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ORIGEM DA CANTORIA NORDESTINA - Zé Lucas
De: Eduardo Augusto Roxo Pereira
Data: 30 de outubro de 2014
2 de janeiro de 2010
ORIGEM DA CANTORIA NORDESTINA
ORIGEM DA CANTORIA NORDESTINA
Zé Lucas
A cantoria de repente teve início, aqui no
Nordeste, em terras paraibanas, ali pelas
quebradas da serra do Teixeira, no meado do
século dezenove, com o surgimento dos primeiros
cantadores e repentistas: Agostinho Nunes da
Costa(1797-1852) e seus filhos Antônio Ugolino
Nunes da Costa, Ugolino do Sabugi(Teixeira –
1832-1895), primeiro grande cantador brasileiro,
e Nicandro Nunes da Costa(Teixeira – 1829-1918),
o poeta ferreiro. Nessa fase inicial e na de
afirmação da cantoria como profissão e arte,
vamos encontrar Silvino Pirauá Lima(Patos-PB –
1848-1913), introdutor da sextilha no cordel e
na cantoria, do uso da deixa e do
martelo-agalopado como se canta hoje; Germano
Alves de Araújo Leitão(Germano da Lagoa –
Teixeira – PB – 1842-1904); Romano da Mãe
d’Água(1840-1891), Francisco Romano Caluête, ou
Francisco Romano, considerado o maior cantador
de seu tempo, tornado legenda pelas famosas
pelejas com Inácio da Catingueira(Catingueira-PB
– 1845-1881), o chamado gênio escravo que
engrandeceu a cantoria pela beleza e
espontaneidade de seu estro. Outro cantador de
grande expressão que marcou espaço na época foi
Bernardo Nogueira(Teixeira – 1832-1895), de quem
diz Câmara Cascudo: - “Violeiro afamado,
repentista invencível, mestre-de-armas
sertanejo, jogando bem espada e cacete, era mais
inteligente que letrado.” (Vaqueiros e
Cantadores, p. 309).
Alguns elegem Gregório de Matos Guerra, o Boca
do Inferno(Bahia – 1633-1693) e o Padre Domingos
Caldas Barbosa(1738 – 1800) como precursores da
cantoria de viola no Brasil. Os dois, na verdade
bons poetas, foram cantadores de modinhas ao som
da viola, nunca, porém, repentistas dados a
duros e longos desafios. Improvisavam quadrinhas
vez por outra, em saraus e reuniões de
intelectuais. Caldas Barbosa, em Portugal,
despertou a rivalidade do grande Bocage, em face
do prestígio do primeiro nos salões palacianos,
cantando modinhas e fazendo quadras, vez por
outra. Uma feita, Bocage explodiu: - “Improvisa
berrando o bode rouco!” Caldas Barbosa, em
resposta, acentuou que Bocage,
“Um homem de pouca fé,
Só não fala de Jesus
Porque não sabe quem é!”
O nosso mestre maior, Câmara Cascudo, que
estudou a obra de Domingos Caldas Barbosa, para
um volume da coleção Nossos Clássicos, não o
considerou precursor da cantoria, assim como não
deu também tal título a Gregório de Matos. E o
mestre Cascudo não deixou a desejar a respeito
das origens do desafio, do repente e da
cantoria.
Os dois poetas, sem dúvida, influenciaram os
violeiros que cantam modinhas e músicas
caipiras, cuja presença em Goiás e Minas é
considerável atualmente. O programa da cantora
Inezita Barroso – VIOLA MINHA VIOLA – na TV
CULTURA, é palco desses inúmeros violeiros que
muitas vezes nos levam às lágrimas com suas
modinhas predominantemente tristes e langorosas.
Enquanto isso, a nossa cantoria de repente
caracteriza-se pelo confronto entre cantadores,
ou seja, pelo desafio, cuja origem remonta à
Grécia Antiga.
A esse respeito, muito se tem questionado, nos
últimos tempos, na ânsia de aclarar as dúvidas e
fincar uma estaca em algum ponto do tempo e do
espaço que possa escorar confortavelmente os
estudiosos do assunto e dar resposta firme ao
enorme rol de curiosidades insatisfeitas. No
Brasil, somente Cascudo estudou diretamente e
com profundidade o assunto. Sílvio Romero, João
Ribeiro, Gustavo Barroso, Rodrigues de Carvalho,
Leonardo Mota, Renato Almeida, além de outros,
cuidaram da cultura popular e do folclore, mas
praticamente passaram de largo sobre a origem de
nossa cantoria.
Parece-nos que, nessa busca do elo inicial da
corrente eletrizante da cantoria nordestina,
ninguém foi mais longe, com respaldo
bibliográfico, do que o nosso gigantesco Luís da
Câmara Cascudo, que o vai vislumbrar no antigo
canto amebeu grego (desafio entre pastores),
cuja técnica teria sido adotada por Homero na
Ilíada e na Odisséia. Oportuno lembrar que
Homero viveu (se é que viveu) por volta dos
séculos IX e VIII antes de Cristo. Assim, o
canto amebeu grego já era exercitado há, pelo
menos, trinta séculos de hoje. O mestre potiguar
assinala que Horácio e Virgílio testemunharam a
influência desse canto nas populações rurais de
seu país. “O canto alternado reaparece na Idade
Média, nas lutas dos Jonglers, trouveros,
Troubadours, Minesingers, na França, Alemanha,
Flandres, sob o nome de tenson ou de Jeux-partis,
diálogos contraditórios, declamados com
acompanhamento de laúde ou viola, a viola de
arco, avó da rabeca sertaneja”, argumenta
Cascudo. Nosso gênio potiguar jamais abriu mão
dessa tese e a sustentou no Dicionário do
Folclore Brasileiro, em Vaqueiros e Cantadores e
em Literatura Oral no Brasil. Contudo, ressalta
que os árabes conheceram tal canto. Registra,
também, a posição discordante de Teófilo Braga
(1843-1924), grande historiador da literatura
portuguesa, que julgava o desafio português, ou
desgarrada, de origem árabe imitado pelos
provençais, mas não arreda pé de sua tese,
acrescentando apoio na obra de Charles Barbier –
Introdução aos Idílios de Teócrito, de que
transcreve longa página no próprio original
francês. (Cascudo não gostava de traduzir as
transcrições de outras línguas).
As posições de Cascudo e de Teófilo Braga
trilham os seguintes caminhos:
a) Para Cascudo, os árabes absorveram o desafio
dos trovadores provençais, advindo do canto
amebeu grego, e o levaram para o oriente:
b) Para Teófilo Braga, os trovadores provençais
receberam o desafio dos árabes e o imitaram em
suas cantigas.
Sobre essas posições conflitantes dos dois
mestres, leia-se Literatura Oral no Brasil,
1984, pp. 346/347.
Um enfoque condizente com a posição de Teófilo
Braga é dado pelo Professor de estética e música
e violonista da UFPE Sr. Luís Soler, em seu
livro RAÍZES ÁRABES, NA TRADIÇÃO POÉTICO-MUSICAL
DO SERTÃO NORDESTINO, publicado em 1978, citado
por Alberto da Cunha Melo, (UM CERTO LOURO DO
PAJEÚ, edição da UFRN, Natal, 2001, p. 61/65).
O autor de UM CERTO LOURO DO PAJEÚ, abraçando a
tese do Prof. Luís Soler, admite que “a
literatura oral é pré-histórica, pré-documental,
pré-escrita, do beduíno do deserto ao repentista
nordestino.” (obr. cit. , p. 39).
Um dos trunfos dessa tese é a origem árabe da
rabeca e da viola, instrumentos que acompanham
os cantadores nordestinos desde os mais antigos.
Sabe-se que a viola foi, provavelmente, o
primeiro instrumento de cordas que o português
divulgou no Brasil (século XVI), porque na época
do nosso povoamento a viola em Portugal estava
em seu grande esplendor. Por outro lado, a
orquestra típica das festas jesuíticas se
compunha da viola, do pandeiro, do tamboril e da
flauta. (Cascudo, Dicionário). Mas tudo indica
que a viola, naquela época, ainda não era a dos
nossos cantadores de repente e desafio, senão a
dos cantadores de modinhas, canções, hinos
eclesiásticos, etc.
O problema da ausência de documentação, tanto na
antiguidade como em épocas mais recentes, a
exemplo do período colonial brasileiro até a
primeira metade do século dezenove, causa enorme
dificuldade para o preenchimento dos espaços
vazios na história de nossa cantoria e abre
margem a inevitáveis especulações que, mais das
vezes, não contribuem senão para acirrar a
curiosidade dos interessados no assunto, embora
talvez possa estimular o esforço a novas e
laboriosas pesquisas.
Assim como o cordel, o desafio de repentistas
nos veio de além-mar, provavelmente ao mesmo
tempo, embora disso não se tenha documentação.
“Não conheço documentação sertaneja anterior ao
séc. XVIII”, afirma Câmara Cascudo (Literatura
Oral no Brasil, 1984, p. 339).
Não contestamos a qualidade dos dois poetas e
cantadores de modinhas, assim como a sua
capacidade de improvisar. O que não dá para
aceitar, em sã consciência, é que eles tenham
influenciado os nossos velhos repentistas
surgidos na primeira metade do século dezenove.
A esse respeito, poderíamos questionar:
1º) Se o mineiro Caldas Barbosa e o baiano
Gregório de Matos houvessem aberto caminho à
cantoria dos repentistas nordestinos, por que
estes não surgiram em Minas ou na Bahia? 2º) Se
a influência tivesse vindo daquelas violas, por
que vários dos primeiros cantadores usavam
pandeiro e rabeca?
Os nossos primeiros repentistas, surgidos no
sertão da Paraíba, beberam, com certeza, em
outras fontes, assim como os cordelistas,. Tanto
os repentistas quanto os cordelistas iniciaram
sua obra poética em quadras de sete sílabas,
como se fazia no velho mundo. “Não houve criação
brasileira nem alteração de maior na
nomenclatura.” (Cascudo, obra citada, p. 339).
Com relação aos nossos repentistas, parece-nos
provável que desde tempos anteriores ao seu
surgimento no sertão da Paraíba, cantadores
anônimos tenham perambulado Nordeste afora,
ensaiando desafios, tocando viola e batendo
pandeiro, porque essas coisas não surgem de vez,
logo com um grupo quase organizado de diversos
cantadores, ali, nas quebradas do Teixeira. Mas
é claro que não temos documentação disso, como
já observamos linhas atrás.
De qualquer forma, pelo sim ou pelo não, a
cantoria continuará a mesma. Não é uma
questiúncula desse naipe que lhe irá mudar os
rumos ou as características atuais. Nosso
empenho é que ela mergulhe no terceiro milênio
com água e lenha, vencendo como sempre todas as
adversidades e preservando os verdadeiros
valores da cultura popular.
Cabe uma palavra, ainda, sobre a sextilha.
Segundo José Alves Sobrinho e Átila Augusto F.
de Almeida, essa forma poética teria sido criada
por Silvino Pirauá Lima (Dicionário
Bio-Bibliográfico dos Repentistas e Poetas de
Bancada, I vol., p. 45). Em verdade, o que
Pirauá fez foi introduzi-la na cantoria e no
cordel, porquanto “A sextilha setissílábica,
forma absolutamente vitoriosa na literatura de
cordel brasileira, ABCBDB, é tão antiga quanto a
quadra, ensinava Carolina Michaelis de
Vasconcelos, dizendo-a popularíssima no séc.
XVI.” (Conf. Luís da Câmara Cascudo, Literatura
Oral no Brasil, Editora da Universidade de São
Paulo, 1984, p. 339).
De: Joao Vianey de Farias
Data: 3 de novembro de 2014
Theresa,
Boa-tarde!
Que maravilha de texto! Tem citações iniciais de
minha terra natal - o pé da serra do Teixeira
(sou natural de DESTERRO/PB, que fica naquela
região).
O natalense / potiguar - Câmara Cascudo - maior
folclorista brasileiro, também é citado. Tive o
privilégio de conhecê-lo pessoalmente e
ocasionalmente tenho contatos com a filha e neta
dele, aqui em Natal!
Um abraço fraterno,
João Vianey de Farias
"Otimismo, esperança e fé espalham saúde. E
fazer o bem, todos os dias, também!"
Theresa Catharina de Góes Campos
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