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A MENINA QUE NÃO SABIA BRINCAR
de Theresa Catharina de Góes
Campos
Brasília - DF, abril de 1967
A minha adorada mamãe, o meu
primeiro livro para crianças.
Therezita
TEXTO
(sem as ilustrações que poderiam
ser colocadas em cada página)
Regina morava numa linda
casa, com jardim e quintal, na
beira da praia.
Mas, aos 10 anos de idade, não
tinha amizades.
Tinha muitos brinquedos. Amigos,
nenhum.
De que lhe serviam: a casa
bonita, o jardim e o quintal
onde havia um cajueiro?
Era divertido, brincar sozinha
com tantos brinquedos?
Regina sentia-se orgulhosa de
suas bonecas, do pianinho, dos
jogos e das bolas coloridas.
Estava cansada, porém, de
brincar sozinha. Não achava mais
graça. (A culpa não era dos
brinquedos, que continuavam
coloridos e bonitos...)
Uma tarde, sua mãe lhe disse que
ia convidar as crianças da
redondeza para uma festa. Regina
nunca tivera uma festa em sua
casa. Seus pais achavam que era
preciso gastar muito dinheiro
numa ocasião dessas. Mas viram a
solidão de sua filha e tiveram
pena.
As crianças chegaram ...
barulhentas e alegres.
Espalharam-se pelos cantos da
sala e percorreram os quartos da
casa. Logo depois foram, bem
animadas, conhecer o jardim.
Davam gritos de alegria ao ver
as árvores do quintal. E de novo
entravam na casa.
O espanto maior aconteceu quando
viram a quantidade enorme de
brinquedos, sobre a cama e os
outros móveis do quarto de
Regina. Os meninos pegaram no
trenzinho elétrico e começaram a
brincar. As meninas escolheram
uma boneca para embalar ao som
de uma canção de ninar.
Regina não conseguia entender
aquele comportamento. Zangou-se.
Quis tomar os brinquedos das
mãos dos convidados. As crianças
gritaram, sem querer entregar as
bonecas, as bolas, os bichos de
corda, o trenzinho.
A mãe de Regina entrou no
quarto. Sua filha chorava. Dona
Ivone explicou-lhe que devia
permitir aos convidados brincar
com os seus brinquedos. A muito
custo, Regina concordou.
Quando as crianças saíram, a mãe
de Regina chamou-a para
conversar.
- Minha filha, você não gostou
de ver os seus convidados
brincando?
- Com os “meus” brinquedos,
mamãe?!
- Sim, com os seus brinquedos.
Quando você for à casa de seus
amiguinhos, também brincará com
os brinquedos que são deles.
Aproveite as férias da
escola...não há motivo para
tristeza!
No dia seguinte, Regina
empurrava num carrinho a sua
boneca mais linda. Depois do
passeio, mudou-lhe a roupinha.
No fim de algum tempo, achou a
brincadeira sem graça. Não tinha
ninguém com quem conversar.
Ficou triste. Chorou. Até
esqueceu a presença da boneca
mais querida.
Dona Ivone, ao ver a tristeza de
sua filha, resolveu levá-la à
casa vizinha, onde moravam duas
garotinhas mais ou menos da
idade de Regina.
As meninas receberam Regina com
alegria. Na varanda da casa,
tinham preparado uma
“residência” para as bonecas:
com móveis, geladeira, pratos,
copos e talheres de plástico.
Regina ficou admirada ao saber
que os brinquedos eram das duas
irmãs. Lúcia e Marina, esses
eram os nomes das meninas,
disseram a Regina que iam
brincar juntas, de “dona de
casa”.
As bonecas seriam suas
“filhinhas”.
Após arrumarem a “casa”, as três
meninas resolveram levar suas
bonecas a passear pelo jardim.
Mostraram as flores às suas
bonecas. Pela manhã, ficavam
salpicadas de alvorada. Naquele
momento, o sol dourava as flores
vestidas de azul, que sorriam
para a tarde luminosa. Os
miosótis, em sua meiguice
silenciosa, pareciam mesmo falar
“Não te esqueças de mim”.
Os caracóis saíram de seus
esconderijos nas folhagens do
jardim, para verem as meninas e
suas bonecas. Cochicharam uns
com os outros. Mas não estavam
falando da vida alheia, não.
Eram caracóis bem educados e de
bom coração.
Comentavam sobre a alegria das
garotas. Gostavam do sorriso das
meninas. Pensavam que as vozes
das meninas eram canções de
amor.
As nuvens do céu também queriam
apreciar as meninas partilhando
os seus brinquedos ... e
decidiram empurrar o sol. Elas
sempre choravam quando viam
brigas e guerras. Queriam ver
aquela cena de união, numa
brincadeira infantil. Como
estavam unidas, as nuvens
conseguiram afastar o sol.
A mãe de Lúcia e Marina
apareceu, então, à porta da
casa:
- O céu está anunciando chuva. É
melhor vocês guardarem os
brinquedos. Entrem, para brincar
na sala.
As nuvens sorriram, apreciando
os movimentos das garotas.
Naquela noite, Regina disse à
mãe, antes de ir dormir:
- Quando eu brinco com outras
meninas, não tenho só para mim
tantos brinquedos, o que é um
pouco ruim... Mas não tem mesmo
graça brincar sozinha.
Mãe e filha riram. Ainda estavam
rindo, felizes, quando o pai de
Regina chegou do seu trabalho.
Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília - DF, abril de 1967
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