|
PILOTAR... E SENTIR A PLENITUDE DA VIDA...
O avião decolara há pouco tempo da base militar
para um voo noturno. O piloto, único tripulante
do minúsculo aparelho, olhava o mapa, entretido
na decifração daquelas linhas e indicações sobre
tão grande região. Como se um “mundo” pudesse
ser descrito de uma maneira tão simples.
As nuvens eram suas únicas companheiras, fieis e
constantes na sua eterna missão de velar o
destino dos que se arriscam a ir até elas... Não
podia dizer que estava só...
Lembrava-se de quando entrara na escola, do seu
1º voo sozinho, sem o instrutor, de todos os
seus atos, sonhos, junto às recordações do voo
solo. Tinha um estranho pressentimento: algo lhe
fazia miúdo o coração, amargurava a sua alma
repleta de incertezas. Que surpresas lhe estaria
reservando o destino nas próximas horas?
Verificou os instrumentos e constatou que tudo,
no momento, ia correndo bem. Ao olhar fixamente
através do vidro, pareceu-lhe ver a face da
guerra, cheia de mortes, com inúmeras missões de
reconhecimento. Quantas ele fizera, arriscando a
vida por umas parcas e, às vezes, inúteis
informações.
Gostava da sensação de poderio que lhe
perpassava a mente quando guiava o avião, ao
dominar este monstro metálico de grande poder
mas que, sem ele, de nada valeria. O estudante
pode errar num cálculo, a costureira pode não
coser do modo certo e, depois, desmanchar todo o
trabalho feito para recomeçar. Porém o piloto
sabia que não tinha assegurado para si esse
direito. Se errasse, sobreviveria para corrigir?
Logo estaria sobrevoando o oceano, o seu avião
como a deitar-se sobre as águas, numa infantil
tentativa de descanso...
Ao se completar mais de uma hora de voo, ficou
confirmada uma anormalidade. Ele estava perdido.
A gasolina já querendo acabar e nada a indicar a
aproximação do lugar onde estava prevista a
aterrissagem. Na intensa escuridão reinante era
o piloto um cego em desespero, fitando as
estrelas tão lindas, tão brilhantes, mas que não
podiam ajudá-lo. Tinha olhos e nada podia ver,
sua força humana que podia fazer diante de tal
fatalidade? Há muito pressentira um desvio na
rota, devido ao mau tempo.
Sentia medo... não estava, como também pessoa
alguma está, suficientemente preparado para
enfrentar a morte inesperada. Pensou: “Que faria
minha esposa numa situação dessas? Ah, rezaria.”
No regaço de Deus deve mesmo haver uma grande
quantidade de orações que, infelizmente, só
foram rezadas em graves circunstâncias, em horas
em que mais intensamente se compreende que tudo
o que acontece é permitido pelo Criador. Ao
entrar no avião levara consigo a lembrança dos
beijos e abraços de sua esposa e de sua filha.
Parecia sentir algo roçando seu corpo, seu
rosto... terrível ilusão... não eram os braços
de sua Aninha que lhe enlaçavam os ombros, não
eram os lábios da esposa que o beijavam na
face... Talvez fosse a morte, com seus
esqueléticos membros, com a boca úmida e
descarnada, ela que nunca pode aprender a
pronunciar a palavra “Misericórdia”. Que seria
dele? Desajeitadamente juntou as mãos em pose de
prece e orou... Lá longe, duas estrelas
presenciaram seu ato de súplica, confirmação da
fraqueza humana. Seu coração, mesmo depois de
ter rezado, assemelhava-se a um turbilhão.
Só o avião permanecia sereno. Porém a alma do
oficial conservava em si, agora, a chama da
esperança. Ia lutar furiosamente para viver,
para voltar a seus entes queridos. A gasolina só
daria para duas horas. Teria de vencer o vento
que o arrastava para a perdição. Após uma hora e
meia de litígio agonizante contra as forças
naturais, eis que começou, espaçadamente, a
avistar luzes. Teve vontade de pular, de
acariciar e beijar os instrumentos. Ainda não
era a certeza da salvação, mas esperava que os
30 minutos de gasolina lhe reservassem algo de
bom.
Passaram-se uns minutos. Saindo o avião das
nuvens, viu-se vigiado por um milhão de clarões
elétricos. O aviador, com energia em todo o seu
ser, procurava com o olhar ávido um lugar onde
pudesse pousar. Logo avistou o “paraíso”, isto
é, um campo de pouso. Olhou, carinhoso, para o
interior do aparelho, como lhe agradecendo ter
correspondido, na medida do possível, para que
ele se salvasse. Seu contato com a terra pelo
rádio, interrompido durante horas, foi
reiniciado. A voz que lhe falava era para ele
tão doce e cálida que mais parecia ser a de um
parente próximo. Ele estava voltando para casa,
para o aconchego do seu lar, pronto para receber
as manifestações carinhosas de sua família. A
pista o recebia de braços abertos, com uma
amizade disfarçada de dureza inflexível. Ao
descer do avião sentiu-se poderoso por ter
vencido a tempestade, as nuvens traiçoeiras...
Viver... Amar... Ele continuaria a fazer o que
sempre fizera no curso de sua existência. Deu
uma olhada para o aparelho, bastante maltratado
pela intrépida viagem e sentiu-se feliz por
pilotar, por cruzar os ares, o desconhecido...
Theresa Catharina de Góes Campos
BIAIG - Boletim Informativo do Aeroporto
Internacional dos Guararapes
ANO III N. 10 JANEIRO FEVEREIRO MARÇO DE 1962
Recife - Pernambuco
De: Emerson Corona
Data: 18 de setembro de 2014
Cara Sra. Theresa Catharina:
SIMPLESMENTE, o máximo. Viajei junto,
fantástico.
Saudades.
Abraços,
Emerson
|
|