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A TV IMPOPULAR
Apesar de todo o seu prestigio e potencialidade,
a TV Educativa ainda não se firmou como uma das
mais populares modalidades de televisão. Os
índices de audiência revelam, até certo ponto,
um grande desinteresse por parte do público, já
que ainda não se descobriu como fazer,
realmente, uma TV Educativa. As fórmulas para
salvá-la são muitas. Falta descobrir qual a
melhor proposta.
Os funcionários das emissoras de televisão dos
Estados Unidos calculam que pelo menos
seiscentos milhões de pessoas assistiram ao
lançamento da Apolo-14, sendo 216 milhões na
Europa Ocidental, 103 milhões na Europa Oriental
e 55 milhões em todo o território
norte-americano. O fato de uma imagem ser
transmitida da Lua para a Terra, e partilhada,
igualmente, por um público tão numeroso, exige
uma reflexão. Lembremos as palavras de Pereira
Lima, quando formulou a Lei da População: “Uma
verdade pensada por dez mil homens não é sempre
a mesma quando pensada por um milhão.”
Testemunha dos marcos históricos de nossa era, a
televisão assinala, com a sua popularidade, a
geração atual. Existe, porém, uma TV impopular.
Qual será? A TV impopular será aquela que
pratica a agressão pela imagem?
“...as emissoras exibem o crime em suas formas
mais brutais. Um clima de ansiedade difunde-se
entre as crianças de todas as idades. A
televisão deixa de ser um simples veículo,
passando a transmitir um termo de realidade a
cenas puramente fantasiosas: abismos marinhos
onde habitam peixes fantásticos, grutas de
horrores cheias de esqueletos vivos e soturnas
corujas, animais pré-históricos devorando
meninos louros. Esta carga de situações
penosas,constrangedoras, traumatiza e acovarda
três milhões de crianças”. (Mário-Lúcio Franklin
– Jornal do Brasil – 13/2/1971.) Mas não é esta
a TV impopular.
A TV POPULAR
Enquanto as fábricas lançam no mercado modelos
cada dia mais aperfeiçoados de equipamentos de
TV, populariza-se uma forma de comunicação que
transforma os telespectadores em autômatos, sem
capacidade de refletir ou reagir, em robôs, pois
abdicam de sua criatividade e aceitam quaisquer
tipos de mensagens, sem exercer crítica ou
seleção. O homem, criador da máquina, está
exigindo muito pouco de sua criação, e ela passa
a dominá-lo insensivelmente, pela mediocridade
em doses diárias. Os programas de violências, de
tão repetidos, terminam por criar usos e
costumes, embotando a nossa sensibilidade. A
morte de um ser humano, que seria motivo para
sentimentos de tristeza e revolta, desperta
somente indiferenças. DIVERTE. A televisão está
sendo injustiçada. Não está cumprindo
integralmente a missão para a qual está
soberbamente dotada. Apesar de ser popular.
TV EDUCATIVA
Mas existe uma TV que, apesar de toda a sua
potencialidade e todo o seu prestígio, é
impopular: a TV educativa. De que serve uma TV
Educativa sem público? De que adianta um plano
de educação para a televisão, se a audiência é
reduzida, muito aquém de sua capacidade? Não se
trata de estarmos defendendo, aqui, a quantidade
em detrimento da qualidade. Precisamos, porém,
entender que a televisão é um meio de
comunicação individual, como a leitura. Se
quisermos advogar uma TV de minoria, estaremos
desperdiçando a enorme potencialidade de
comunicação da televisão. É esta a razão pela
qual nos propomos a combater a TV impopular.
Caracterizada pelo aspecto da atualidade e pelo
que a imagem tem de verdade e documento, a
televisão é um instrumento incomparável de
educação, e a expressão TV Educativa deveria ser
um pleonasmo. Contudo, temendo a indiferença do
público, o Canal 2, de São Paulo, preferiu um
nome que não o relacionasse com programações
insípidas – e a TV Cultura mostrou, com isso,
que desejava ter uma audiência significativa. O
problema principal, no Brasil, está no conceito
mais difundido da TV Educativa, que parece
associá-la exclusivamente a programas-aulas, à
transmissão exclusiva de cursos e conferências.
Tal concepção, embora falsa e parcial, tem sido
a causa dos preconceitos do público, que prefere
emissoras cujo único objetivo é diverti-lo, e
motivo, também, do grande atraso em que ainda
nos encontramos, se considerarmos a televisão
como poderosos auxiliar cultural.
A LINGUAGEM TÉCNICA DECIDE O ÊXITO
O que torna uma estação educativa são os seus
objetivos, e não os tipos de programa que
apresenta aos telespectadores. Uma TV Educativa
deve oferecer aos telespectadores uma
programação de alto nível – técnico,
profissional e cultural – a serviço do homem e
da comunidade; programas variados, desde os
noticiários, as conferências científicas, os
filmes-documentários, aos espetáculos musicais,
sem esquecer o teatrinho de fantoches, que tanto
diverte a criançada. Considerando-se o profundo
significado das comunicações, sua influência e a
necessidade de empregá-las na construção de um
mundo melhor, toda TV deveria ser educativa.
Cabe aos técnicos, produtores e artistas
proporcionarem ao público espetáculos atraentes,
agradáveis, afastando a ideia de que um programa
de bom nível intelectual tem que ser
necessariamente “maçante”.
George Gordon afirmou: “... a televisão
educativa, através dos seus meios, pode
tornar-se tão importante para a educação como o
foi a invenção dos tipos móveis para a produção
de livros em massa”.
Para atingir seus objetivos, a TV dispõe de
recursos fabulosos. O programa levado ao ar com
a técnica própria de televisão, bem elaborado,
bem apresentado, dotado de senso artístico e
valor cultural, consegue atingir a finalidade a
que se propõe, mesmo que seja apenas divertir.
Colocando o telespectador numa posição
privilegiada, dando-lhe o ângulo de visão
próprio a uma pessoa que ocupasse uma cadeira de
primeira fila, a televisão tem a
responsabilidade de oferecer o melhor, como
entretenimento e informação. Não é verdade que o
telespectador rejeita um espetáculo de cunho
sério; o que ele não aceita é um programa
monótono, pouco atraente, mal ensaiado, quase
improvisado. Apenas o conteúdo não determina a
qualidade da programação, principalmente quando
se trata de um veículo de comunicação visual. A
forma decide o êxito ou o fracasso da
transmissão da mensagem. A técnica enriquece a
forma de apresentação da mensagem que se deseja
transmitir à coletividade. As câmeras deverão
ser utilizadas para enriquecer a linguagem
plástica das tomadas.
Essas considerações nos apontam as razões pelas
quais as emissoras educativas, no Brasil, são
impopulares (com exceção da TV Cultura de São
Paulo). Equipamentos modernos e verbas
governamentais não fazem uma estação de TV
realizar uma obra de educação. O segredo está
nos comunicadores. Cada membro da equipe de uma
emissora de televisão precisa dispor dos
conhecimentos requeridos para uma boa execução
de suas funções. O iluminador poderá dar a uma
determinada cena um realce todo especial, se
souber como utilizar os recursos de que dispõe.
Por outro lado, o produtor que não conhece a
mecânica do “corte” arrisca-se a escrever um
roteiro que dificulte ou empobreça a seleção de
imagens, ou então, simplesmente, não utiliza
efeitos como a superposição, tela dividida, etc.
O resultado final de qualquer programa de TV é
fruto do trabalho de uma equipe. Esta, se não
agir como um todo, se não coordenar os esforços
e movimentos, verá sua ação desperdiçada. A TV
Educativa tem sido impopular porque despreza o
interesse do público, porque teima em utilizar
apenas professores, e não, comunicadores de TV,
porque repousa em seu conteúdo e não busca
apresentar, também, um nível superior de
comunicação, em termos de som e imagem, numa
harmonia plástica que seja capaz de atrair e
divertir, enquanto educa integralmente a pessoa
humana.
A TV E O DESENVOLVIMENTO
Esqueçamos, porém, as diferenças de
popularidade, e vejamos outro ponto que devemos
destacar para uma reflexão de consequências
socioeconômicas: trata-se da influência da TV no
desenvolvimento dos países. Com o progresso dos
meios de comunicação, as nações subdesenvolvidas
entram em contato com o “modus vivendi” superior
dos povos desenvolvidos. Essa visão de uma
realidade superior provoca um impacto criador de
desejos individuais e coletivos, que podem levar
a uma mentalidade desenvolvimentista. Se bem
orientada pelas autoridades, provocará mudanças
positivas, cujo resultado será a elevação do
nível de vida no país. Em caso de exploração do
contraste existente, surgindo uma revolução
drástica e desordenada, poderemos culpar, de
certo modo, a revelação face a face de
realidades contrastantes efetuada pelas
comunicações e, de modo especial, pela
televisão.
A TV COMO DOCUMENTO
A invenção do vídeo-tape, documentário em som e
imagem, abriu perspectivas de valor para a
documentação em todos os campos, não apenas como
registro audiovisual de acontecimentos, mas
também como possibilidade de uma interpretação
histórica inexata poder ser ulteriormente
corrigida. O vídeo-tape, auxiliar dos
historiadores, significa muito mais que uma
descrição do fato – é o documento vivo, porque
mostra a imagem em sua verdade material, com
frequência complementada pelo registro sonoro.
IDEIA PIONEIRA
De acordo com a nossa orientação, de usar a TV
como instrumento de Educação, lançamos aqui uma
ideia pioneira, que coloca os meios de
comunicação de massa em condições de auxiliar os
pais e orientadores educacionais em sua missão.
Recomendamos a criação de teleclubes, que serão,
ao mesmo tempo, cineclube e clubes de televisão.
Nesses teleclubes, os educadores comentarão
filmes e programas de TV, os mais diversos,
destacando os aspectos positivos e mostrando as
razões pelas quais determinadas atitudes podem
ser consideradas negativas. Ao expressar a sua
opinião sobre um filme ou a sua reação ante uma
produção de TV, o adolescente expressará
igualmente a sua personalidade, os desejos de
seu coração, suas mágoas, seus conceitos – o que
dará valiosos instrumentos ao educador para
iniciar a sua tarefa. A ideia dos teleclubes não
implica em grandes despesas, pois está baseada
na popularidade da TV. Não há necessidade de se
alugar filmes para projeções particulares. Nas
reuniões, serão discutidas as produções em
exibição na cidade, ou as mais comentadas em
jornais e revistas, além da programação dos
canais de televisão. Não nos esqueçamos de que
todo homem nasce para se realizar como ser
humano. Quando isso não ocorre, a razão
encontra-se na falha da educação.
A COMUNICAÇÃO PELO MONITOR
Para encerrar este artigo, queremos salientar a
responsabilidade dos monitores de telepostos. O
êxito da transmissão de uma aula depende
sobremaneira do grau de comunicação do monitor
com o grupo de adultos. Princípios de relações
humanas e dinâmica de grupo estão entre as
técnicas que deveriam ser exigidas. O problema
não reside em encontrar um indivíduo para
preencher a função de monitor. Os diretores de
telepostos precisam incluir entre as suas metas
de trabalho: formação e treinamento básico do
monitor, métodos para controlar o seu rendimento
e desenvolvê-lo concomitantemente ao
desenvolvimento das aulas. O bom monitor precisa
estar integrado na TV educativa. A
heterogeneidade do grupo muitas vezes prejudica
o aproveitamento do material transmitido,
dificuldades que o monitor precisa vencer, ao
mesmo tempo que seleciona os pontos-chaves da
aula, faz a adaptação local do tema (quando for
o caso), explica, interpreta e complementa a
mensagem transmitida, usando comparações,
analogias e contraposições, empregando material
audiovisual correlato. Como resultado da boa
comunicação, dar-se-á a compreensão integral da
mensagem: a aula abrirá muitos caminhos para o
grupo que acreditou na TV como instrumento de
educação.
Theresa Catharina de Góes Campos
In: Educação
Brasília - DF, MEC, 1971
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