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ENCONTROS COM CACHORROS
Tereza Halliday – Artesã de Textos
Na adolescência, entrou uma vira-lata em minha
vida. Cor de papa de aveia, invadiu a garagem lá
de casa a fim de parir cinco filhotes, “negros
como a asa da graúna”, inegáveis filhos do pai
desconhecido. Minha mãe não permitiu que meus
irmãos e eu ficássemos com um dos cachorrinhos.
Passado o resguardo, Tuninha voltou a morar na
rua. Jamais conheceu ração balanceada, vacinas,
tosas, pernoites em “dog houses”, brinquedos de
borracha. Mas eu a dignificara, dando-lhe um
nome. Daí, sua gratidão, atendendo ao meu
chamado com a cauda a dançar, como é típico de
alegria canina. Sou, pois, declaradamente capaz
de sentir ternura por cachorro e concordo que
eles ganham de dez a zero dos humanos em matéria
de lealdade.
O que não posso aceitar é intimidade forçada. Os
passeadores de cães parecem achar natural que o
animalzinho (ou zão) encoste seu bafo quente,
seu focinho frio e sua baba nas minhas pernas.
Querendo tranquilizar-me, invariavelmente dizem:
“Não morde não”. Nem percebem a injúria cometida
contra o bicho de estimação. Negam a própria
“cachorridade” do animal, que nasceu canino, com
a capacidade inata de morder. Sua natureza
intrínseca de cão torna-o mordedor, mesmo quando
de boa índole. Já vi crianças aterrorizadas por
cachorro menor ou maior que elas, que “só queria
brincar” e as derrubou ou arranhou. Quando um
deles, deixados à própria espontaneidade, invade
meu espaço e resolve me cheirar e me lamber,
digo amigavelmente ao dono: eu sei que ele não
morde (mentira diplomática), mas incomoda. Isto
parece difícil de entrar na cachola dos
proprietários ou seus procuradores que levam o
animal a passear. E nenhum escapa de seu destino
ontológico, mesmo de banho tomado: têm cheiro de
cachorro, que nem todo mundo aprecia.
Nos meus encontros regulares com passeadores de
cachorros, não deixo de elogiar efusivamente a
boa educação e senso de cidadania daqueles
munidos de sacos plásticos para recolher o cocô
que os bichos deixam cair no chão. Só falta
levar Pinho Sol para borrifar o xixi
irrecolhível, que contribui para a inhaca de
nossas calçadas. Mas, aí é pedir demais!
(Diário de Pernambuco, 5/5/2014)
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