Theresa Catharina de Góes Campos

 
PILOTAR... E SENTIR A PLENITUDE DA VIDA...

O avião decolara há pouco tempo da base militar para um voo noturno. O piloto, único tripulante do minúsculo aparelho, olhava o mapa, entretido na decifração daquelas linhas e indicações sobre tão grande região. Como se um “mundo” pudesse ser descrito de uma maneira tão simples.

As nuvens eram suas únicas companheiras, fieis e constantes na sua eterna missão de velar o destino dos que se arriscam a ir até elas... Não podia dizer que estava só...

Lembrava-se de quando entrara na escola, do seu 1º voo sozinho, sem o instrutor, de todos os seus atos, sonhos, junto às recordações do voo solo. Tinha um estranho pressentimento: algo lhe fazia miúdo o coração, amargurava a sua alma repleta de incertezas. Que surpresas lhe estaria reservando o destino nas próximas horas? Verificou os instrumentos e constatou que tudo, no momento, ia correndo bem. Ao olhar fixamente através do vidro, pareceu-lhe ver a face da guerra, cheia de mortes, com inúmeras missões de reconhecimento. Quantas ele fizera, arriscando a vida por umas parcas e, às vezes, inúteis informações.

Gostava da sensação de poderio que lhe perpassava a mente quando guiava o avião, ao dominar este monstro metálico de grande poder mas que, sem ele, de nada valeria. O estudante pode errar num cálculo, a costureira pode não coser do modo certo e, depois, desmanchar todo o trabalho feito para recomeçar. Porém o piloto sabia que não tinha assegurado para si esse direito. Se errasse, sobreviveria para corrigir? Logo estaria sobrevoando o oceano, o seu avião como a deitar-se sobre as águas, numa infantil tentativa de descanso...

Ao se completar mais de uma hora de voo, ficou confirmada uma anormalidade. Ele estava perdido. A gasolina já querendo acabar e nada a indicar a aproximação do lugar onde estava prevista a aterrissagem. Na intensa escuridão reinante era o piloto um cego em desespero, fitando as estrelas tão lindas, tão brilhantes, mas que não podiam ajudá-lo. Tinha olhos e nada podia ver, sua força humana que podia fazer diante de tal fatalidade? Há muito pressentira um desvio na rota, devido ao mau tempo.

Sentia medo... não estava, como também pessoa alguma está, suficientemente preparado para enfrentar a morte inesperada. Pensou: “Que faria minha esposa numa situação dessas? Ah, rezaria.”

No regaço de Deus deve mesmo haver uma grande quantidade de orações que, infelizmente, só foram rezadas em graves circunstâncias, em horas em que mais intensamente se compreende que tudo o que acontece é permitido pelo Criador. Ao entrar no avião levara consigo a lembrança dos beijos e abraços de sua esposa e de sua filha. Parecia sentir algo roçando seu corpo, seu rosto... terrível ilusão... não eram os braços de sua Aninha que lhe enlaçavam os ombros, não eram os lábios da esposa que o beijavam na face... Talvez fosse a morte, com seus esqueléticos membros, com a boca úmida e descarnada, ela que nunca pode aprender a pronunciar a palavra “Misericórdia”. Que seria dele? Desajeitadamente juntou as mãos em pose de prece e orou... Lá longe, duas estrelas presenciaram seu ato de súplica, confirmação da fraqueza humana. Seu coração, mesmo depois de ter rezado, assemelhava-se a um turbilhão.

Só o avião permanecia sereno. Porém a alma do oficial conservava em si, agora, a chama da esperança. Ia lutar furiosamente para viver, para voltar a seus entes queridos. A gasolina só daria para duas horas. Teria de vencer o vento que o arrastava para a perdição. Após uma hora e meia de litígio agonizante contra as forças naturais, eis que começou, espaçadamente, a avistar luzes. Teve vontade de pular, de acariciar e beijar os instrumentos. Ainda não era a certeza da salvação, mas esperava que os 30 minutos de gasolina lhe reservassem algo de bom.

Passaram-se uns minutos. Saindo o avião das nuvens, viu-se vigiado por um milhão de clarões elétricos. O aviador, com energia em todo o seu ser, procurava com o olhar ávido um lugar onde pudesse pousar. Logo avistou o “paraíso”, isto é, um campo de pouso. Olhou, carinhoso, para o interior do aparelho, como lhe agradecendo ter correspondido, na medida do possível, para que ele se salvasse. Seu contato com a terra pelo rádio, interrompido durante horas, foi reiniciado. A voz que lhe falava era para ele tão doce e cálida que mais parecia ser a de um parente próximo. Ele estava voltando para casa, para o aconchego do seu lar, pronto para receber as manifestações carinhosas de sua família. A pista o recebia de braços abertos, com uma amizade disfarçada de dureza inflexível. Ao descer do avião sentiu-se poderoso por ter vencido a tempestade, as nuvens traiçoeiras... Viver... Amar... Ele continuaria a fazer o que sempre fizera no curso de sua existência. Deu uma olhada para o aparelho, bastante maltratado pela intrépida viagem e sentiu-se feliz por pilotar, por cruzar os ares, o desconhecido...

Theresa Catharina de Góes Campos
BIAIG - Boletim Informativo do Aeroporto Internacional dos Guararapes
ANO III N. 10 JANEIRO FEVEREIRO MARÇO DE 1962
Recife - Pernambuco

De: Emerson Corona
Data: 18 de setembro de 2014

Cara Sra. Theresa Catharina:
SIMPLESMENTE, o máximo. Viajei junto, fantástico.
Saudades.
Abraços,
Emerson
 

 

Jornalismo com ética e solidariedade.