Theresa Catharina de Góes Campos

 


ENCONTROS COM CACHORROS

Tereza Halliday – Artesã de Textos


Na adolescência, entrou uma vira-lata em minha vida. Cor de papa de aveia, invadiu a garagem lá de casa a fim de parir cinco filhotes, “negros como a asa da graúna”, inegáveis filhos do pai desconhecido. Minha mãe não permitiu que meus irmãos e eu ficássemos com um dos cachorrinhos. Passado o resguardo, Tuninha voltou a morar na rua. Jamais conheceu ração balanceada, vacinas, tosas, pernoites em “dog houses”, brinquedos de borracha. Mas eu a dignificara, dando-lhe um nome. Daí, sua gratidão, atendendo ao meu chamado com a cauda a dançar, como é típico de alegria canina. Sou, pois, declaradamente capaz de sentir ternura por cachorro e concordo que eles ganham de dez a zero dos humanos em matéria de lealdade.

O que não posso aceitar é intimidade forçada. Os passeadores de cães parecem achar natural que o animalzinho (ou zão) encoste seu bafo quente, seu focinho frio e sua baba nas minhas pernas. Querendo tranquilizar-me, invariavelmente dizem: “Não morde não”. Nem percebem a injúria cometida contra o bicho de estimação. Negam a própria “cachorridade” do animal, que nasceu canino, com a capacidade inata de morder. Sua natureza intrínseca de cão torna-o mordedor, mesmo quando de boa índole. Já vi crianças aterrorizadas por cachorro menor ou maior que elas, que “só queria brincar” e as derrubou ou arranhou. Quando um deles, deixados à própria espontaneidade, invade meu espaço e resolve me cheirar e me lamber, digo amigavelmente ao dono: eu sei que ele não morde (mentira diplomática), mas incomoda. Isto parece difícil de entrar na cachola dos proprietários ou seus procuradores que levam o animal a passear. E nenhum escapa de seu destino ontológico, mesmo de banho tomado: têm cheiro de cachorro, que nem todo mundo aprecia.

Nos meus encontros regulares com passeadores de cachorros, não deixo de elogiar efusivamente a boa educação e senso de cidadania daqueles munidos de sacos plásticos para recolher o cocô que os bichos deixam cair no chão. Só falta levar Pinho Sol para borrifar o xixi irrecolhível, que contribui para a inhaca de nossas calçadas. Mas, aí é pedir demais!

(Diário de Pernambuco, 5/5/2014)

 

 

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