SEXTA
FEIRA
DA
PAIXÃO
–
FELIZ
PÁSCOA
Vivaldo
Lima
de
Magalhães
Quando eu era criança, na Bahia, durante a Semana Santa,
nos
lares
e
nas
igrejas,
costumava-se
cobrir
as
imagens
dos
Santos
com
um
pano
roxo.
Minha
mãe
cobria
os
quadros
de
seus
Santos
-
São
Raimundo,
Nossa
Senhora
das
Dores,
da
Virgem
Santíssima
e de
Jesus
Cristo
-
que
ficavam
na
parede
da
sala.
Durante
três
dias,
de
quarta
à
Sexta-feira
Santa,
os
quadros
não
poderiam
ser
descobertos.
Nesse
dia,
principalmente,
as
Rádios
só
tocavam
músicas
sacras
e
eruditas.
Não
se
comia
carne,
recomendava-se
abstinência
sexual,
de
bebida
alcoólica
– o
vinho
tinto
só
era
permitido
às
refeições
- e
havia
um
clima
que
nos
remetia
à
reflexão.
Havia
paz
nos
lares
e
nas
ruas,
mas
ao
mesmo
tempo
tudo
era
soturno
e
melancólico.
Essa
sensação
de
entorpecimento
só
iria
cessar
no
Sábado
de
Aleluia,
com
a
“Queima
do
Judas”
(malhação).
Na Bahia era de costume enforcar e, em
seguida,
queimar
um
grande
boneco
de
pano
cheio
de
palha
seca,
para
ajudar
a
combustão.
O
Judas
era
vestido
com
roupas,
sapatos,
chapéu
e
gravatas
velhos,
recheado
de
bombas
e
rojões.
Depois,
aquela
espécie
de
Mandu
era
pendurado
numa
estaca,
em
um
catafalco
armado
em
praça
pública
e
junto
dele
afixava-se
um
testamento
de
autor
anônimo,
feito
em
prosa
ou
verso.
Este testamento era uma crônica do lugar e
das
pessoas,
uma
crítica
e
denúncia
social.
Uma
sátira
mordaz,
cheia
de
veneno.
A
leitura
do
testamento,
Inspirado nos cordéis do trovador-repórter Cuíca de Santo
Amaro,
era
recebida
com
alegria
e
também
com
muita
apreensão
e
expectativa
por
parte
das
pessoas
que
tivessem
algo
a
esconder.
Exemplo:
comprou
fiado
e
não
pagou;
marido
ou
mulher
que
“pulou
a
cerca”;
dono
da
leiteria
que
colocou
água
no
leite,
ou
qualquer
outro
episódio
inusitado
para
denunciar
e
fazer
o
público
cair
nas
gargalhadas,
seguido
dos
protestos
e
insultos
dos
ofendidos.
Geralmente,
a
“queima
do
Judas”
começava
às
10
horas
da
manhã
e se
estendia
até
o
meio
dia.
No Domingo de Páscoa, após o almoço, eu
costumava
assistir
no
Cine
Jandaia
a um
filme
mudo,
em
preto
e
branco,
intitulado
“Nascimento,
Vida,
Paixão
e
Morte
de
Nosso
Senhor
Jesus
Cristo”,
repetido
anos
a
fio,
durante
a
Semana
Santa,
desde
os
tempos
de
meus
pais
e
meus
avós.
O
filme
era
sempre
o
mesmo.
Na
plateia,
os
garotos,
que
já
tinham
visto
o
filme
dezenas
de
vezes,
antecipavam
a
legenda
dos
diálogos
dos
atores
nas
cenas
subsequentes,
causando
aborrecimento
aos
mais
velhos.
O
cartaz
exibido
na
porta
e
fachada
do
cinema
era
renovado,
mas
as
chamadas
eram
sempre
as
mesmas,
contendo
a
relação
dos
quadros
que
seriam
vistos
no
filme:
“O Nascimento do Menino Deus, Nosso Senhor no Deserto,
No
Templo
de
Salomão,
Um
Milagre,
A
Ceia
dos
Doze
Apóstolos,
A
Traição
de
Judas,
A
Flagelação,
A
Coroa
de
Espinhos,
A
Crucificação;
No
Jardim
das
Oliveiras,
Nosso
Senhor
na
Cruz,
A
Ressurreição”.
Na primeira metade dos anos 50 surgiu o
filme
“O
Manto
Sagrado”,
de
Henry
Koster,
sonoro
e
colorido,
primeiro
filme
rodado
em
Cinemascope,
com
os
atores
Richard
Burton,
Jean
Simmons
e
Victor
Mature,
que
veio
para
sepultar
definitivamente
o
velho
filme
mudo,
passando
a
ser
exibido
anualmente
na
Semana
Santa.
Depois,
outros
filmes
bíblicos
dirigidos
por
Cecill
B.
DeMille,
William
Wyler,
Mervyn
Leroy,
Delmer
Daves,
Nicholas
Ray,
King
Vidor
e
outros, passaram a fazer parte, principalmente durante a Páscoa,
da
programação
dos
cinemas
do
País,
com
enorme
sucesso
de
bilheteria.
Tudo isso faz parte do passado. Os tempos
são
outros,
e os
valores
e
costumes
também
não
são
mais
os
mesmos.
Poucos
são
aqueles
que
ainda
seguem
os
rituais
da
Semana
Santa.
Talvez,
o
que
a
maioria
das
pessoas
ainda
cultive
é
comer
peixe
na
Sexta
Feira
Santa.
Muitos
ainda
tomam
vinho
tinto
às
refeições,
mas
a
maioria
bebe
mesmo
é
cerveja.
Ouvir
música
sacra
só
nos
templos
religiosos,
ou
nas
residências
das
pessoas
que
ainda
conservam
as
tradições.
A
abstinência
sexual
é
totalmente
ignorada.
Muita
gente
nem
sabe
o
que
é
isso.
No
entanto,
diante
de
tantas
outras
transgressões
escabrosas,
essa
aqui
é
irrelevante.
Por outro lado, outros costumes que não
faziam
parte
da
nossa
tradição
foram
introduzidos
no
Brasil,
a
exemplo
do
ovo
de
páscoa.
As
fábricas
de
chocolate,
a
partir
de
1960,
investiram
na
produção
dos
ovos
de
chocolate,
e
hoje
em
dia
ninguém
consegue
passar
a
Semana
Santa
sem
comprar
esses
ovos
para
dar
de
presente
aos
amigos
e
familiares,
principalmente
às
crianças,
porque
fomos
condicionados
a
seguir
um
costume,
que
não
fazia
parte
da
nossa
tradição,
simplesmente
porque
nos
disseram
que
o
ovo
é
símbolo
da
ressurreição
de
Cristo,
que
representa
a
vida
e
por
isso
faz
parte
da
festa
da
Páscoa.