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CIRURGIA PLÁSTICA IMOBILIÁRIA
Tereza Halliday
Artesã de Textos -
Diretor de uma das
grandes empresas imobiliárias, em entrevista a
este jornal, anos atrás, declarou: “Estamos
transformando a face do Recife”. Li e concluí na
bucha: e a face do Recife está virando um
Frankenstein. Eis um exemplo de argumento
entimemático. Trata-se de uma assertiva
completada na cabeça do
leitor/ouvinte/teleouvinte, da forma que o autor
da mensagem não previu nem desejaria. É o terror
dos publicitários e marqueteiros políticos.
Outro exemplo: ao voltar ao Recife, depois de
cinco anos ausente, encontrei a cidade coalhada
de posters com foto do político Jarbas
Vasconcelos e a legenda: “Este cara é a cara do
PMDB”. Naquela época, o pronome “este” ainda não
havia morrido e Jarbas tinha olheiras fundas e
pálpebras caídas, que lhe davam aspecto
enfermiço, antes da cirurgia corretora. Minha
reação imediata ao poster foi: então o PMDB está
muito doente! Argumento entimemático natural –
dedução óbvia, mas não antecipada pelos
planejadores da campanha.
No caso da “cirurgia plástica” imobiliária, os
anos confirmaram minha conclusão: apesar de
algumas belezuras arquitetônicas, a face do
Recife transformou-se num Frankenstein, com a
colaboração de governos, vendedores de casas
antigas e compradores de imóveis novos. A cidade
tornou-se um monstrengo e a qualidade de vida
urbana baixou. A verticalização acelerada
aumentou a temperatura, obstruiu a paisagem,
estuporou as já deficientes redes de esgotos e
elétricas; o tráfego piorou e, com ele, a
poluição do ar. A densidade demográfica para
cima cobrou seu preço para os lados. A cidade
ficou mais difícil de viver, apinhada de torres
de moradia e trabalho. Mas a responsabilidade
dos “cirurgiões plásticos” da construção civil
não é somente deles. É repartida entre muitos
outros transformadores da face do Recife. As
imobiliárias vão comendo pelas beiras da incúria
de legisladores e gestores públicos da ocupação
do solo, ávidos de IPTU, avaros de usar o
recolhimento dos impostos em calçadas e
calçamentos de qualidade. Como diria o Barão de
Itararé, “as consequências vêm depois”.
Nos anos 80 do século passado, ao visitar Viena,
uma amiga encontrou a cidade em obras. “É para
resolver o problema do metrô”, explicavam os
nativos. “Mas vocês não têm problema de metrô”,
disse ela, encantada com a excelente qualidade
do transporte público. Responderam-lhe: “Mas
daqui a 19 anos teremos, se não fizermos estas
obras agora”. Transformavam a face de Viena com
senso de futuro, o planejamento era levado a
sério, e prevalecia o respeito pela qualidade de
vida dos habitantes da cidade e dos turistas.
Ai, que inveja!
(Diário de Pernambuco, 9/9/2013) |
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