscitado vão nos dar essa firmeza.

            Tomé confessa Jesus nas palavras que o Salmista usa para Javé (Sl 35, 23). No primeiro capítulo do Evangelho de João, os discípulos deram a Jesus uma série de títulos que indicaram um conhecimento crescente de quem Ele era – “Cordeiro de Deus”, “Rabi”, “Messias”, “Rei de Israel”; aqui, Tomé lhe dá o título final e definitivo: Jesus é Senhor e Deus!

            Nessa proclamação triunfante da divindade de Jesus, o Evangelho terminava (o Capítulo 21 é um epílogo, adicionado mais tarde). No início, João nos informou que “o Verbo era Deus”. Agora, ele repete essa afirmação e abençoa todos os que a aceitam baseados na fé! A meta do evangelho foi alcançada: mostrar a divindade de Jesus, para que acreditando, todos pudessem ter a vida n’Ele.

 

                Terceiro Domingo da Páscoa (14.04.13)

                Jo 21, 1-19

                “É o Senhor!”

 

Quase todas as traduções da Bíblia intitulam o capítulo 21 de João como “Apêndice” ou “Epílogo”. Realmente, em uma primeira edição, o Evangelho terminava no capítulo 20. Mas, devido a uma situação nova nas comunidades, se tornou necessária a adição do último capítulo. Essa situação era a fusão de dois tipos de comunidades cristãs - as da tradição sinótica ou apostólica, e as da tradição da comunidade do Discípulo Amado. Essa fusão aconteceu pelo fim do primeiro século e é simbolizada nos versículos 15-18, onde Pedro recebe a primazia e a missão de pastor dos discípulos. Mas, somente recebe depois de ter afirmado três vezes que amava Jesus. A comunidade do Discípulo Amado aceita a função apostólica de Pedro, mas insiste que antes de ser apóstolo é mais fundamental ser discípulo - ou seja, amar Jesus.

            A primeira parte do texto (vv. 1-14) tem grandes semelhanças com a história da “pesca milagrosa” de Lucas (Lc 5, 1-11); mas, o contexto pós-ressurrecional é diferente. Como sempre, no Quarto Evangelho devemos prestar atenção aos símbolos - sejam eles pessoas, eventos, ou números. Chama a atenção que - embora seja a terceira aparição de Jesus - os discípulos não o reconhecem. Isso demonstra que a presença de Jesus depois da Ressurreição, embora real, não é igual à sua presença durante a sua vida terrestre. Quem O reconhece primeiro é o Discípulo Amado - pois só quem vê com olhos de amor reconhece e vê além das aparências. Como foi o amor que o levou a correr mais depressa ao túmulo do que Pedro em Cap. 20, é o amor que faz com que ele seja o primeiro a reconhecer a presença de Jesus ressuscitado. Ele é o Discípulo Amado e que ama. Pedro o será somente depois da sua profissão de amor (vv. 15-17).

            A pesca simboliza a missão dos discípulos. Segundo muitos estudiosos (embora não haja unanimidade), o número de 153 peixes se baseia no fato de que os zoólogos gregos da antiguidade achavam que existiam no mundo 153 espécies de peixe. Então, o Evangelho estaria dizendo que a Igreja (simbolizada pela rede) pode abraçar o universo inteiro - todos os povos e culturas. É interessante que - diferente da história contada em Lucas - a rede não se rompe! A diversidade de culturas, tradições e povos constitui uma riqueza para a Igreja e não deve levar ao rompimento da unidade, sem que se imponha a uniformidade (a palavra grega que João usa para “romper” é “schisma”). Certamente essa visão deve desafiar e questionar tantas tendências de centralização e rigidez que existem na Igreja hoje!

O nó da questão está na entrega da missão a Pedro. Ele deve ser o Bom Pastor das ovelhas e dos cordeiros - dos membros das comunidades. As ovelhas, porém, não são dele - ele é apenas o Pastor.  As ovelhas pertencem ao Senhor! Aqui Pedro recebe esta grande missão, que nos Sinóticos ele recebe na estrada de Cesaréia de Felipe. Mas, mais importante do que a sua função é a sua vocação de discípulo - aquele que ama e segue o Senhor. Só quem ama Jesus profundamente poderá pastorear os seus seguidores. Se, no primeiro capítulo do Evangelho, Pedro veio a Jesus por mediação do seu irmão André (Jo 1, 40-42), agora recebe o convite do próprio Mestre: “Siga-me”, pois, no amor Ele fez a opção pelo discipulado.

            Todos nós recebemos o mesmo convite: “Siga-me”. Seja qual for a nossa função e missão na Igreja, elas só terão sentido na medida em que realmente amamos Jesus - um amor que só é autêntico se amamos os outros, na luta comum em favor da construção de um mundo onde todos/as possam “ter vida e vida em abundância” (Jo 10, 10), pois “se Deus nos amou a tal ponto, também nós devemos amar-nos uns aos outros” (1Jo 4, 11).

 

                QUARTO DOMINGO DA PÁSCOA (21.04.13)

                Jo 10, 27-30

                “O Pai e eu somos um”

 

            O texto de hoje situa-se no contexto de uma polêmica nos arredores do Templo entre Jesus a as autoridades judaicas, na ocasião da Festa da Dedicação do Templo. Nos versículos anteriores, as autoridades desafiaram Jesus para que se declarasse abertamente o Messias. Ele respondeu que já tinha mostrado isso muitas vezes, através das suas obras, mas, que eles não queriam acreditar, pois não eram as suas ovelhas.

Assim, fica claro que as ovelhas são os discípulos, pois o verdadeiro discípulo ouve a palavra do Senhor e o segue. São conhecidos por Ele - e aqui cumpre lembrar que na linguagem bíblica, a palavra “conhecer” tem conotações mais profundas do que no nosso uso comum. Significa não tanto um saber intelectual, mas uma intimidade profunda do amor. Assim, a bíblia muitas vezes até usa o verbo “conhecer” para significar relação sexual. Assim, Maria questiona o anjo, pois Ela “não conhece” homem (Lc 1, 34). O verdadeiro discípulo é aquele ou aquela que realmente tem um relacionamento de intimidade com Deus e que põe em prática a sua palavra. E quem conhece Jesus, conhece o Pai, pois “o Pai e eu somos um”, como diz Jesus no nosso texto.

            O versículo 28 afirma que Jesus dá a vida eterna aos seus seguidores. Esse é um tema típico de João; e, outros textos do Evangelho podem nos ajudar a aprofundá-lo. No Último Discurso, Jesus explica em que consiste a vida eterna: “A vida eterna é esta: que eles conhecem a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que tu enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17, 3). Mais uma vez, liga o conceito da vida eterna com o de “conhecer”. Mas, em que consiste “conhecer” a Deus?

O profeta Jeremias pode nos esclarecer. Em um trecho contundente, onde ele enfrenta o Rei Joaquim e o condena por não pagar os salários dos seus operários na construção do seu palácio, Jeremias diz o seguinte, referindo-se ao falecido rei justo Josias: “Ele julgava com justiça a causa do pobre e do indigente; e tudo corria bem para ele! Isso não é conhecer-me? - oráculo de Javé” (Jr 22, 16). Conhecer Deus não é em primeiro lugar um exercício intelectual; mas, uma atitude de vida - a prática da justiça, especialmente em favor do oprimido e fraco. Segundo João, então, a vida eterna é o prêmio de quem pratica a justiça de Deus - proposta dos discípulos de Jesus - e não dos que “sabem” muita coisa sobre Deus, mas que não praticam a justiça - representados no texto de hoje pelas autoridades do Templo.

O nosso texto nos traz motivo de muita coragem, pois, afirma que ninguém vai arrancar o verdadeiro discípulo da mão de Jesus (v. 28). Mas, também nos desafia para que verifiquemos se somos realmente discípulos verdadeiros, se conhecemos Jesus e o Pai, isto é, se praticamos a justiça do seu projeto. Pois, a prova de ser verdadeiro discípulo está na prática das obras do Pai, e não no conhecimento teórico de religião.

 

                QUINTO DOMINGO DA PÁSCOA (28.04.13)

Jo 13, 31-33ª 34-35

“Amem-se uns aos outros”

 

            Este texto situa-se no contexto do Último Discurso de Jesus, na Ceia Pascal.  Começa logo após a saída de Judas para trair Jesus, depois que Jesus lhe disse “o que você pretende fazer, faça-o logo” (Jo 13, 27).  Com a licença oficial dada ao agente de Satanás para iniciar o processo que iria matá-lo, Jesus começa o processo da sua glorificação. A sua fidelidade ao projeto do Pai vai levá-lo à Cruz, que, no Quarto Evangelho, não é um sinal de derrota, mas da vitória última e permanente de Deus. Por isso, a morte de Jesus, aparente vitória do mal, será a glorificação de Jesus, e n’Ele, do Pai.

            O anúncio da sua partida, para os judeus uma ameaça (v. 33), é para a comunidade dos seus discípulos um momento de emoção e carinho. A sua última dádiva a eles é um novo mandamento: “eu dou a vocês um novo mandamento: amem-se uns aos outros.  Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros.” (v. 34).

            O que há de novo neste mandamento?  O que diferencia a proposta de amor de Jesus e dos seus seguidores de outras propostas já conhecidas? O mundo do tempo de Jesus, tanto na sociedade pagã como judaica, conhecia propostas de amor mútuo. O mandamento de Jesus é novo em primeiro lugar porque ele se impõe como exigência essencial para entrar na comunidade “escatalógica”. Essa é a comunidade que já experimenta a presença do Reino de Deus, mesmo que ainda espere a sua plena realização, ou seja, uma comunidade que experimenta a salvação já realizada em Jesus, enquanto ainda experimenta a sua situação permanente de fraqueza. Também é novo, porque não se fundamenta nas leis sobre o amor, da tradição judaica (p. ex. Lv 19, 18, ou os documentos do Qumrã), mas na entrega de si, de Jesus. O modelo deste amor é o exemplo do próprio Jesus “assim como eu vos amei!” E como Ele nos amou?  Entregando-se até a morte, para que todos pudessem “ter a vida e a vida plenamente” (Jo 10, 10).  Este amor não é sinônimo de simpatia ou sentimento de atração.  Exige humildade e a disposição para o serviço que leva a morrer pelos outros.  Este “morrer” normalmente não se expressa através de uma morte literal, mas morrendo diariamente ao egoísmo e à busca do poder dominador, para que sejamos servidores, especialmente dos mais humildes, ao exemplo do Mestre que “não veio para ser servido, mas para servir” (Mc 10, 45).

Este amor e tão fundamental para a comunidade dos discípulos de Jesus que deve se tornar o seu sinal característico: “assim todos reconhecerão que vocês são meus discípulos” (v. 35).  Mais do que uma lista de doutrinas, mais do que práticas litúrgicas ou rituais, embora essas tenham o seu lugar e a sua importância, é o amor mútuo e concreto que deve distinguir os discípulos de Jesus.  Atos dos Apóstolos nos lembra que “foi em Antioquia que os discípulos receberam, pela primeira vez, o nome de “cristãos” (At 11, 26).  Receberam uma nova designação, da parte dos outros, porque a sua maneira de viver era marcadamente diferente das outras comunidades religiosas da cidade – era marcada pelo amor mútuo. O Evangelho de hoje nos convida para que honestamente nos examinemos a nós mesmos, para verificar se este amor-serviço ainda é a marca característica de nós, discípulos/as de Jesus, na nossa vida individual e comunitária!

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Pe. Tomaz Hughes, SVD

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