Theresa Catharina de Góes Campos

  CIRURGIA PLÁSTICA IMOBILIÁRIA

Tereza Halliday
Artesã de Textos -

Diretor de uma das grandes empresas imobiliárias, em entrevista a este jornal, anos atrás, declarou: “Estamos transformando a face do Recife”. Li e concluí na bucha: e a face do Recife está virando um Frankenstein. Eis um exemplo de argumento entimemático. Trata-se de uma assertiva completada na cabeça do leitor/ouvinte/teleouvinte, da forma que o autor da mensagem não previu nem desejaria. É o terror dos publicitários e marqueteiros políticos. Outro exemplo: ao voltar ao Recife, depois de cinco anos ausente, encontrei a cidade coalhada de posters com foto do político Jarbas Vasconcelos e a legenda: “Este cara é a cara do PMDB”. Naquela época, o pronome “este” ainda não havia morrido e Jarbas tinha olheiras fundas e pálpebras caídas, que lhe davam aspecto enfermiço, antes da cirurgia corretora. Minha reação imediata ao poster foi: então o PMDB está muito doente! Argumento entimemático natural – dedução óbvia, mas não antecipada pelos planejadores da campanha.

No caso da “cirurgia plástica” imobiliária, os anos confirmaram minha conclusão: apesar de algumas belezuras arquitetônicas, a face do Recife transformou-se num Frankenstein, com a colaboração de governos, vendedores de casas antigas e compradores de imóveis novos. A cidade tornou-se um monstrengo e a qualidade de vida urbana baixou. A verticalização acelerada aumentou a temperatura, obstruiu a paisagem, estuporou as já deficientes redes de esgotos e elétricas; o tráfego piorou e, com ele, a poluição do ar. A densidade demográfica para cima cobrou seu preço para os lados. A cidade ficou mais difícil de viver, apinhada de torres de moradia e trabalho. Mas a responsabilidade dos “cirurgiões plásticos” da construção civil não é somente deles. É repartida entre muitos outros transformadores da face do Recife. As imobiliárias vão comendo pelas beiras da incúria de legisladores e gestores públicos da ocupação do solo, ávidos de IPTU, avaros de usar o recolhimento dos impostos em calçadas e calçamentos de qualidade. Como diria o Barão de Itararé, “as consequências vêm depois”.

Nos anos 80 do século passado, ao visitar Viena, uma amiga encontrou a cidade em obras. “É para resolver o problema do metrô”, explicavam os nativos. “Mas vocês não têm problema de metrô”, disse ela, encantada com a excelente qualidade do transporte público. Responderam-lhe: “Mas daqui a 19 anos teremos, se não fizermos estas obras agora”. Transformavam a face de Viena com senso de futuro, o planejamento era levado a sério, e prevalecia o respeito pela qualidade de vida dos habitantes da cidade e dos turistas. Ai, que inveja!

(Diário de Pernambuco, 9/9/2013)
 

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