Theresa Catharina de Góes Campos

 

SEXTA FEIRA DA PAIXÃO – FELIZ PÁSCOA

Vivaldo Lima de Magalhães

Quando eu era criança, na Bahia, durante a Semana Santa, nos lares e nas igrejas, costumava-se cobrir as imagens dos Santos com um pano roxo. Minha mãe cobria os quadros de seus Santos - São Raimundo, Nossa Senhora das Dores, da Virgem Santíssima e de Jesus Cristo - que ficavam na parede da sala. Durante três dias, de quarta à Sexta-feira Santa, os quadros não poderiam ser descobertos. Nesse dia, principalmente, as Rádios só tocavam músicas sacras e eruditas. Não se comia carne, recomendava-se abstinência sexual, de bebida alcoólica – o vinho tinto só era permitido às refeições - e havia um clima que nos remetia à reflexão. Havia paz nos lares e nas ruas, mas ao mesmo tempo tudo era soturno e melancólico. Essa sensação de entorpecimento só iria cessar no Sábado de Aleluia, com a “Queima do Judas” (malhação).

Na Bahia era de costume enforcar e, em seguida, queimar um grande boneco de pano cheio de palha seca, para ajudar a combustão. O Judas era vestido com roupas, sapatos, chapéu e gravatas velhos, recheado de bombas e rojões. Depois, aquela espécie de Mandu era pendurado numa estaca, em um catafalco armado em praça pública e junto dele afixava-se um testamento de autor anônimo, feito em prosa ou verso.

Este testamento era uma crônica do lugar e das pessoas, uma crítica e denúncia social. Uma sátira mordaz, cheia de veneno. A leitura do testamento, Inspirado nos cordéis do trovador-repórter Cuíca de Santo Amaro, era recebida com alegria e também com muita apreensão e expectativa por parte das pessoas que tivessem algo a esconder. Exemplo: comprou fiado e não pagou; marido ou mulher que “pulou a cerca”; dono da leiteria que colocou água no leite, ou qualquer outro episódio inusitado para denunciar e fazer o público cair nas gargalhadas, seguido dos protestos e insultos dos ofendidos. Geralmente, a “queima do Judas” começava às 10 horas da manhã e se estendia até o meio dia.

No Domingo de Páscoa, após o almoço, eu costumava assistir no Cine Jandaia a um filme mudo, em preto e branco, intitulado “Nascimento, Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”, repetido anos a fio, durante a Semana Santa, desde os tempos de meus pais e meus avós. O filme era sempre o mesmo. Na plateia, os garotos, que já tinham visto o filme dezenas de vezes, antecipavam a legenda dos diálogos dos atores nas cenas subsequentes, causando aborrecimento aos mais velhos. O cartaz exibido na porta e fachada do cinema era renovado, mas as chamadas eram sempre as mesmas, contendo a relação dos quadros que seriam vistos no filme:

O Nascimento do Menino Deus, Nosso Senhor no Deserto, No Templo de Salomão, Um Milagre, A Ceia dos Doze Apóstolos, A Traição de Judas, A Flagelação, A Coroa de Espinhos, A Crucificação; No Jardim das Oliveiras, Nosso Senhor na Cruz, A Ressurreição”.

Na primeira metade dos anos 50 surgiu o filme “O Manto Sagrado”, de Henry Koster, sonoro e colorido, primeiro filme rodado em Cinemascope, com os atores Richard Burton, Jean Simmons e Victor Mature, que veio para sepultar definitivamente o velho filme mudo, passando a ser exibido anualmente na Semana Santa. Depois, outros filmes bíblicos dirigidos por Cecill B. DeMille, William Wyler, Mervyn Leroy, Delmer Daves, Nicholas Ray, King Vidor e outros, passaram a fazer parte, principalmente durante a Páscoa, da programação dos cinemas do País, com enorme sucesso de bilheteria.

Tudo isso faz parte do passado. Os tempos são outros, e os valores e costumes também não são mais os mesmos. Poucos são aqueles que ainda seguem os rituais da Semana Santa. Talvez, o que a maioria das pessoas ainda cultive é comer peixe na Sexta Feira Santa. Muitos ainda tomam vinho tinto às refeições, mas a maioria bebe mesmo é cerveja. Ouvir música sacra só nos templos religiosos, ou nas residências das pessoas que ainda conservam as tradições. A abstinência sexual é totalmente ignorada. Muita gente nem sabe o que é isso. No entanto, diante de tantas outras transgressões escabrosas, essa aqui é irrelevante.

Por outro lado, outros costumes que não faziam parte da nossa tradição foram introduzidos no Brasil, a exemplo do ovo de páscoa. As fábricas de chocolate, a partir de 1960, investiram na produção dos ovos de chocolate, e hoje em dia ninguém consegue passar a Semana Santa sem comprar esses ovos para dar de presente aos amigos e familiares, principalmente às crianças, porque fomos condicionados a seguir um costume, que não fazia parte da nossa tradição, simplesmente porque nos disseram que o ovo é símbolo da ressurreição de Cristo, que representa a vida e por isso faz parte da festa da Páscoa.

 

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