Theresa Catharina de Góes Campos

 

Reflexões Homiléticas para Maio de 2013

Pe. Tomaz Hughes, SVD

E-mail: thughes@netpar.com.br

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SEXTO DOMINGO DA PÁSCOA (05.05.13)

Jo 14, 23-29

“Eu lhes dou a minha paz”

 

A porta de entrada do texto é o versículo anterior, onde Judas, não o Iscariotes, pergunta a Jesus durante a Última Ceia, “por quê vais manifestar-te a nós e não ao mundo?” (v. 22). Jesus dá a resposta - o Pai vem morar no cristão que guarda a sua palavra, pois as suas palavras são as do Pai. O mundo (aqui entendido como o anti-reino, não o mundo físico) não ama a Deus. A presença de Deus só pode ser experimentada por aquele que O ama. Não é possível amar a Deus sem guardar a sua palavra.

Versículo 26 traz a segunda predição no Último Discurso da vinda do Paráclito (Jo 14, 15). Aqui se focaliza mais o seu papel de ensinamento, um ensinamento que clarificará o que Jesus ensinou. Ele vai fazer com que os discípulos “lembrem” tudo o que Jesus disse. Aqui “lembrar” significa a capacidade de entender o verdadeiro sentido das palavras e ações de Jesus, depois da Ressurreição (2, 22; 12, 16). O Espírito Santo, aqui descrito como Paráclito (no sistema judicial grego, o Paráclito era o advogado da defesa), não trará ensinamento que seja independente da revelação de Jesus. Ele vai preservar os discípulos de erro e guardá-los perto de Jesus.

            Com esse dom, Jesus deixa com a sua comunidade a sua paz. Ele usa a palavra tradicional dos judeus para a paz, “Shalom”. É uma paz baseada na vinda do Espírito, que será atualizada na noite de Páscoa quando dirá: “A paz esteja com vocês! Recebam o Espírito Santo” (Jo 20, 21-22). Enfatiza que não é a paz como o mundo a entende - muitas vezes simplesmente como a ausência de briga. Frequentemente a paz que o mundo dá é aquela falsa, que depende da força das armas para reprimir as legítimas aspirações do povo sofrido - como tantos países experimentaram, ou ainda experimentam, durante as ditaduras de direita e da esquerda. O “shalom” é tudo o que o Pai quer para o seu povo. Só existe quando reina o projeto de vida de Deus. Implica a satisfação de todas as necessidades básicas da pessoa humana, da libertação da humanidade do pecado e das suas consequências. O “shalom” dos discípulos não pode ser perturbado pelo fato da partida de Jesus, pois é através da volta do Filho para o Pai que o Shalom via se instalar.

O “shalom”, a verdadeira paz, é um dom de Deus. Mas, precisa da colaboração humana! Diante de tantas barbaridades hoje, de tanta violência no campo e na cidade, da exploração do latifúndio, da impunidade, da corrupção quase endêmica, qual deve ser a atitude do cristão? Se nós acreditamos no shalom, nunca podemos compactuar com sistemas repressivos ou elitistas que tiram da maioria (ou da minoria) os direitos básicos que pertencem a todos os filhos/as de Deus. Às vezes, este shalom convive ao lado do sofrimento e perseguição por causa do Reino; mas, quem experimenta na intimidade a presença da Trindade, também experimenta a verdade da frase do texto de hoje: “não fiquem perturbados, nem tenham medo” (v. 27), pois disse Jesus, “eu venci o mundo”. Por isso, devemos sempre “fazer a memória de Jesus” (aqui destaca-se o momento privilegiado da celebração eucarística) - da sua pessoa e do projeto d’Ele, para que tenhamos critérios certos para verificar a presença - ou ausência - do “shalom” na nossa sociedade e nos comprometermos com a criação do mundo mais justo que Deus quer.

 

FESTA DA ASCENSÃO DO SENHOR (12.05.13)

Lc 24,46-53

“Afastou-se deles e foi levado ao céu”

 

            Chegamos ao último trecho do Evangelho de Lucas. Quase todo esse capítulo é encontrado somente em Lucas, e revela bem o seu pensamento. Podemos dizer que o Evangelho todo culmina na postura dos discípulos, descrita em versículo 52: “Eles o adoraram”. Essa é a primeira e única vez que Lucas diz que os discípulos adoraram Jesus. Aqui há uma aproximação entre a cristologia de Lucas e a de João em Jo 20, 28.

            O trecho abre com uma frase que faz lembrar os dois discípulos na estrada de Emaús: “Jesus abriu a mente deles para entenderem as Escrituras” (v. 45). Vale a pena salientar que Ele fez que eles “entendessem” as Escrituras - não que as “conhecessem”, pois, estavam bem a par de tudo que as Escrituras falavam! O problema deles - como dos dois de Emaús - era de entender como as Escrituras podiam iluminar a sua caminhada, na sua situação concreta.

            Lucas frisa que o anúncio do Evangelho incluirá a grande Boa Nova do perdão dos pecados. Essa Boa Notícia “será anunciada a todas as nações, começando por Jerusalém” (v.47). Aqui explica como a salvação chegará aos outros povos - através da pregação e testemunho das comunidades cristãs. Por isso, devemos entender a frase “E vocês são testemunhas disso” (v. 48) como referente não só aos Onze, mas a todos os discípulos e discípulas de Jesus! Podemos lembrarmo-nos de Lc 24, 9.33 - onde enfatiza que além dos Onze, estavam também presentes “os outros”. Isso é importante para que não caiamos na cilada de achar que a missão de testemunhar os valores do Reino seja algo reservado aos ministros ordenados. O Documento de Aparecida insiste muito que não é possível ser discípulo/a de Jesus sem ser missionário/a. Essa incumbência e privilégio vêm do nosso batismo! As comunidades poderão contar com um poderoso ajudante nesta missão gostosa, mas árdua - o Espírito Santo, prometido pelo Pai: “Agora eu lhes enviarei aquele que meu Pai prometeu” (v. 49). O comprimento dessa promessa será graficamente descrito na continuação da obra de Lucas, nos primeiros dois capítulos dos Atos dos Apóstolos.

            O último parágrafo contém numerosas referências a Lc 1, 5-2,25. O texto grego usa o verbo que no Antigo Testamento é usado para descrever o Êxodo, quando diz: “Jesus levou os discípulos para fora da cidade” (v. 50). Para Lucas, Jesus está prestes a completar o seu Êxodo ao Pai. Mas antes, “Ergueu as mãos e os abençoava” (v. 50b). É a única vez que no Evangelho de Lucas se diz que Jesus abençoou alguém. No fim da liturgia da sua vida, Jesus dá a sua bênção final aos que vão continuar a sua missão! Os discípulos sentem grande alegria - um tema destacado no início da vida de Jesus, no seu nascimento em Belém, quando os anjos trouxeram notícias de grande alegria! A alegria prometida no início está presente no fim! Por isso, os discípulos se encontram no Templo, onde Jesus foi apresentado e onde Simeão louvou a Deus. O Evangelho de Lucas conclui afirmando que eles também “Estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus” (v. 53). O autor termina enfatizando a resposta que os seus leitores devem dar, na medida em que eles aceitam que em Jesus chegou a nossa salvação através da ação gratuita do Deus misericordioso!

Esta resposta de bendizer a Deus não é somente com os lábios, mas com uma vida dedicada e missionária, no seguimento de Jesus de Nazaré e comprometida com a construção de comunidades e sociedades alternativas, baseadas na partilha e na solidariedade. Esse é um dos grandes temas da segunda parte da obra de Lucas, que nós conhecemos como “Atos dos Apóstolos”, um dos livros bíblicos preferidos no estudo bíblico nas comunidades de hoje.

 

DOMINGO DE PENTECOSTES (19.05.13)

At 2, 1-11

“Todos ficaram repletos do Espírito Santo”

 

A liturgia de hoje nos descreve a descida do Espírito Santo sobre a comunidade dos discípulos, em duas tradições - a de Lucas (Atos) e da Comunidade do Discípulo Amado (João 20). Salta aos olhos que uma leitura fundamentalista da bíblia - infelizmente ainda muito comum entre nós - leva a gente a um beco sem saída, pois no Evangelho de João a Ressurreição, a Ascensão e a descida do Espírito se deram no mesmo dia (Páscoa), enquanto Lucas separa os três eventos, em um período de cinquenta dias. Por isso, devemos ler os textos dentro dos interesses teológicos dos diversos autores - os 40 dias de Lucas, por exemplo, entre a Ressurreição e a Ascensão, correspondem aos 40 dias da preparação de Jesus no deserto, para a sua missão. Pois, como Jesus ficou “repleto do Espírito Santo” (Lc 4, 1) e se lançou na sua missão “com a força do Espírito” (Lc 4, 14), a comunidade cristã se preparou durante o mesmo período, e na festa judaica de Pentecostes também experimentou que “todos ficaram repletos do Espírito Santo” (At 2, 4).

            Uma leitura superficial do texto de Atos dá a impressão de um relato uniforme e coeso - mas, isso se deve à habilidade literária do autor. Na verdade, ele costurou um relato só, tecendo elementos de duas tradições. Uma leitura cuidadosa nos mostra essas duas tradições: a primeira está nos vv. 1-4, uma tradição mais antiga e apocalíptica; a segunda está nos vv. 5-11, mais profética e missionária.

Nos primeiros versículos, estamos no ambiente de uma casa, onde os discípulos se reuniram. Atos nos faz lembrar que estavam reunidos três grupos distintos: os Onze; as mulheres, entre as quais Maria a mãe de Jesus; e, os irmãos do Senhor. Embora talvez representem três tradições cristológicas diferentes no tempo de Lucas, ele faz questão de enfatizar que todos estavam reunidos com “os mesmos sentimentos, e eram assíduos na oração” (At 1, 14). Quer dizer, a descida do Espírito não é algo mágico; mas, consequência da unidade na fé e no seguimento do projeto de Jesus.

            O primeiro relato (vv. 1-4) usa imagens apocalípticas, símbolos da teofania, ou da manifestação da presença de Deus - o som de um vendaval e as línguas de fogo. A expressão externa da descida do Espírito é o “falar em outras línguas” (não o “falar em línguas”- glossolalia - tão valorizado por muitos grupos de cunho neo-pentecostal).

A segunda tradição muda o enfoque. O ambiente muda da casa para um lugar público - provavelmente o pátio do Templo. O sinal visível da presença do Espírito não é mais o falar em outras línguas, mas o fato que todos os presentes pudessem “ouvir, na sua própria língua, os discípulos falarem” (At 1, 6). O termo “ouvir” aqui implica também “compreender”. Três vezes o relato destaca o fato dos presentes poderem “ouvir” na sua própria língua (vv. 6.8.11). Assim, Lucas quer enfatizar que o dom do Espírito Santo tem um objetivo missionário e profético - de fazer com que toda a humanidade possa ouvir e compreender a nova linguagem, que une todas as raças e culturas - ou seja, a do amor, da solidariedade, do projeto de Jesus, do Reino de Deus.

            A lista dos presentes tem um sentido especial - estão mencionadas raças, áreas geográficas, culturas e religiões. Todos ouvem as maravilhas do Senhor. Assim Lucas ensina que a aceitação do Evangelho não exige o abandono da identidade cultural. Contesta a dominação cultural, ou seja, a identificação do Evangelho com uma cultura específica. Durante séculos, esse fato foi esquecido nas Igrejas, e identificava-se o Evangelho com a sua expressão cultural europeia. Nos últimos anos, a Igreja tem insistido muito na necessidade da “inculturação”, de anunciar e vivenciar a mensagem de Jesus dentro das expressões culturais das diversas raças e etnias. O texto é uma releitura da Torre de Babel, onde a língua única era o instrumento de um projeto de dominação (uma torre até o céu) que foi destruído por Deus pela diversidade de línguas. Nenhuma cultura ou etnia pode identificar o evangelho com a sua expressão cultural dele.

Hoje é uma grande festa missionária. Marca a transformação da Igreja de uma seita judaica em uma comunidade universal, missionária, mas, não proselitista, comprometida com a construção do Reino de Deus “até os confins da terra”. Lucas insiste que a experiência de Pentecostes não se limita a um evento - é uma experiência contínua - por isso relata novas descidas do Espírito Santo: em uma comunidade em oração em uma casa (At 4, 31), sobre os samaritanos (At 8, 17), e para o espanto dos judeu-cristãos ortodoxos, sobre os pagãos na casa do Cornélio (At 10, 4). Pois, o Espírito Santo sopra onde quer, sobre quem quer, em favor do Reino de Deus.

Aprendamos do texto de Atos, e celebremos a nossa vocação missionária, não a de falar em línguas, mas de falar a língua única do amor e do compromisso com o Reino, para que a mensagem do Evangelho penetre todos os povos, culturas, raças e etnias.

 

FESTA DA SANTÍSSIMA TRINDADE (26.05.13)

Jo 16, 12-15

“O Espírito não falará em seu próprio nome”

 

Hoje celebramos o mistério insondável de Deus, a Santíssima Trindade. Durante os primeiros séculos da sua existência, a Igreja tinha dificuldade para expressar em palavras o inexprimível - a natureza do Deus em que acreditamos. Chegou à expressão belíssima do Credo Niceno-Constantinopolitano, pouco usado nas celebrações de hoje, onde celebra o Pai “criador de todas as coisas”, o Filho, “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado’, e o Espírito que “dá a vida, e procede do Pai e do Filho”. Mas, mesmo essas expressões tão profundas não conseguem explicar a Trindade, pois, se Deus fosse compreensível à mente humana, não seria Deus.

O Quarto Evangelho nos traz formulações muito bonitas referentes à Trindade, com destaque especial para a ação do Espírito Santo, especialmente no último Discurso de Jesus. Nesses capítulos (13-17), o Espírito é apresentado como o Paráclito, uma palavra grega que significa, em nossa linguagem, o Advogado da Defesa. Em diversos textos João expressa a função do Espírito dentro da comunidade pós-ressurrecional. No capítulo 16, de onde se tira o texto de hoje, existe um trecho trinitário: vv. 13-15 se referem ao Espírito; vv. 16-22, a Jesus; vv. 23-27, ao Pai.

No texto que refletimos, a função do Espírito de ensinar é enfatizada. Como em Cap. 14, em um texto paralelo, esse ensinamento não trará nada de novo. Jesus já recebeu tudo do Pai e o Paráclito recebe tudo de Jesus. Mas, o ensinamento d’Ele vai fazer com que os discípulos compreendam melhor o que significava o ensinamento que receberam de Jesus. Vai fazer com que eles “recordem” as suas palavras, e assim consigam colocá-las em prática. O termo “verdade” que se usa neste texto tem o mesmo sentido que tem em outros textos do Quarto Evangelho, isso é, a fé em Jesus como a revelação de Deus e quem fala as palavras de Deus (Jo 3, 20.33; 8, 40.47).

Dentro das limitações da linguagem humana, tentamos expressar o mistério da Trindade como “três pessoas em uma única natureza”. Mais importante do que encontrar fórmulas abstratas para expressar o que no fundo é inexprimível, é descobrir o que a doutrina da Trindade possa nos ensinar para a nossa vida cristã. Talvez, o livro de Gênesis nos ajude. Lá se diz que Deus “criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus Ele o criou; e os criou homem e mulher” (Gn 1, 28). Se estamos criados na imagem e semelhança de Deus, é de um Deus que é Trindade, que é comunidade perfeita na diversidade. Assim, só podemos ser pessoas realizadas na medida em que vivemos comunitariamente. Quem vive só para si é destinado à frustração e infelicidade, pois está negando a sua própria natureza. O egoísmo é a negação de quem somos, pois nos fecha sobre nós mesmos, enquanto fomos criados na imagem de um Deus que é o contrário do individualismo, pois é Trindade.

No mundo pós-moderno, onde o individualismo social, econômico e religioso é tido como critério fundamental da vida, a doutrina da Trindade nos desafia para que vivamos a nossa vocação comunitária, criando uma sociedade de partilha, solidariedade e justiça, no respeito do diferente do outro, pois fomos criados na imagem e semelhança deste Deus que é amor e comunhão. A festa de hoje não é de um mistério matemático - como pode ter um em três - mas do mistério do amor de Deus, que nos criou para que vivêssemos comunitariamente na Sua imagem e semelhança.

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Pe. Tomaz Hughes, SVD

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