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MANIFESTO EM FAVOR DA ALMA
Tereza Halliday – Artesã de Textos
Considerando que (a) passei a maior parte da
vida fazendo o que tem de ser feito e o que
outros gostariam que eu fizesse; (b) faltei com
a consideração e o respeito à minha alma, por
motivos maiores, que não combinam com ela; (c)
ela tem sido tolerante com meus abusos em nome
do amor a terceiros, cortesia e obrigações
funcionais e (d) não poderei agradá-la sempre...
Disponho-me, doravante, a ouvi-la mais vezes e
respeitar-lhe os momentos, harmonizando-me com
ela. Assim, convites, propostas, envolvimentos,
convocações, ambientes festivos ou
contemplativos só serão aceitos se minha alma
estiver a fim. Não devem, pois, causar espanto
nem melindre meus aceites e recusas. Vai
depender da minha alma. Agora é a vez dela,
antes que se aparte de mim, sem que eu lhe tenha
sido pelo menos tão fiel quanto tenho sido a
minhas obrigações e afeições.
Estava eu para assinar este manifesto, quando
uma realidade supra chegou de mala e cuia: tive
de abandonar um smartphone defasado por um novo,
muito sabido, mas já suplantado por sua versão
mais recente. Luto para aprender a deslizar
competentemente o dedo sobre a telinha do
“dispositivo”, equipado para ser escritório,
secretária, mordomo, fotógrafo, radio, TV, moço
de recados e até mesmo telefone; gasto tempo
para achar seus caminhos operacionais e depois
não consigo voltar aonde estive. Devo apurar-me
na coreografia do dedo, que nunca foi bailarino.
Necessário virar-me para ser tecnologicamente
atualizada, ou me terão por morta-viva. Alminha,
aguenta o tranco!
Diário de Pernambuco, 15/12/2014
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